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2006-01-18
Sob o título "Em nome da ecologia?", a jornalista Suzana Espíndola assinou artigo ontem (17/01), em que conjuga evidente qualidade do texto com uma equivocada tese central: a de que a retirada de quiosques à beira-mar é, exclusivamente, uma questão ambiental.

Não é. Assim como também inexistem "outros interesses menos nobres" para tal iniciativa, possibilidade sugerida pela autora, veranista de Atlântida desde a década de 50 e, como registrou, identificada afetivamente com esse pedaço do litoral.

Vamos aos fatos. Em primeiro lugar, a faixa de praia é área de domínio da União. A ninguém é permitida a apropriação particular do espaço público por meio de construções privadas. Em 2003 foram identificadas 585 construções irregulares em nove municípios do Litoral Norte e houve a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta para que todos os equipamentos permanentes fossem retirados até 15 de dezembro de 2005 e substituídos pelos equivalentes removíveis ao final da temporada de verão.

O acordo foi feito envolvendo o Ministério Público Federal, a Gerência de Patrimônio da União e as prefeituras municipais, com interveniência da Fepam, responsável pela emissão da licença de operação com base no Plano de Uso de Faixa de Praia. Cada município deve apresentá-lo a partir deste verão, informando não só sobre quiosques, mas também sobre quaisquer outras instalações temporárias destinadas a atividades esportivas, turísticas, de recreação e promocionais.

O Plano de Uso de Faixa de Praia recebe Declaração de Aprovação Ambiental da Fepam e precisa obter, da Gerência de Patrimônio da União, a Permissão de Uso de Faixa de Praia. Em síntese, órgãos ligados aos governos federal e estadual estão, em conjunto, procurando evitar que um espaço de lazer que é de todos torne-se uma "terra de ninguém", sujeita a apropriações indevidas e inclusive servindo para moradia.

Cada prefeitura municipal, ao propor o respectivo planejamento para as atividades - próprias ou de terceiros -, deve considerar os aspectos de proteção ao ambiente natural, densidade demográfica, paisagem e cultura local de uso da faixa de praia, bem como os aspectos patrimoniais.

Assim, ao invés de "dúvidas que ficam no ar" sobre as motivações da ação em relação aos quiosques, conforme sugerido pela jornalista, temos pelo menos duas certezas firmemente embasadas na terra firme: a) que os serviços colocados à disposição dos veranistas devem respeitar as legislações patrimonial e ambiental; b) que há um objetivo comum integrando o setor público, iniciativa privada e população - a qualificação dos serviços oferecidos aos veranistas no litoral gaúcho.

Quem sabe, com bom senso, um pouco de arrojo, muita criatividade e amplo planejamento envolvendo esta e outras questões, nossas praias tornar-se-ão "balneários consagrados" como Punta del Este, Trancoso, Porto Seguro, Cannes, Maiorca ou Santorini, citados pela jornalista. (Cláudio Dilda, diretor-presidente da Fepam, 18/01, ZH)

Em nome da ecologia?

O debate em torno das praias gaúchas vem merecendo a atenção de freqüentadores de praia e também de confessos amantes da serra ou dos centros urbanos, mesmo nesta época do ano. O Brasil é um país tropical, tem mais de 8 mil quilômetros de costa, praias de mares verdes e quentes, palmeiras maravilhosas e areias brancas que se sucedem até o Nordeste. Mesmo o norte do país reserva belezas naturais, praias de água doce, portos, matas e rios que atraem brasileiros e estrangeiros. O Rio Grande do Sul foi brindado com serras, rios, coxilhas e planícies, mas temos que admitir: não fomos contemplados com a excelência do entorno paisagístico no que se refere à atratividade de nossas praias, excluindo-se desta reflexão a belíssima Torres, na divisa com Santa Catarina.

Sou veranista de Atlântida desde a década de 50, tenho razões afetivas que me identificam com esse pedaço de litoral. Ainda assim, por dever de inteligência e de objetividade, devo admitir que as atrações são sentimentais, não se prendem a aspectos geográficos ou a cenários paradisíacos. Sinto-me, portanto, autorizada a fazer uma pergunta simples e direta: o que leva gaúchos, uruguaios e argentinos a veranearem no Rio Grande do Sul? A resposta é simples, pode ser referendada em duas razões fundamentais: são praias próximas e acessíveis e favorecem a agradável convivência com familiares e amigos.

Pois na presente temporada, até mesmo esta possibilidade está sendo furtada aos gaúchos. Tudo por uma decisão do Ministério Público que impede o funcionamento dos quiosques e bares de praia no Litoral Norte, como forma de evitar comprometimentos maiores ao meio ambiente. Reduzidos a espaços insalubres e inconvenientes, de difícil acesso, operação precária e nulas opções de permanência. Deixam, nestas condições, de servir como ponto de encontro das pessoas, fórum de papos e de relacionamentos, perdem completamente a possibilidade de bem atender os freqüentadores. Sem as mínimas condições para quem trabalha nas mínimas cozinhas preparando caipirinha ou fritando peixe, ou para quem deseja ser atendido com algum conforto e dignidade. Assim, com toda propriedade, os turistas e investidores optarão no futuro por outras praias, onde possam tomar uma cerveja gelada, comer um pastel e abrigar-se do sol nas horas mais tórridas, obtendo rentabilidade de seus investimentos à beira-mar, na hora de locá-los.

Aliás, no mundo todo, é em torno de bares e paradouros que o turismo se estabelece. Pessoas em praias desejam apenas e tão-somente viver bons momentos. Verifica-se em balneários consagrados como Punta del Este, Trancoso, Porto Seguro, Cannes, Maiorca, Ibiza ou Santorini uma saudável concorrência por bem servir o consumidor. Os bares e quiosques oferecem música ao vivo, esmeram-se na decoração, buscam fornecedores de alimentos mais exóticos e qualificados, estendem toldos e esteiras, ampliam guarda-sóis, escolhem bebidas, desenvolvem cardápios e treinam seus funcionários, sempre tendo em vista o público a que se destinam: mais jovem ou mais amadurecido, de maior ou menor poder aquisitivo, conservador ou de vanguarda, gays ou heterossexuais.

Em Atlântida e praias próximas, o conceito imposto pelas autoridades é outro. Voltaremos a trazer água gelada e bananas de casa, um evidente retrocesso aos anos 50, quando famílias traziam cestas de piquenique para alimentar as crianças nas manhãs de veraneio. Deixaremos de consumir, permaneceremos menos tempo na orla, optaremos por outros programas. Tudo em nome da preservação da ecologia. Ou haverá outros interesses menos nobres por trás desse argumento? A dúvida fica no ar, mas há algumas certezas decorrentes do desmonte das barraquinhas à beira-mar. O problema social não mais poderá ser contornado, com a redução da oferta no mercado de trabalho. Está em jogo o conforto dos veranistas, mas está em jogo, prioritariamente, um número importante de empregos que sustentam uma população durante os 10 longos meses de inverno, nos quais a oferta de postos e de salários é praticamente nula.

Por sorte, o futuro das traíras e do meio ambiente está preservado. (Susana Espíndola, ZH, 17/01)

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