Atraso no desenvolvimento de gás natural mancha os feitos de energia do Brasil
2006-01-13
Com 11,24 bilhões de barris em reservas de petróleo, o Brasil produz 1,7 milhão de barris por dia, 90% de suas necessidades, um feito para quem antes era quase que totalmente dependente de importações. Em combustíveis alternativos, o país é pioneiro, transformando uma de suas maiores plantações, a de cana-de-açúcar, em etanol. O combustível, seja como etanol puro ou misturado na gasolina, atualmente representa um terço do que entra nos tanques de combustível no Brasil.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem exultado os feitos do Brasil em energia. Em novembro, ele inaugurou uma plataforma de petróleo na baía da cidade do Rio de Janeiro, usando um capacete e a elogiando por ajudar o país a não depender do petróleo importado. Uma semana antes em Brasília, ele exaltou os avanços do Brasil em combustíveis renováveis, declarando que em poucos anos "o mundo todo notará".
Mas para Vito Joseph Mandilovich, vice-presidente de operações de duas usinas de força dirigidas pela AES Eletropaulo, tal exaltação soa um tanto vazia. Duas vezes neste ano, uma das usinas da AES no sul do Brasil ficou ociosa por semanas quando seu fornecimento de gás natural, importado da Argentina, desapareceu. "Isto nos fez parar", disse Mandilovich. Sua empresa é parcialmente de propriedade da AES Corp. de Arlington, Virgínia.
Apesar dos grandes avanços na produção de petróleo e o desenvolvimento pioneiro de combustíveis renováveis, o quadro de energia do Brasil é manchado por sua incapacidade de atender à crescente demanda por gás natural. Não há estimativa clara de quanto gás natural o Brasil consumiria se ele estivesse disponível, mas as usinas ocasionalmente ficam às escuras e os distribuidores de gás estão rejeitando clientes. A escassez existente limita novos investimentos em usinas movidas a gás e geradores de energia.
"Há um desequilíbrio", disse Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, uma firma de consultoria daqui. "O gás natural está atrasado em um setor de energia fora isto saudável."
De fato, à medida que o Brasil se torna um astro em auto-suficiência de energia, o gás natural se tornou algo como uma reflexão tardia. A demanda teve início nos anos 90, quando o governo decidiu reforçar a grade de força hidrelétrica do Brasil com usinas abastecidas por gás natural. A indústria, enfrentando pressões ambientais e preços de petróleo mais altos, também buscou o gás para substituir o óleo combustível que alimentava máquinas e fornalhas.
Como o Brasil tinha na época descoberto poucas reservas domésticas, ele passou a contar com a importação de vizinhos ricos em gás, como a Argentina e a Bolívia. Um gasoduto de 3.200 quilômetros e US$ 1,8 bilhão vindo da Bolívia — financiado em grande parte pela Petróleo Brasileiro, ou Petrobras, a companhia estatal de energia do Brasil — fornece metade das necessidades do Brasil.
Mas, em 2003, a Petrobras encontrou depósitos imensos de gás na bacia de Santos, no Estado de São Paulo. Inicialmente, a Petrobras estimou que a nova descoberta triplicaria as reservas de gás do país em um total de mais de 600 bilhões de metros cúbicos.
Apesar de os campos terem o potencial de ajudar o Brasil a reduzir sua dependência de fornecedores estrangeiros, a Petrobras está relutante em prever exatamente quanto poderão produzir. No momento, o Brasil alega ter reservas comprovadas de 326 bilhões de metros cúbicos. Mas os campos ajudariam o Brasil a se aproximar da auto-suficiência que obteve no petróleo.
Mas ainda não há extração nos campos. A Petrobras disse no ano passado que investirá US$ 15 bilhões até 2010 para desenvolvê-los e dobrar a rede existente de gasodutos de 4.000 quilômetros. O primeiro gás será produzido em 2008. Mas o crescente custo do aço, somado à simples escala da geografia do Brasil, dificulta o estabelecimento de um prazo preciso para o projeto. Apesar de o Brasil estar a caminho de extrair o gás, ele sem dúvida chegará tarde demais para atender a atual necessidade e demanda reprimida.
"A oferta existente não atende ao crescimento da demanda", disse Sophie Aldebert, diretora associada da Cambridge Energy Research Associates, com sede aqui.
