Governo brasileiro e ONGs debatem posição para Cartagena
2006-01-19
A dois meses da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que será
relizada em março de 2006, em Curitiba, o governo brasileiro ainda não tem
posição definida sobre o assunto que promete mais polêmica no encontro: a
adoção ou não de regras claras de identificação dos Organismos Vivos
Modificados (OVMs), ou seja, de alimentos e demais produtos transgênicos.
A Convenção sobre Biodiversidade Biológica, um dos principais eventos da
agenda internacional de meio ambiente, acontecerá durante todo o mês de março.
A expectativa é que mais de cinco mil pessoas de todo mundo participam dos
dois eventos que integram a CDB: a 8 Conferência das Partes (COP 8) e a 3
Conferência das Partes Signatárias do Protocolo de Cartagena sobre a
Biossegurança (MOP 3).
Em novembro, o governo federal criou uma comissão preparatória para os
eventos. Coordenada pela Casa Civil, a comisssão deve provocar a negociação
entre as partes de modo a traçar posições a serem defendidas pela delegação
brasileira em março. "A comissão tem uma participação pífia da sociedade
civil", dispara Nurit Bensuan, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos
Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, emitindo uma preocupação
unânime entre as entidades.
Uma das preocupações centrais é a posição do Brasil referente ao Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurança. Na 2 Convenção (MOP 2), realizada entre maio e
junho deste ano, em Montreal, no Canadá, os 119 países que até então já
tinham assinado o protocolo só não chegaram a uma decisão final sobre a
necessidade de rotulação mais explícita dos produtos transgênicos
comercializados internacionalmente porque na plenária final do evento o
Brasil e Nova Zelândia se opuseram à adoção de regras claras sobre a
identificação dos produtos com OVMs comercializados entre os países.
O assessor de temas ambientais do Ministério das Relações Exteriores,
Bernardo Paranhos Velloso, explica que a maioria dos países, por diferentes
razões, defende regras estritas para identificação. "O Brasil e a Nova
Zelândia, e em menor grau o Peru, defenderam, na última reunião regras um
pouco mais flexíveis, que não representassem compromissos que o país
dificilmente poderia cumprir como exportador neste momento, mas que ainda
assim propiciassem um conjunto de informações que permitissem a adoção de
medidas de biossegurança pelo país importador, caso julgado necessário",
afirma.
"A Convenção sobre Diversidade Biológica não é um documento para o mercado,
como fala o governo, mas um tratado voltado à preservação do meio ambiente",
diz a socióloga Marijane Lisboa, representante do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec) na reunião de Montreal.
A assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Maria Rita Reis, lembra, ainda,
que "a postura do Brasil é contraditória com a posição de país megadiverso,
que tem responsabilidade de conservar a biodiversidade para as futuras
gerações". Nessa linha, os ambientalistas afirmam que a entrada de produtos
sem a devida identificação pode acarretar na contaminação das culturas
nativas existentes. "Foi o que aconteceu no México. O país tinha vários
espécies de milho, e perdeu tudo isso com a entrada do milho transgênico",
diz.
Para os ambientalistas, a riqueza biológica dos cultivos tradicionais é uma
herança mundial ameaçada pela contaminação genética. E responsabilizam
multinacionais da biotecnologia como a Monsanto - o maior produtor de
sementes do mundo - de pressionarem governos de muitos países para que
descartem mecanismos de controle sobre os transgênicos.
Grandes exportadores não aderiram
Até agora 125 países são signatários do Protocolo de Cartagena. Entre os
principais países que não aderiram, estão os Estados Unidos, um dos maiores
exportadores agrícolas, e que tampouco faz parte da Convenção sobre
Diversidade Biológica, que abriga o protocolo. Também não são signatários a
Austrália, Canadá, Argentina, Uruguai e Chile, todos exportadores de
commodities agrícolas. Por outro lado, grandes importadores como a China e a
Comunidade Européia aderiram ao protocolo.
O Brasil é o único grande produtor e exportador agrícola que ratificou o
protocolo. Segundo Bernardo Paranhos Velloso, assessor de temas ambientais do
Ministério de Relações Exteriores, o Brasil decidiu aderir, porque "acredita
na importância do protocolo como instrumento para a promoção da cooperação
internacional voltada para a proteção da biodiversidade".
