A agonia do Gravataí vista do alto
2006-01-19
Estrangulado por barragens clandestinas, esvaído pela seca, o Rio Gravataí
está transformado num fio de água nas proximidades das suas nascentes. A
chuva nutrida que despencou nos dois últimos dias sobre a Grande Porto Alegre
deveria ter recuperado em parte o nível do Gravataí, um dos mais importantes
afluentes do Guaíba. Isso não aconteceu.
O assoreamento do leito é tão grande e os desvios de água feitos por
arrozeiros tão impactantes que os bancos de areia tornaram o portentoso
Gravataí um riacho.
- Estão furtando a água do nosso rio-, disse o prefeito de Gravataí, Sérgio
Stasinski (PT), que teme ter de adotar uma medida incômoda e impopular, o
racionamento.
Isso atingiria no mínimo 200 mil pessoas, sem falar em outras comunidades
banhadas pelo rio.
Em sobrevôo de helicóptero com uma equipe de Zero Hora, Stasinski vistoriou
ontem (18/01) das nascentes à foz. O visual é chocante. Originado no Banhado
Grande, rico manancial que se esparrama a partir de Santo Antônio da Patrulha,
o rio logo é sangrado para suprir com água as lavouras de arroz.
Ontem foi possível registrar dois tipos de irregularidades cometidas pelos
orizicultores, em Glorinha. A primeira é o uso de bombas de sucção que drenam
o leito do rio - prática vetada, conforme acordo mediado pelo Ministério
Público, quando o nível está abaixo de 60 centímetros no ponto de captação.
Pelo menos uma bomba estava trabalhando. A segunda ilegalidade é a construção
de barragens para que a água seja puxada para a plantação.
- Os agricultores privatizam o rio-, resumiu Paulo Müller, presidente da
Fundação Municipal de Meio Ambiente de Gravataí, que de barco ontem tentava
limpar o rio.
Mutirão de municípios amenizaria a imundície
Um terceiro fenômeno, não relacionado à agricultura, compromete o que resta
do Gravataí. Na sua parte mais urbanizada, no limite entre Cachoeirinha e
Alvorada, o rio é uma lixeira a céu aberto. O sinal mais explícito disso é a
presença de milhares de pneus descartados na água e acumulados às margens.
O prefeito Stasinski propõe que as prefeituras do Vale do Gravataí façam
faxina em mutirão. Ele pretende reunir colegas da região e pressionar o
Estado a fiscalizar as lavouras de arroz. Sugere a construção de uma represa
no Passo dos Negros, avaliada em US$ 10 milhões (cerca de R$ 23 milhões):
- Há financiamentos internacionais para esse tipo de obra, que regularia o
fluxo para as lavouras e para o município, com controle estatal.
O que diz Mário Dewes, diretor do Departamento de Recursos Hídricos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)
A Fepam não dispõe de fiscais em número suficiente para vistorias cotidianas
no Gravataí, mas será encaminhada denúncia ao Batalhão Ambiental da Brigada
Militar, para reprimir barragens e bombas clandestinas. A respeito da
barragem do Passo dos Negros, é uma iniciativa polêmica e por isso ainda não
adotada pelos governantes. Existem temores de que possa trazer proliferação
de algas, que inunde áreas muito grandes e que não seja suficiente para
regularizar a vazão do rio.
O que diz a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)
A barragem exigiria custo elevado, inclusive de desapropriações, por isso
nunca foi decidida sua execução. (ZH, 19/01)