Os críticos culpam o governo brasileiro por fracassar em estimular o investimento em gasodutos e redes de distribuição que poderiam levar mais gás natural da Bolívia, assim como dos campos domésticos existentes, para mais partes do país. Leis que poderiam estimular tal investimento estão paradas no Congresso, deixando para a Petrobras, a fornecedora dominante do país, a responsabilidade de estabelecer a agenda de desenvolvimento.
"A Petrobras controla a oferta e decide onde e quando aumentá-la", disse Luis Domenech, presidente da Companhia de Gás de São Paulo, ou Comgás, a distribuidora no Estado mais populoso do Brasil. Até que as regras de investimento sejam mais claras, ele disse, "as empresas continuarão relutantes em competir com a Petrobras".
Mas a Petrobras rejeita a noção de que as fortunas do gás do Brasil se apóiem apenas em seus ombros. Apesar de reconhecer sua posição como um quase monopólio --apenas um punhado de outras empresas fornece para distribuidores regionais-- a empresa foi parcialmente privatizada em 1997 e suas obrigações estão mais voltadas aos investidores privados do que ao serviço público.
"Nós não somos obrigados a atender qualquer demanda a qualquer preço", disse recentemente Ildo Sauer, o diretor para gás e energia da Petrobras.
Em seu espaçoso escritório na torre da Petrobras no Rio, Sauer apontou para mapas na parede que ilustravam a rede de possíveis gasodutos no Brasil e na América do Sul. "Nós atenderemos os contratos de fornecimento que temos", disse Sauer, "mas não construiremos projetos a qualquer custo".
Os problemas de oferta, ele disse, são apenas sintomas da imaturidade do mercado de gás do Brasil: há escassez precisamente porque ninguém esperava que a demanda fosse crescer tão rapidamente. "Qualquer setor teria inveja deste tipo de crescimento e investimento", ele disse.
No Estado da Bahia, no Nordeste, fábricas e outros clientes industriais estão pressionando a Bahiagás, a distribuidora regional, a fornecer mais. Apesar de haver demanda por pelo menos 6,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia na Bahia, disse a empresa, ela só consegue obter da Petrobras 3,5 milhões. Até que um consórcio liderado pela Petrobras conclua um novo gasoduto no próximo ano, a empresa está perdendo pelo menos R$ 1,56 milhão por dia em receita potencial.
"Eu estou rejeitando clientes", se queixou Petrônio Lerche Vieira, o presidente da Bahiagás. Com uma demanda nacional projetada para crescer mais de 15% ao ano nos próximos anos, a futura oferta é ainda mais incerta e poderá afugentar indústrias manufatureiras do gás natural.
Além dos usuários industriais, clientes domésticos nas grandes cidades brasileiras estão adotando o gás natural. E também um grande número de veículos antigos estão sendo convertidos para o combustível.
Em vez de usarem gasolina, motoristas de táxi em cidades como Rio e São Paulo estão cada vez mais abastecendo seus veículos com gás natural.
"A demanda está se expandindo para vários outros usos, mas o crescimento futuro dependerá da oferta", disse Carlos Senna Figueredo, um consultor de energia para a Confederação Nacional da Indústria, uma entidade que representa o setor manufatureiro com sede em São Paulo.
O fornecimento pela Argentina, que enfrenta um aperto de energia devido à queda dos investimentos desde o colapso financeiro do início desta década, está recuando. A Argentina também é obrigada por lei a suspender as exportações caso necessite de seu gás domesticamente. E Evo Morales, o nacionalista presidente eleito da Bolívia, prometeu renegociar os acordos com investidores estrangeiros, com a Petrobras sendo o maior deles.
Outros líderes na região têm conversado sobre uma série de novas fontes potenciais, como um gasoduto transcontinental que levaria gás da Venezuela para o sul, mais tais projetos poderão demorar para sair do papel.
Afinal, projetos e políticas de energia são batatas quentes políticas em uma região onde as fortunas econômicas sempre dependem do preço e demanda por commodities.
"A necessidade de mais gás é clara, mas o cenário político não é", disse Francisco Bugallo, presidente de geração no Brasil para a companhia de força espanhola Endesa. "O equilíbrio entre oferta e demanda por energia é sempre uma questão sensível.". (New York Times, 12/1)