Nova fábrica da Aracruz: "Ninguém vai tirar o gaúcho do pampa"
2006-01-16
Maior produtora mundial de celulose branqueada de eucalipto, a Aracruz deverá
anunciar ainda no primeiro semestre o local de sua nova unidade, um
investimento de US$ 1,2 bilhão. Durante a visita do diretor-presidente, Carlos
Aguiar, a Guaíba, na semana passada, a expectativa sobre a definição do local
dominou a cerimônia que marcou a conclusão de obras que ampliaram em quase 10%,
para 430 mil toneladas ano, a produção gaúcha do grupo, que tem plantas no
Espírito Santo e na Bahia. Como há outros dois projetos semelhantes previstos
para o Estado, o setor começa a mobilizar os gaúchos.
De um lado, estão os que enxergam uma alternativa de desenvolvimento para a
Metade Sul, há anos estagnada. Os ambientalistas alertam para o risco de um
futuro deserto verde. Aguiar conversou com Zero Hora sobre esses temas na
entrevista a seguir.
Zero Hora - O que falta para a Aracruz anunciar que o Estado será a sede de sua
nova unidade, como já o fizeram a Stora Enso e a VCP?
Carlos Aguiar - Queremos entrar com outro projeto no Estado com certeza de que
não causaremos impacto de grande monta. Queremos que a sociedade gaúcha entenda
o que é o nosso projeto. Sabemos que é um povo maduro. A experiência da fábrica
que compramos aqui (ex-Borregaard e ex-Riocell) mostra. Em dois anos, já fizemos
várias coisas que demonstram interesse em crescer aqui. Mas precisamos resolver
algumas questões.
ZH - Que tipo de questões?
Aguiar - Logística, por exemplo. Na Bahia, somos pioneiros de transporte por
barcaça. Queremos transferir essa tecnologia para cá. Estamos fazendo medições.
Precisamos conhecer os gargalos do rio Jacuí. Temos de saber se vamos
transportar madeira pelos próximos 30 anos sem ser prejudicados por uma
enchente ou por uma seca.
ZH - Organizações ambientais alertam sobre o impacto ambiental das novas
fábricas.
Aguiar - Estamos conversando com as ONGs para entender qual é o pensamento
delas. Estou querendo dizer que não chegaremos colocando o pé na porta,
forçando com o ombro e dizendo "vamos fazer uma fábrica aqui". Queremos vir e,
ao mesmo tempo, ser convidados.
ZH - Uma das principais críticas é o fato de que o Estado corre o risco de vir
a ter um deserto verde. A Aracruz tem respostas para essa preocupação?
Aguiar - Temos mais de 30 anos de experiência no manejo de florestas. Lá no
Sudeste, temos um hectare de mata nativa preservada para cada dois hectares de
floresta de eucalipto. Esse sistema mantém a biodiversidade local e permitiu
até que espécies sob risco de extinção voltassem a aparecer. Temos áreas onde
pequenos produtores, fornecedores de madeira, plantaram eucalipto seguido de
outras culturas, como café, e a produtividade aumentou. O eucalipto deposita
uma grande quantidade de matéria orgânica. São galhos e folhas que deixamos
propositalmente. Temos um projeto chamado microbacia com quase 300 hectares e
está funcionando há quase 10 anos. Diariamente, medimos a água que entra e sai:
o eucalipto não retira mais água do que qualquer outro plantio.
ZH - O eucalipto pode sufocar os tradicionais cultivos do Estado?
Aguiar - As florestas ocuparão uma área muito pequena. No Espírito Santo, que é
bem menor, todas as florestas da Aracruz não chegam a 2% das áreas do Estado.
Será que esses 2% criarão todo esse problema no campo? Ninguém vai tirar o
gaúcho do pampa, até porque já não há muitos gaúchos lá. Ninguém permanece onde
não há produção.
ZH - Do ponto de vista ambiental, há diferença entre o processo de produção de
celulose do Brasil e o utilizado em países como a Finlândia?
Aguiar - A legislação brasileira é mais restritiva do que a canadense, a
norte-americana ou a finlandesa. Tratamentos (de resíduos) semelhantes aos que
temos em Guaíba são no máximo dois no mundo. Ninguém exige o que se tem aqui.
Não estou falando de certificações internacionais. São exigências do pessoal
daqui. O Brasil não tem nada para se envergonhar. Somos muito bons nisso. Eu
não tenho o menor receio de comparar nossos resultados com o de qualquer outra
empresa.
ZH - Qual é a razão de o Brasil e o Estado receberem tantos investimentos do
setor?
Aguiar - A razão fundamental é que o Brasil é altamente competitivo na produção
de madeira. Uma árvore de eucalipto leva sete anos para atingir o ponto de
corte, e uma de pinus, 12 anos. Nos Estados Unidos, no Canadá, árvores para uso
equivalente levam 70 anos para atingir o ponto ideal.
ZH - Mas essa característica natural existe desde sempre. Por que as empresas
estão investindo pesadamente aqui nos últimos anos?
Aguiar - Quando se iniciou o plantio, a celulose de eucalipto não era
considerada de primeira qualidade. Levou algum tempo, anos, até que esse
produto fosse introduzido no mercado mundial e, mais, revertesse sua posição.
Hoje, é altamente procurada. Outra razão é que na maioria dos outros países
produtores não há mais possibilidade de crescimento. O Brasil tem 5 milhões de
hectares de florestas plantadas. O Japão tem 10 milhões.
ZH - E há demanda?
Aguiar - A China precisa desesperadamente de todo tipo de papel e, portanto, de
mais celulose. A Índia está ingressando no mercado consumidor. No Brasil,
também ainda há muito espaço para crescer.
ZH - O Rio Grande do Sul pode ser um pólo produtor de escala mundial?
Aguiar - O que não está correto é desmatar a Floresta Amazônica ou a Mata
Atlântica para plantar eucalipto. Mas o Estado tem áreas degradadas. O setor
florestal atrai as indústrias química, mecânica, de telecomunicações. Precisa
de mão-de-obra treinada. É uma opção para uma área que está sem opções.
(ZH, 15/01)