Justiça e meio ambiente
2006-01-13
Recentemente, tivemos casos de repercussão na mídia em que pessoas que
tiveram apreendidos pela fiscalização ambiental animais silvestres que tinham
ilegalmente sob guarda conseguiram do Judiciário decisões liminares que lhes
devolveram a posse dos animais - dadas sem a cautela de ouvir-se
anteriormente a autarquia ambiental e contrariando frontalmente a legislação
protetiva do meio ambiente. Com a repercussão desses fatos, surgem em todo o
Estado novas demandas buscando o mesmo objetivo - conseguir amparo na Justiça
para o que a legislação não permite: manter em cativeiro espécimes da fauna
silvestre.
Tais precedentes preocupam, e muito, quem trabalha na defesa do meio ambiente,
pois servem de estímulo à indústria milionária do tráfico de animais
silvestres, que vem sendo combatida com denodo pela fiscalização do Ibama,
pela Polícia Federal e pela Brigada Militar. Só no ano que passou, foram mais
de 7 mil animais vítimas do tráfico salvos pela ação desses órgãos, e esse
trabalho pode ser posto por terra. Afinal, com os atuais precedentes não é
difícil se imaginar que pessoas desavisadas adquiram um animal, vítima do
tráfico, para ter em sua casa, com a expectativa de que, se descoberto pela
fiscalização ambiental, sensibilizarão o juiz com o carinho e afeto que a
família desenvolveu pelo animalzinho ao longo do tempo, e consigam com isso
do Judiciário amparo para sua situação irregular.
E aqui não nos move um mero apego à legalidade ou visão positivista do
Direito, mas, sim, a consciência de que animais silvestres não têm em
cativeiro doméstico as condições de vida adequadas a suas necessidades
biológicas, seja na alimentação e espaço físico, seja pelo fato de estarem
impedidos do convívio com outros de sua espécie.
Também cabe reiterar que os casos desses animais cujo destino está em disputa
judicial não são isolados. Muitas vezes, cientes da ilegalidade, grande
número de pessoas prefere adquirir animais do tráfico na certeza do anonimato
e da impunidade. Essa prática lesiva ao ambiente vem incluindo a cada ano
novas espécies brasileiras nas listas das ameaçadas de extinção, tanto no
âmbito regional quanto no nacional (atualmente, constam 633 espécies ou
subespécies na lista nacional e 261 espécies na lista estadual do RS). Além
do mais, não somente o indivíduo capturado fará falta ao ambiente, mas também
os descendentes que ele deixará de ter.
Outro detalhe é que o impacto não se restringe à extinção da espécie
capturada. Na natureza, as espécies estão interligadas, servem de alimento a
outras e auxiliam na polinização de plantas. Ressalvamos que não pretendemos
fazer uma crítica generalizante e, sim, pontual. O Judiciário gaúcho é
reconhecido como tendo expoentes do Direito Ambiental Brasileiro. Nosso
objetivo neste artigo é apenas um apelo e um alerta sobre o que de maior está
em jogo quando se definem questões que parecem simples, como o destino de um
animal silvestre mantido em cativeiro doméstico. (Luís Gustavo Wasilewski,
Procurador-chefe do Ibama-RS, ZH, 13/01)