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2006-01-16
Medida do governo federal proíbe, por sete meses, o corte raso da floresta e atividades que possam causar degradação ambiental na região que circunda a rodovia que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), uma área da Amazônia ainda bem preservada. No entanto, a prioridade que vem sendo dada à recuperação da BR-319 contraria a expectativa de que o Governo concentraria a maior parte da atenção e dos recursos da administração federal na pavimentação da BR-163, onde já há um plano de gestão sustentável para o entorno, o que não acontece na BR-319. O Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PL), aponta a recuperação estrada como prioridade, ao mesmo tempo que anuncia sua saída do Ministério em março para concorrer ao governo do Amazonas nas próximas eleições

A polêmica recuperação da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM) e está sem manutenção desde que foi concluída na década de 1970, levou o governo federal, no início deste ano, a tentar minimizar os danos do que pode vir a ser uma nova frente de desmatamento na Amazônia. Em decreto assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no dia 02 de janeiro de 2006, foi determinada a limitação administrativa provisória da área de entorno da rodovia, uma região ainda bastante preservada que soma aproximadamente 15.400.000 hectares (ha). A medida proíbe o corte raso da floresta e outras formas de vegetação nativa, e também atividades e empreendimentos de qualquer natureza que possam causar degradação ambiental no perímetro estabelecido pelo decreto.

A recuperação da BR-319, que parte da capital de Rondônia, uma das áreas de maior pressão pela expansão da fronteira agrícola, e corta a Amazônia ocidental na direção sudoeste-nordeste, foi anunciada em 2004, e, em julho de 2005, com a liberação de uma parte da verba (estipulada em 300 milhões de reais), as obras foram de fato iniciadas. Mas, em seguida, foram paralisadas pela Justiça Federal do Amazonas por falta de licenciamento ambiental. Pouco depois, em novembro de 2005, a liminar que impedia a continuação do trabalho caiu. Entretanto, as obras continuam sem licença do Ibama para continuar.

O decreto, além das restrições de ocupação e exploração, estabelece um prazo de sete meses a partir de sua publicação - quando a vigência da limitação provisória termina - para que a destinação da área especificada seja concluída. No entanto, as discussões sobre a ocupação do entorno da BR-319 engatinham, e ainda não há um plano de gestão, como ocorreu, por exemplo, com a BR-163, estrada que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e também corta a floresta amazônica. Assim, a intenção de recuperar a BR-319 contradiz a anunciada prioridade do governo de pavimentar a BR-163, que conta com um plano de gestão sustentável, exaustivamente debatido com a sociedade civil. O MMA havia garantido que a BR-163 receberia a maior parte da atenção e dos recursos da administração federal, no entanto o Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PL), apontou a reconstrução da BR-319 como prioridade. Em entrevista coletiva no início de janeiro, Nascimento anunciou que em março próximo deve deixar a pasta dos Transportes para concorrer a uma vaga no Senado ou ao governo do Amazonas nas eleições de outubro.

Corrida pela ocupação - Na opinião do diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, o decreto mostra claramente uma intenção positiva do governo de sinalizar que é preciso discutir e decidir sobre a destinação de uma área ameaçada de degradação ambiental, mas levanta alguns problemas. "Há dúvidas sobre a própria lei que fundamenta a medida ( a Lei nº 9.985, de 18 de Julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), onde está dito, por exemplo, que a limitação provisória se aplica somente aos casos que ainda não estão em andamento. E os que já estão lá? Então até que ponto a limitação provisória breca o possível desmatamento na região? Isso pode gerar, por exemplo, uma corrida para se demonstrar que alguém já estava lá, e isso é uma indústria, de pessoas que forjam a ocupação, grileiros. Além disso, uma medida no papel não significa que o Estado está de fato presente no local tomando providências concretas", questiona Smeraldi.

