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2006-01-17
Quando ficou sabendo que os espanhóis queriam falar com ela sobre a industrialização do vento que passa em sua fazenda no Capão da Areia, no interior de Osório, Dona Iracema Dariva ficou insegura e pediu ajuda ao seu advogado, Francisco Moro, um dos mais conceituados do município. Afinal, pensou ela, “em negócio novo e com gente desconhecida, é preciso se precaver”.

Dr. Moro conversou com os forasteiros e tranquilizou-a. Além de assessorá-la na elaboração do contrato, ele se tornou uma espécie de fio-terra das negociações entre os empreiteiros do vento e diversos proprietários das terras onde estão sendo construídos os cata-ventos gigantes da Elecnor, a empresa líder do empreendimento, pela qual acabou sendo também contratado.

“Depois da D. Iracema, eu fui o primeiro a tratar com os espanhóis”, diz o Dr. Moro, consciente do seu papel de conciliador dos interesses das partes do maior empreendimento jamais realizado em Osório. Como outros protagonistas secundários do negócio, ele acha que conseguiu um lugar na história do município, onde todo mundo parece acreditar que a usina eólica será um divisor de águas. “Osório nunca mais será a mesma depois dessa usina”, afirma D. Iracema, convencida de que, apesar de ter ficado inicialmente meio cabreira com a proposta espanhola, “não podia trancar o progresso de Osório”.

Dona da mais antiga loja de tecidos e decoração da cidade, D. Iracema admite que até agora não tem queixas. Está confiante: os espanhóis parecem gente séria. É verdade que no meio do caminho a Elecnor apareceu com uma segunda identidade (Enerfin) e no frigir dos ovos a usina está sendo tocada por uma nova firma, Ventos do Sul, mas as pessoas foram sempre as mesmas, desde o início. A primeira conversa foi com o brasileiro Telmo Magadan, que logo depois trouxe Guillermo Planas Roca, o chefão espanhol, diretor geral da Enerfin. Só.

O entendimento foi tão perfeito que a fazenda se tornou o centro das atividades da Elecnor/Enerfin/Ventos do Sul e diversas empreiteiras da obra iniciada em meados de 2005. Cinco anos antes, os espanhóis haviam mandado instalar ali uns aparelhos de medição da velocidade dos ventos, mas para todos os efeitos quem fez a pesquisa foi a Intercâmbio Eletro Mecânico, empresa de consultoria de Hans Dieter Rahn, que desde 1942 trabalha com energias alternativas em Porto Alegre. Rahn é de uma seriedade a toda prova, mas na época ninguém acreditava nesse lero de captar a energia dos ventos.

Hoje estão ocupadas pelo projeto eólico cerca de 40 dos 270 hectares da fazenda, comprada há mais de 30 anos como reserva de valor em momento de inflação alta. Dentro dela existe uma casa construída em 1881, época em que o município era conhecido por seu primeiro nome, Conceição do Arroio. Para explorar a propriedade com agricultura e pecuária, Iracema e seu primeiro marido Crineu Dariva (já falecido) convidaram a amiga Nadir Brum da Costa, que até hoje permanece como sócia do negócio.

Ainda bem que surgiu a novidade do vento, pois a exploração tradicional da propriedade não vinha dando grandes resultados, ainda que as terras sejam consideradas excelentes para engorda bovina. No segundo semestre de 2005, com a instalação das empreiteiras na fazenda, não deu nem para plantar os talhões de arroz necessários para a pesquisa da Embrapa Terras Baixas, de Pelotas, sobre a integração orizicultura-pecuária. A pesquisa foi iniciada há três anos.

Naturalmente, é grande a esperança na virada. A expectativa é que a partir de 2007 o vento dê muito mais dinheiro do que o plantio de cereal e a criação de gado. A agricultura, diz D. Iracema, é um risco duplo: primeiro é preciso contar com a Natureza; segundo, torcer para que o governo não resolva fazer política em cima do trabalho do agricultor. Em Osório, como em outras regiões agrícolas do Brasil, os arrozeiros se queixam da liberação da importação de arroz do Mercosul e das imposições dos fabricantes de insumos e equipamentos. Já os pecuaristas operam com margens cada vez mais estreitas, pois a oferta cresce mais do que a capacidade de compra da população.

Já o vento sopra a maior parte do ano a custo zero. O contrato com a Elecnor é por 35 anos. D. Iracema vai ter uma participação na venda da energia produzida pelos 12 cata-ventos instalados em suas terras. Ela não diz o percentual, mas na cidade se comenta que equivale a R$ 1 mil mensais limpos por gerador. Sem dúvida, é uma boa renda numa região sem indústrias e sujeita aos altos e baixos da agricultura, da construção civil e do turismo de verão.
Por Geraldo Hasse, de Osório para O Diário dos Ventos, série exclusiva do Ambiente Já e Jornal Já – www.jornalja.com.br

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