Rio Grande do Norte: o estado do camarão
2006-01-18
O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a adotar uma política oficial de
incentivo à criação de camarão, na década de 1970. Agora, quer ser pioneiro
de novo. No apagar das luzes de 2005, a Assembléia Legislativa aprovou, por
19 votos a 1, um projeto de lei que permite a implantação de fazendas dos
crustáceos em áreas de manguezais.
No dia 4 de janeiro, a governadora Wilma de Faria reuniu-se com
representantes do Ibama, da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, do
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (Idema) e do
Ministério Público estadual e federal para analisar o documento. As
instituições pediram que Wilma vete o projeto de lei 200/2005. A governadora
ainda não se pronunciou a respeito.
Segundo Israel Gomes de Assis, gerente-executivo do Ibama no estado, o
projeto de lei fere o Código Florestal e a Constituição Federal, além de
outras leis estaduais e federais que protegem o mangue. Ele diz que a votação
expressiva indica que houve um forte lobby dos criadores para a aprovação do
texto.
O líder dos produtores assegura que a lei “protege a questão ambiental”, ao
estabelecer normas para a atividade. Itamar de Paiva Rocha, presidente da
Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), contesta ainda a
definição de mangue do Ibama. “As áreas contempladas no texto são terrenos
salitrados e salgados, que não têm nenhuma vegetação”.
O Rio Grande do Norte é líder disparado na criação de camarão no Brasil,
responsável por 41,5% da produção nacional segundo o Censo 2003 da ABCC. Mas
nos últimos dois anos a produção estadual ficou estagnada. Primeiro por causa
da seca que assolou nordeste. Em 2005, a baixa do dólar diminuiu em 25% a
receita dos criadores, já que 80% da produção é exportada.
As fazendas de crustáceos funcionam com tanques em áreas estuarinas, onde as
águas de rios se misturam às do mar. A proximidade do mar permite que a água
do tanque seja parcialmente renovada pelo movimento das marés. Barragens
impedem a saída total da água. Além do desmatamento para a implantação dos
tanques, a vegetação do mangue que resta precisa da oscilação do nível do
oceano para sobreviver, por isso não sobrevive ao alagamento permanente. Este
não é um problema apenas brasileiro. Dados da WWF mostram que entre 5% e 10%
das florestas de mangue no mundo já foram substituídas por criações de
camarão.
Rogério Câmara, presidente da ong SOS Mangue, afirma que não há estatísticas
estaduais sobre o crescimento desta indústria nos últimos anos. “A gente não
tem os números, mas posso afirmar que todos os estuários do estado têm uma
criação”. Rogério diz que as fazendas não apenas desmatam áreas de manguezais
para construir seus tanques, mas também poluem a vegetação que sobra, porque
seus rejeitos químicos são despejados in natura nas proximidades. Itamar
Rocha, da ABCC, afirma que não são usados produtos químicos no processo.
“Quem diz isso não sabe nada, porque os camarões precisam de água limpa para
viver”.
Visão do espaço
Desde 2002, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) monitora a
situação geológica da costa potiguar com o auxílio de imagens de satélite. O
objetivo original do projeto PetroRisco era avaliar os impactos ambientais da
exploração de petróleo entre o Amapá e a Bahia. Mas as pesquisas acabaram
revelando outras influências importantes para a alteração do relevo costeiro.
O geólogo Venerando Amaro coordena esses estudos e afirma que o mangue é um
fator natural de proteção para as oscilações do nível do mar. “Por causa da
formação geológica da costa, as alterações no relevo são freqüentes. Quando
os manguezais são retirados, as forças naturais como o vento e as marés têm
mais poder”, explica. Entre 1870 e 2002, em alguns locais o mar invadiu o
continente em até um quilômetro. O oposto também ocorre. Venerando cita o
caso de uma plataforma da Petrobras está sendo prejudicada pela maré porque o
mar recuou muito desde que ela foi instalada, na década de 1980. Sem os
mangues, esses efeitos ficam mais violentos.
Amaro diz que a expansão das fazendas de camarão foi impressionante nos
últimos cinco anos, e lembra que, antes delas, o Rio Grande do Norte já havia
perdido boa parte de seus mangues para as salinas. “As salinas estão nesses
locais há séculos. Algumas são quase tão velhas quanto o Brasil”, diz. O Rio
Grande do Norte produz cerca de 96% do sal comercializado no país.
O projeto de lei aprovado pela Assembléia também amplia a dispensa de licença
ambiental para os cultivos. Atualmente, as fazendas de até 3 hectares não
precisam passar pelo licenciamento. Pela nova proposta, a área isenta vai
para 10 hectares. Além disso, o documento pretende aumentar de 1 para 5 anos
o período de renovação de licenças de operação. O próprio presidente da ABCC
reconhece que 60% das 362 fazendas funcionam sem licença. Mas segundo Itamar
Rocha, ampliar sua duração vai ajudar a legalizar essas criações.
Especialistas apontam outros erros jurídicos no texto. Ele propõe licenciar
as criações que ficam na divisa do Rio Grande do Norte com outros estados.
Mas áreas interestaduais são de competência federal. Israel Gomes de Assis
garante que o Ministério Público está pronto para tomar uma providência
imediata caso a governadora sancione a lei. “Se a lei for aprovada, vão
entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para que ela não entre em
vigor”, diz o gerente-executivo do Ibama. (Ana Antunes, o ECO, 14/01)