Calorão com torneira seca
2006-01-13
Grávida de nove meses, barriga pontuda a anunciar bebê à vista, a jovem dona
de casa Isabel Cristina Bontz passou os últimos quatro dias carregando
garrafões de água lomba acima. Atingida pelo desabastecimento que atinge 250
mil cidadãos da Grande Porto Alegre, Isabel percorreu seis quarteirões de
subida no Morro Santana, na zona leste da Capital, curvada sob o peso dos
galões e do calorão de 37°C. Fez isso três vezes por dia, até a exaustão.
- Feito retirante nordestina no sertão-, gracejou, sob o sorriso cúmplice de
dezenas de pessoas que esperavam em fila para conseguir água em uma nascente
situada em terras do Exército, no Morro Santana.
Longe de ser novidade, a cena se repete a cada verão. Só esta semana a seca
das torneiras atormentou moradores de Alvorada, Viamão, Gravataí,
Cachoeirinha, Esteio, Sapucaia do Sul e Porto Alegre. Um contingente de 350
mil pessoas chegou a ficar sem água para beber, cozinhar, tomar banho ou
simplesmente se lavar. Desde ontem, o número caiu para 250 mil (cerca de 10%
da população metropolitana).
O desabastecimento se soma a um clima abrasador - é causado em grande parte
por ele, aliás - que mantém a Região Metropolitana sob uma média de infernais
37ºC há uma semana. E não há sinal de que a canícula vá cessar a curto prazo.
Consumo aumentou 25% esta semana na Capital
As causas da falta de água diferem em cada local. Em Viamão e Esteio,
romperam-se adutoras. Em Alvorada um comando elétrico da Estação de
Tratamento de Água queimou. Nas demais cidades aconteceram interrupções no
fornecimento de energia elétrica. Mas o pano de fundo de tudo isso, asseguram
as autoridades, foi o consumo excessivo provocado pela onda de calor.
Nesta semana de temperaturas senegalescas - 37°C, ontem - os porto-alegrenses
têm consumido 25% a mais de água que em outras épocas do ano. O Departamento
Municipal de Água e Esgotos (Dmae) fornece normalmente 4,5 mil litros de água
por segundo à Capital. Está fornecendo 6 mil litros/segundo, a capacidade
máxima. O resultado de tanto consumo é a sobrecarga de equipamentos, que
ocasiona cortes de luz e gera, em seqüência, o desabastecimento.
Nenhuma destas explicações satisfaz quem fica horas em busca de água para o
simples ato de lavar a louça, como o metroviário José Adriano dos Santos,
morador do Jardim Ipu (Zona Leste). Ele foi mais um a engrossar a fila dos
que buscavam água em bica na tarde de ontem. Foi trabalhar sem conseguir
tomar banho.
De volta após uma temporada na praia, a dona de casa Selma Menezes, também do
Jardim Ipu, sequer pode banhar-se na manhã de ontem. Tratou de encher
bambonas e mais bambonas de água nos escassos períodos em que o líquido
jorrou da torneira (minutos, no espaço de 24 horas). O marido Renato, que é
síndico do prédio, recomendou que os moradores não lavem roupas no edifício e
percorreu oito quilômetros de carro para tomar banho. Na casa de amigos, no
Jardim Botânico.
- A gente paga taxa, conta de água e ainda tem de agüentar isso-, desabafa.
O que diz Jorge Accorsi, diretor de operações da Corsan
Segundo ele, o desabastecimento acontece porque toda a água produzida tem
sido consumida e pela falta de energia. Accorsi cita duas obras para melhorar
o abastecimento: a ampliação da estação Passo dos Negros, em Gravataí, e a
estação Rio Branco, em Canoas, prevista para o final de 2007. Com relação às
adutoras, ele reconhece que pode ser por sobrecarga ou fadiga dos
equipamentos.
O que diz Valdir Flores, superintendente de operações do Dmae >
Flores considera difícil prevenir a falta de água quando é ocasionada por
cortes de energia, como o que gerou desabastecimento esta semana na Capital.
Ele diz que os três fatores que geraram o desabastecimento - calor
avassalador, conseqüente aumento no consumo de eletricidade e falta de
energia para bombear a água - não envolvem investimentos do Dmae. (ZH, 13/01)