O Brasil e a Argentina são responsáveis por 90% da produção mundial de grãos.
Apesar disso, esses países perdem competitividade no mercado interncaional
para os Estados Unidos, que não têm uma produção expressiva mas detêm ótima
infra-estrutura e logística.
Identificação de transgênicos é maior problema
O impasse concreto gira em torno do item "18.2." do protocolo, que trata da
identificação de carregamentos de navios com OVM destinados à exportação. Na
última reunião, o Brasil defendeu a adoção da expressão "Pode conter OVMs"
nas cargas, e não "Não contém OVMs", como defendem os outros países.
De acordo com o coordenador de Biosegurança do Ministério da Agicultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa), Marcus Vinicius Segurado Coelho, a
identificação clara geraria muitos custos em testes; métodos diferentes de
testes feitos pelos países com consequentes interpretações diferentes, entre
outros problemas.
Ou seja, um setor do governo alega que essa identificação resultaria em um
custo muito grande para o Brasil, único grande exportador de soja do mundo
que ratificou o protocolo. Isso faria o país perder competitividade frente a
outros exportadores, como a Argentina e mesmo Estados Unidos - que apesar de
não ser um grande produtor tem a melhor infra-estrutura e logística para
exportação.
Outra parte do governo federal, incluindo a ministra Marina da Silva, do Meio
Ambiente, tem posição semelhante à defendida pelos ambientalistas. Esse setor
argumenta que a posição internacional do Brasil vai contra a legislação
brasileira, que prevê a implementação da rotulagem dos produtos que
contenham OGM, obrigatória inclusive para produtos de origem animal.
Além da resistência dos ambientalistas, o governo federal também terá que
enfrentar a posição do governo do Paraná, que é terminantemente contra os
organismos geneticamente modificados (transgênicos). Para mobilizar a
sociedade paranaense para discussões sobre conservação da diversidade
biológica e também sobre os transgênicos, a Secretaria de Estado do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) lançaram,
em novembro, o Fórum Paranaense de Biodiversidade e Biossegurança. Outra
atribuição do fórum será elaborar propostas para serem levadas Às convenções,
em março.
Pirataria de recursos genéticos
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse ontem (17/01) que o governo
encaminhará ao Congresso projeto de lei de acesso aos recursos genéticos
antes da 8 Reunião das Partes da Convenção sobre Biodiversidade Biológica,
em Curitiba. O projeto tem entre seus objetivos estabelecer regras para o
combate à pirataria de recursos genéticos e vai prever o pagamento de
royalties a comunidades indígenas detentoras de conhecimento para acesso a
recursos da biodiversidade.
Amanhã (19/01), Marina Silva, o secretário de biodiversidade do MMA, João
Paulo Capobianco, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, vão
discutir os últimos detalhes para amarrar o texto do projeto de lei. Ontem,
Marina disse que a proposta faz parte do esforço do governo brasileiro em pôr
em prática as metas da Convenção sobre Biodiversidade ratificada por 188
países.
Segundo Marina, o Brasil, primeiro país a assinar a convenção, quer mostrar
aos participantes da COP-8 que o País está dando passos importantes para a
preservação da biodiversidade. Entre as metas definidas na COP-7, realizada
em Kuala Lampur, está a ousada missão de ter em 2010 mais de 30% de todos os
produtos derivados da biodiversidade produzidos e consumidos de forma
sustentável.
Diante dessa meta, a ministra disse que o País também precisa aprovar o
projeto de lei de gestão de florestas que prevê a exploração de áreas da
Amazônia para uso sustentável dos produtos da biodiversidade por meio de
concessões públicas. Marina afirmou que o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), e o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante
(PT-SP), garantiram que a proposta será aprovada pelo plenário do Senado. Ela
espera que o projeto receba apoio unânime dos senadores.
A ministra esteve ontem com o novo secretário-executivo da Convenção sobre
Biodiversidade, Ahmed Djoghlaf, para apresentar os objetivos da COP-8 e da 3
Reunião das Partes (MOP-3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que
acontece em março.
(Folha de Londrina, 18/01)