Entre o anúncio efetivo da recuperação da estrada e a iniciativa do governo de limitar a área de entorno da rodovia, passaram-se seis meses. Logo após a data da publicação do início das obras de recuperação da estrada no Diário Oficial da União, em julho de 2005, três grupos empresariais, entre eles o Grupo Maggi, o maior produtor de soja no Brasil, invadiram áreas no entorno da BR-319, segundo José Brito Braga Filho, chefe da unidade avançada do Incra em Careiro Castanho, um dos quatro municípios cortados pela estrada. Brito conta que houve também pequenas invasões na porção sul da estrada, porém, afirma que os invasores, incluindo os três grupos empresariais, já se retiraram das áreas, que estão sob jurisdição do Incra. “Há lotes de regularização fundiária do Incra que estão sem ocupação, sem assentados, então os invasores se aproveitaram da situação. Mas já foram todos embora”, afirma ele.

Apesar da área em torno da BR-319 ainda estar em fase pioneira de ocupação, Roberto Smeraldi conta que em dois sobrevôos parciais que fez na região no final de 2004 e no início de 2005, quando a recuperação da BR-319 já havia sido anunciada, embora não efetivamente publicada, pôde perceber que as poucas propriedades e ocupações já possuem estrutura de porte, são mecanizadas e há fazendas de até 4 mil ha. “Essa situação é rápida em termos de evolução, pois se vê que já existe uma estrutura consolidada”.

Ameaça às áreas protegidas - No perímetro estabelecido pelo decreto em torno da BR-319 há uma série de áreas protegidas, entre Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação Estaduais (UCEs) e Unidades de Conservação Federais (UCFs), que estão parcial ou integralmente localizadas na região delimitada. Ao todo, são aproximadamente 3.400.000 ha de áreas protegidas, o que corresponde a 22% da área total do perímetro. Há preocupações, caso o fluxo migratório atraído pela recuperação da estrada não seja controlado, de que essas áreas sofram ameaças de grileiros e madeireiros, por exemplo.

Apesar disso, no momento, Eduardo Martins Venticinque, pesquisador da WCS (World Conservation Society) e vice-presidente do Instituto Piagaçu-Purus (entidade co-gestora da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, uma das áreas protegidas que estão no perímetro da limitação provisória), não vê o decreto como menos ou mais proteção das áreas protegidas na região. “O decreto não intensifica nem alivia o que já está acontecendo na área. Há ocupação, mas a estrada está intrafegável, o que caracteriza uma determinada situação.

Quando a estrada for asfaltada, tudo vai mudar. Se não houver planejamento adequado da ocupação do entorno da rodovia, o que vamos ver é a abertura de diversos ramais que dão acesso aos rios, principalmente ao Madeira e ao Purus, e facilitam o escoamento de madeira, de pescado ilegal, como sempre vem acontecendo nesses casos”, afirma o pesquisador. A estrada parte perpendicularmente do chamado “Arco do Desmatamento”, a região da Amazônia que tem os maiores índices de deflorestação.

Vintecinque questiona também se o decreto terá conseqüências práticas, como a mobilização de força tarefa para fiscalização e início das discussões sobre o destino da área limitada provisoriamente. “Se não há nada disso previsto ou em andamento, reforço minha opinião de que pode ser uma atitude meramente política, inócua na prática, já que a vigência da limitação é de sete meses, cujo final do prazo coincide com a época das eleições e de paralisação dos trabalhos do governo federal. A mídia de Manaus está em campanha pela recuperação da BR-319, há uma pressão social, ao mesmo tempo em que há eleições no final do ano, e o Ministro dos Transportes, responsável por priorizar a obra da BR-319, sairá candidato a governador do Amazonas ou concorrerá a uma vaga no Senado”, observa.

O Ministério do Meio Ambiente, no entanto, garante que o processo de discussão sobre a destinação do entorno da BR-319 seguirá os mesmos passos da BR-163, que teve resultados positivos. “A proposta do MMA para a BR-319 é similar ao que foi aplicado para o caso da BR-163. Criaremos um subgrupo de trabalho para discutir o ordenamento territorial do entorno da rodovia Porto Velho – Manaus. A intenção é novamente envolver a sociedade civil e discutir amplamente o assunto, inclusive com outros órgãos do governo. O subgrupo fará também um projeto de criação de UCs na região, que será submetido a consultas públicas quando a proposta se consolidar”, explica Fernanda Carvalho, assessora técnica do gabinete da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA. Ainda não há data prevista para que o subgrupo seja criado e inicie os trabalhos.
(ISA - Instituto Socioambiental, 13/01)

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