Curitiba se prepara para a ópera da biodiversidade
2006-01-23
Está dada a largada. A partir desta semana, os paranaenses vão ter de se habituar a siglas feito COP 8 e MOP 3, já que ambas vão tomar conta, nos próximos dois meses, de noticiários, das placas das ruas e da vida do cidadão comum, direta ou indiretamente tocado por duas conferências internacionais de meio ambiente de primeira grandeza que acontecem na cidade de 13 a 31 de março. Ainda não se tem uma precisão do impacto que a COP8 - 8.ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica e a MOP3 - 3.ª Reunião das Partes Signatárias do Protocolo de Cartagena vão ter sobre Curitiba (PR). Mas dá para presumir.
Em três semanas de atividades, as duas reuniões devem atrair cinco mil visitantes oriundos de cerca de 200 países, e, estima-se, cerca de oito mil participantes da sociedade civil. Serão chefes de estados, ministros do meio ambiente, representantes da ONU, lideranças indígenas, professores universitários e simpatizantes, para citar algumas tribos. Por mais europeizada que seja, a capital paranaense nunca viu tamanha Babel. Nenhum setor de serviços da cidade vai passar pelos eventos sem sofrer alterações – de motoristas de táxis a seguranças, de donos de hotéis a vendedores de pipoca.
Um bom exemplo disso se deu na manhã de quarta-feira (18), quando o argelino Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica, organismo internacional ligado à ONU, criado na Conferência RIO 92 e o mais importante instrumento mundial no campo da biodiversidade, desembarcou em Curitiba para conhecer alguns dos principais espaços que serão utilizados pela COP 8 e pela MOP 3. A primeira parada foi no Parque Barigüi. O terno escuro do visitante e dos membros de sua comitiva – formada por representantes do Itamaraty, Ministério do Meio Ambiente e da prefeitura municipal de Curitiba – contrastava com a informalidade de “veranistas urbanos”, em pleno cooper matinal.
Em vão, Ahmed tentou entender o que queria dizer “Barigüi”, assim como, em outra parada, na Ópera de Arame (interditada para restauro para poder servir ao evento), “pinheiro-do-paraná”. Por sorte, havia alguns para serem mostrados ao representante da CDB. A conversa com a reportagem da Gazeta do Povo se deu no Memorial de Curitiba, no Centro Histórico, onde o que mais chamou a atenção do ecologista não foi nenhuma bênção da natureza, como o Barigüi e o pinheiro, mas o gigantesco painel do artista plástico Sérgio Ferro. Mais difícil do que o tupi-guarani e a flora local, dessa vez, foi compreender o que era um “malandro”, uma das figuras brasileiras em destaque na obra de Ferro.
Ahmed Djoghlaf esteve no Brasil pela primeira vez por ocasião da Rio 92 e vê um significado especial para a realização dos dois encontros no país, 14 anos depois. Afinal, foi na capital fluminense que nasceu a Convenção da Biodiversidade, assinada por 187 nações e uma espécie de fortaleza na defesa dos recursos genéticos. “A CDB nasceu no Rio, mas vai ficar adulta aqui em Curitiba”, disse.
O termo implementação, aqui, não se trata de pura retórica. Uma das características de conferências como a COP e a MOP é a disposição pela prática, pelo convencimento e pela negociação sem trégua, desviando do discurso inflamado dos ecologistas de ocasião. A contar por isso, dá para prever que as discussões – nos dois casos, abrigadas na Expo-trade Center, em Pinhais – devem varar algumas noite em busca de consenso, fatalmente chamando atenção do mundo sobre o que está sendo discutido na cidade. Um aperitivo: a pauta da MOP 3 passa pela polêmica identificação – no rótulo – dos produtos transgênicos. A da COP 8 vai transitar, faltalmente, pelo desmatamento na Amazônia, divisão de benefícios genéticos e por um assunto que tende monopolizar a audiência: a proteção dos conhecimentos tradicionais adquiridos pelos povos indígenas, à mercê da biopirataria e da expropriação.
“É um dos assuntos. Não vai ser o centro do debate”, afirma o representante da CDB, Ahmed Djoghlaf, mas sem disfarçar a admiração por esse tema explosivo, tamanho o número de perguntas que desperta. “Como vai ser a negociação com esses povos? Como pagar por esse tipo de informação? “Há um item da convenção que se ocupa dos 300 milhões de indígenas do planeta e da proteção do saber adquirido por eles. Estamos em busca de mecanismos para defender esse patrimônio”, comenta, anunciando em seguida o repasse de US$ 1 milhão ao Ministério de Meio Ambiente, a ser aplicado no desenvolvimento de projetos com os povos da floresta. O debate já começou.
(José Carlos Fernandes - Gazeta do Povo (PR), 19/01)