Destinação de milho para produção de álcool ameaça segurança alimentar, diz Lester Brown
2006-01-17
A cada início de inverno no Estado de Iowa, os produtores rurais fazem suas apostas sobre quanto alimento o mundo irá demandar no ano seguinte, e então decidem quantos acres de milho deverão ser cultivados e quanto de soja, também. Mas neste ano está sendo diferente. Agora, não é apenas a demanda por alimentos que está guiando as decisões, mas também a procura por etanol, combustível produzido a partir de milho.
Alguns estados requerem que as misturas de etanol sejam feitas em pequenas quantidades com a gasolina a fim de cumprir com a legislação antipoluição. Os elevados preços do petróleo estão arrastando consigo, para cima, os preços do milho, enquanto o valor do etanol é aumentado para substituir o petróleo.
"Estamos aprendendo mais sobre o milho", afirma Garold Den Herder, produtor que cultiva 2,4 mil acres de soja e milho combinados e que faz parte do corpo de diretores da Cooperativa de Energia e Pecuária de Siouxland, que abriu uma planta de etanol em Sioux Center, Iowa, no final de 2001. No ano passado o bushel (equivalente a 35,24 litros) estava sendo vendido a cerca de US$ 2 no local, mas perto da planta de produção, custava cerca de US$ 0,10 centavos mais caro.
Produtores rurais esperam que o preço aumente mais, e rapidamente, se os preços do petróleo permanecerem altos. O etanol estava sendo comercializado a US$ 1,75 o galão, no ano passado, tendo subido US$ 0,75 em relação ao preço em que estava no ano anterior (US$ 1,00).
A alta dos preços do milho pode ser um bom negócio para os produtores rurais, mas preocupa alguns gestores da área de alimentação. "Estamos tendo uma competição entre os supermercados e as estações de abastecimento de etanol à base de milho fora das fazendas", afirma Lester R. Brown, especialista em agricultura de Washington D.C. e presidente do Instituto de Políticas da Terra. Os produtores não podem, ao mesmo tempo, alimentar todas as pessoas no mundo e ainda mais abastecer seus veículos, ressalta Brown, para quem o resultado disto será que mais pessoas vão passar fome.
Outros afirmam que o preço dos bens que levam o milho como ingrediente, incluindo alimentos como batatas industrializadas (chips) vai aumentar. Mas
Robert C. Brown, professor de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Iowa e especialista em engenharia agrícola, afirma que o uso do milho com propósitos não-alimentícios, parece mais grosseiro do que realmente é. "A impressão é que estamos tirando alimentos das bocas de bebês", comparou. De fato, o cultivo do milho em Iowa destina-se principalmente à alimentação de animais ou à produção de milho invertido (xarope) para alimentos industrialmente processados.
Bernie Punt, gerente-geral da planta de Siouxland, diz que "não é uma grande perda, como parece ser”, apontando que o milho remanescente é usado para a alimentação animal.
Uma mudança global para combustíveis baseados em produtos agrícolas poderia reduzir a necessidade de petróleo e tornar mais lenta a mudança climática. Mas Lester Brown não está sozinho na sua preocupação
sobre os efeitos que isto possa ter com relação à fome no mundo. Por 20 anos, o Instituto de Pesquisas em Políticas Alimentícias (IFPRI), um grupo não-governamental, em Washington, manteve modelos de computador para prever o abastecimento de alimentos, com base nas mudanças populacionais, nas políticas para as áreas rurais e em outros fatores.
Até agora, as análises do IFPRI incluíram os preços do petróleo e do gás natural como únicos fatores nos custos de produção, incluindo os preços de produção de fertilizantes, uso de tratores e outros tipos de insumos para levar os alimentos até o mercado. Porém, no ano passado, depois que Joachim Von Braun, o diretor do instituto, foi ao Brasil e à Índia, ambos países que produzem combustíveis a partir de plantas, ele disse aos seus economistas para mudarem o modelo, levando em conta a demanda energética dos produtos agrícolas.
