Em Rondônia, secretário que confessou assassinato de líder seringueiro permanece no cargo
2006-01-20
O vereador licenciado de Vale do Anari (RO), Walter Bispo dos Santos, continua a ocupar o cargo de secretário de Obras do município, duas semanas após ter confessado que ordenou o assassinato do presidente da Associação de Seringueiros do Vale do Anari (Asva), João Batista.
"O delegado já pediu a prisão duas vezes, mas a Justiça negou. Ele continua na prefeitura até ser condenado e preso", declarou hoje (19) à Radiobrás o prefeito de Vale do Anari, João Alves (PT). "O crime que ele cometeu não teve nada a ver com a administração."
O acusado contou à polícia que teria pago R$ 1.500 e fornecido um revólver a um homem conhecido apenas como Ismael, para que ele matasse Batista em 26 de dezembro. O motivo alegado por ele foi a disputa pela ex-mulher da vítima. Mas a Organização de Seringueiros de Rondônia (OSR), que agrega dez associações extrativistas, não acredita nessa versão. Em uma moção de repúdio divulgada após o encerramento da assembléia geral trienal da entidade, que reuniu em Porto Velho 90 lideranças populares nos dois últimos dias (16 e 17), os seringueiros voltaram a sustentar que a cobiça pelas riquezas naturais da Reserva Extrativista (Resex) Estadual do Acariquara é a verdadeira razão do assassinato.
Batista denunciava a exploração ilegal de madeiras nobres, manganês e a grilagem de terras na reserva. Em setembro de 2005, já recebendo ameaças anônimas de morte, ele esteve em Brasília e entregou à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, um documento que relatava os conflitos na região. Na moção de repúdio, a OSR pede que as autoridades estaduais e federais expulsem os invasores da Resex Aquariquara e que elaborem um Termo de Ajustamento de Conduta para que a associação e os moradores "possam desenvolver suas atividades econômicas e a co-gestão" da unidade.
Bispo pediu afastamento do cargo legislativo há 45 dias, justamente para assumir a secretaria municipal de Obras. "A lei diz que, enquanto ele não for condenado, não pode perder o mandato", explicou o presidente da Câmara Municipal, vereador Antônio Ruela. "Mas estou pesquisando para saber se isso muda no caso de réu confesso. Até agora, os advogados que consultei disseram que não."
O suposto autor dos disparos, Ismael, está sendo procurado pela polícia. Ele fugiu para fora do estado, segundo o porta-voz da Secretaria Estadual de Segurança Pública, Dalton de Franco.
Entenda as investigações do assassinato do líder seringueiro em Rondônia
No dia 26 de dezembro, o presidente da Associação de Seringueiros do Vale do Anari (Asva), João Batista, foi assassinado. Até o dia 3 de janeiro, a Polícia Civil de Rondônia ainda não havia começado as investigações sobre a morte porque as viaturas estavam quebradas. À época, a Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), que reúne dez associações extrativistas do estado, já denunciava que o crime era político.
No início de janeiro, em entrevista à Radiobrás, o presidente da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá (Asmorex), Antônio Teixeira, afirmou que fazia tempo que Batista estava amedrontado. Ele disse ainda que vizinhos de Batista ouviram disparo de tiros por volta das 22 horas do dia 26 – e, no dia seguinte, encontraram o seringueiro morto em sua casa, só de cuecas.
"Quem o matou devia ser conhecido dele. Além dos garimpeiros, madeireiros e grileiros, o Batista tinha conflitos com a própria família", avaliou à época. "Ainda que o crime não tenha sido político, ele nos deixa com medo, porque é mais um para a lista dos casos impunes".
A Reserva Extrativista (Resex) do Acariquara é uma unidade de conservação estadual, criada em 1995. Nela vivem cerca de 47 famílias, em uma área de pouco mais de 10 mil hectares, no município de Vale do Anari (RO). Batista trabalhava na reserva, mas morava em uma área de regularização fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), conhecida como Linha de Escoamento 74.
Dois líderes seringueiros de Rondônia também foram ameaçados de morte por invasores das reservas extrativistas (resex) estaduais: Antônio Teixeira, presidente da Associação de Moradores da Resex Rio Preto Jacundá (Asmorex), que concedeu entrevista à Radiobrás, e Chico Leonel, presidente da organização não-governamental Bem-te-Vi, que atua na Resex Jaci Paraná.
Os dois – assim como João Batista, presidente da Associação de Seringueiros do Vale do Anari, assassinado no último dia 26 no município de Vale do Anari (RO) – fizeram parte do grupo que foi a Brasília, em setembro de 2005, entregar à ministra Marina Silva um dossiê sobre os conflitos nas reservas extrativistas estaduais do Rondônia.
Agora, a Secretaria de Segurança Pública de Rondônia afirmou que o crime já está desvendado e que a polícia procura agora apenas o autor dos disparos que mataram Batista no último dia 26 de dezembro. O mandante seria o secretário municipal de obras de Vale do Anari (RO) e vereador licenciado do município, Walter Bispo, que teria confessado o crime.
(Agência Brasil, 19/01)