Empresas são obrigadas a prestar contas da saúde dos funcionários
2006-01-16
O Ministério da Saúde aprovou a portaria 2.572, de 27 de dezembro de 2005, referente a empresas que têm como matéria-prima o amianto do tipo crisotila ou mesmo as que lidam com seus derivados. Fica determinado, assim, que estas indústrias devem elaborar uma listagem de seus trabalhadores, junto com uma série de exames, e encaminhar ao órgão responsável pela gestão do Sistema Único de Saúde. A medida vale também para ex-empregados e empresas que não mais atuam no setor, a contar de 1º de junho de 1995.
A portaria assinada pelo ministro da Saúde, Saraiva Felipe, determina que sejam realizados exames de avaliação periódicos e radiografias de tórax para diagnóstico de pneumoconioses – alterações pulmonares e de gânglios linfáticos decorrentes da inalação de partículas provindas do ambiente –, além de vários exames a fim de testar a capacidade pulmonar e o quanto o órgão foi atingido. O não cumprimento da medida acarretará as penalidades previstas na Legislação em vigor.
Obrigação era descumprida, afirma especialista
De acordo com a auditora fiscal do Ministério do Trabalho e engenheira Fernanda Giannasi – conhecida como engenheira da saúde por estar há mais de 15 anos na luta contra o amianto, a Lei Federal 9.055/95, reforçada por um decreto dois anos depois, em 1997, já obrigava as empresas a enviarem informações sobre os funcionários. A imprecisão, contudo, transformou o dever em tarefa praticamente voluntária. “As companhias alegavam que os critérios de avaliação de saúde não eram claros, e por isso pouquíssimas mandavam seus relatórios”, conta.
A especialista comemora a portaria, mas critica o texto da matéria. “O texto ficou um pouco confuso, pois o objetivo é vigiar a saúde de trabalhadores que estiveram ou que ainda estão expostos ao amianto. Isso não está colocado da maneira mais clara. Além disso, se fala também de fibras naturais e sintéticas, que mereceriam outra atenção”, afirma.
A luta de Gianassi agora é no Ministério Público. A Brasilit e a Eternit pagaram indenizações a ex-funcionários, que variavam de 5 a 24 mil reais. A Brasilit, dependendo do caso, chegava a pagar valores até maiores, e aproximadamente mil trabalhadores seus foram ressarcidos. Já a Eternit garante que o número chega a dois mil. As boas ações, porém, têm suas irregularidades. “Sim, as indenizações foram pagas, mas a Previdência Social não foi informada, e os episódios não foram contabilizados como acidente de trabalho”, assegura. Ela aguarda apenas a marcação da audiência, quando exporá esses fatos.
Integrante da Rede Mundial Ban Asbestos, que luta por um mundo desamiantizado, a engenheira entende que, com a portaria, o combate ao elemento ficou mais forte. Ressalva, porém, a resistência de secretarias do Trabalho e da Saúde de realizar ações conjuntas. “O próprio Ministério do Trabalho não age ao lado do Ministério da Saúde por questões de relacionamento entre delegacias. É preciso entender que esses casos são ligados e um órgão depende do outro, é inevitável”, conclui.
Portaria é mais um capítulo de uma longa novela
Nos últimos meses, a polêmica envolvendo o amianto – ou asbesto – ficou ainda mais complexa em função de uma papelada cheia de leis, pedidos de vista e Ações Diretas de Inconstitucionalidade. No Rio Grande do Sul, o uso do elemento estava suspenso desde 2001, mas a Isdralit Ind. e Com. Ltda. Conseguiu uma autorização judicial para utilizá-lo em maio de 2005 . O caso foi denunciado pelo autor do projeto de lei gaúcho, deputado Giovani Cherini, e aguarda decisão do Ministério Público.
Em 9 novembro de 2005, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou projeto dos vereadores Sebastião Melo, Aldacir Oliboni e do atual secretário municipal do Meio Ambiente, Beto Moesch, que proíbe o uso de materiais, elementos de construção e equipamentos da construção civil constituídos de amianto.
Em novembro de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei estadual de Pernambuco que proibia a utilização e a comercialização de produtos elaborados a partir da extração do amianto. De acordo com a entidade, a lei estadual apodera-se da competência privativa da União para legislar sobre a matéria. A ADIN número 3356 ainda não foi concluída.
A lei federal regulamenta o uso do amianto em todo o Brasil, ao disciplinar a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do minério ou de produtos que o contenham, o mesmo valendo para as fibras naturais e artificiais de seus diferentes tipos.
Perigos do amianto
Largamente utilizado na indústria por suas características físico-químicas como forte resistência a altas temperaturas e flexibilidade, o amianto é matéria-prima para a construção de telhas, caixas d´água, guarnições de freios e revestimentos de discos de embreagem, materiais plásticos reforçados, termoplásticos, massas, tintas, pisos vinílicos, tecidos e outros produtos. As vantagens econômicas, porém, trazem um ônus bem alto para quem se expõe.
Médica do trabalho do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador de Porto Alegre, Jaqueline Gatti Elbern condena o uso do amianto e junta-se ao coro dos que o consideram nocivo. “O amianto é cancerígeno, sim. Não há, nesse caso, um efeito cumulativo. Basta estar exposto para sofrer as conseqüências”, garante. De acordo com a médica, as enfermidades causadas, como a asbestose (doença crônica pulmonar) e o mesotelioma (tumor maligno que pode atingir a pleura ou o peritônio) demoram a se manifestar – a média é 20 ou 30 anos.
O uso do minério pela indústria já foi proibido nos Estados Unidos e na Itália, o que comprova que os países desenvolvidos há muito se deram conta dos riscos do material. “O Canadá, por exemplo, é o maior produtor de amianto do mundo, mas lá ninguém usa. Toda a produção sai do país”, comenta Jaqueline. No Brasil, segundo ela, os cuidados são muito pequenos. “É preciso estar atento, pois o cumprimento das leis aqui é fraco. Há muita coisa vinda de fora de procedência duvidosa. Não fabricamos mais freios com amianto, mas importamos essas peças da China, que ainda utiliza o produto”, conclui.
Por Patrícia Benvenuti