Mesmo uma pequena mudança poderia ter grandes efeitos, disse Von Braun, porque "a boca de seu carro é um monstro, comparada às necessidades dos estômagos da sua família".
“Eu não apenas espero preços maiores para os alimentos, mas uma nova instabilidade”, disse Von Braun, em uma entrevista. "No futuro, a instabilidade dos preços da energia será transferida para a instabilidade nos preços dos alimentos”, assinalou.
Gustavo Best, coordenador de Energia da União das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), disse que o crescente cultivo de plantas para energia poderia proporcionar novas oportunidades para pequenos produtores rurais ao redor do mundo, possibilitando também o financiamento para o desenvolvimento de estradas e outros tipos de infra-estrutura para pessoas pobres da área rural. Mas ele acrescentou que "definitivamente, há um risco de que a competição possa derrubar a segurança alimentar e a disponibilidade de alimentos".
Alguns especialistas zombam da idéia de escassez de milho, mas outros afirmam que isto é possível. Wendy K. Wintersteen, reitor do Colégio de Agricultura da Universidade do Estado de Iowa, afirma que possivelmente, antes da chegada do próximo verão, "teremos área do Estado que poderemos classificar como deficientes em milho" porque não haverá alimentos suficientes para os animais – o maior destino do milho no Estado – e para plantas de etanol, ao mesmo tempo.
“É algo difícil de se imaginar em Iowa”, assinala Wintersteen. Eventualmente, as exportações de milho norte-americano poderão cair. Em toda a nação, o uso do milho para fins energéticos poderia resultar em maior plantio do milho e redução do plantio de trigo e algodão, afirma Keith J. Collins, economista chefe do Departamento de Agricultura. Mas os Estados Unidos estão pagando a seus produtores rurais para não cultivarem acima de 35 milhões de acres, a fim de sustentar o valor do milho.
Mas há uma mudança em andamento que os especialistas afirmam que irá impactar nos preços das lavouras e do petróleo: as plantas de produção de etanol estão se multiplicando. O Estado de Iowa tem 19 delas e terá 27 até o final do ano, afirma Punt, ex-presidente da Associação de Combustíveis Renováveis de Iowa. A Cooperativa de Energia e Pecuária de Siouxland apresentou lucro de US$ 6 milhões em 2005, conforme Den Herder, sendo que boa parte do mesmo foi obtido graças aos preços do etanol.
Muitos produtores rurais no cinturão do milho dizem que têm habilidade para cultivar material para vastas quantidades de combustível. Outro biocombustível é o diesel substituto produzido a partir de soja, que ainda possibilita um saldo de 80% para a alimentação do gado, dizem seus defensores. Joe Jobe, diretor-executivo do Comitê Nacional de Biodiesel, um grupo comercial, prevê que o aumento da demanda por óleo de soja como substituto do diesel poderia forçar a produção do produto para a alimentação, resultando numa queda de preços e, portanto, tornando mais barata a alimentação do gado. "Acredito que há uma mudança histórica a caminho, não cultivar mais grãos para energia e menos para alimentos, mas cultivar mais para ambas as finalidades”, diz Jobe.
Nick Young, presidente de uma empresa de consultoria agrícola, a Promar, em Alexandria, Va., aponta que os produtos de milho têm sido usados para propósitos não alimentares há anos, incluindo a produção de fluidos utilizados para escavação de poços de petróleo. Young afirma ser um exagero afirmar que o uso de lavouras para propósitos não alimentícios tornará o mundo pobre mais faminto, mas acrescenta que o uso de óleo vegetal como substituto do diesel já trouxe conseqüências sobre os preços do óleo de canola. "Esses mercados estão relacionados," disse Young. "Inevitavelmente, está havendo alguma interação com os preços dos alimentos".
(Informações do New York Times, 16/1)