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2006-01-12
Há cinco séculos os europeus descobriram que alguns nativos da América fumavam tabaco com fins cerimoniais, prática que adotaram e popularizaram sem seu aspecto ritual. Hoje, no berço desse hábito, morrem por sua causa centenas de milhares de pessoas e governos lutam contra empresas com obscuros antecedentes. No Brasil e no México, os países mais povoados da região, onde falecem anualmente cerca de 250 mil pessoas por causas associadas ao tabagismo, a indústria do cigarro foi acusada, em 2005, de exercer pressões, mentir e até subornar legisladores com a intenção de barrar políticas restritivas ao seu negócio.

Segundo o grupo não-governamental Corporate Accountability International, com sede na cidade norte-americana de Boston, os fabricantes estão interferindo nas políticas de saúde pública em vários países da América Latina, e tentam frear regulamentações que atendam ao Convênio-Marco da Organização Mundial da Saúde para o Controle do Tabaco. A primeira reunião das partes desse Convênio, na qual se discutirá o financiamento de programas antitabaco, acontecerá em Genebra entre os dias 6 e 17 de fevereiro. As acusações contra as companhias não são novas.

Uma pesquisa encomendada em 2001 pela Organização Pan-Americana de Saúde concluiu que nos anos 90 os fabricantes de cigarros adotaram, na América Latina e no Caribe, estratégias para cooptar jornalistas, divulgar informes médicos tendenciosos e negociar com autoridades. Pouco resta na América do antigo costume ritualístico indígena de fumar tabaco em um caniço chamado tobago, mas hoje são milhares os cigarros consumidos a cada minuto na região. Os custos sanitários deste vício representam entre 6% e 15% dos orçamentos públicos da região, aos quais se deve acrescentar perdas por faltas no trabalho, mortes prematuras e cuidados com incapacidades físicas, afirma a organização não-governamental Consumers International.

A maioria dos países da região possui, desde os anos 90, leis que limitam o consumo de cigarros, que foram reforçadas pelo Convênio da OMS, em vigor desde 27 de fevereiro de 2005. O tratado estabelece a proibição da publicidade de cigarro e do patrocínio de marcas de cigarro a qualquer tipo de atividade, bem como desestimula a interferência desta indústria em políticas de saúde pública. No continente americano foi ratificado até o dia 8 de novembro (data-limite para poder participar com direito a voto da primeira reunião, em Genebra) somente por Brasil, Barbados, Bolívia, Canadá, Chile, Honduras, Jamaica, México, Panamá, Trinidad e Tobago e Uruguai.

Entretanto, o cumprimento das medidas restritivas é frouxo e registra atrasos, segundo observadores. Na Colômbia, por exemplo, ainda se discute projetos de lei para proibir a venda de cigarros a menores de idade e limitar a publicidade, enquanto no México muitas lojas continuam vendendo tabaco para menores de 18 anos, apesar da proibição por lei. O avanço em matéria de controle do tabaco é desigual nos países em desenvolvimento, como os latino-americanos, onde mais cresce a demanda, segundo Derek Yach, que foi um dos arquitetos do Convênio-Marco e que atualmente é acadêmico na Universidade de Yale (Estados Unidos).

“O panorama é misto: um grupo de países em desenvolvimento está avançando na luta contra o tabagismo, como Tailândia e Brasil, e outro está atrasado, provavelmente influenciado pela indústria do tabaco”, disse Yach. Ao mesmo tempo que pressiona por legislações antitabaco menos duras, a indústria se esforça por mostrar um rosto de "responsabilidade social", apoiando financeiramente diversas causas. "Colocam uma máscara amigável, enquanto continuam vendendo os mesmos produtos que matam metade de seus consumidores”, comentou Yach.

Segundo diversas fontes, as companhias Phillip Morris e British American Tobacco (BAT), os principais fabricantes de cigarros no continente, usaram em alguns países estratégias para evitar a ratificação do Convênio. Em um informe de 6 de outubro do ano passado, o grupo norte-americano Corporate Accountability International cita o caso da Guatemala, onde - afirma - as duas empresas pressionaram agressivamente políticos e funcionários do governo que discutiam o Convênio. O Congresso desse país centro-americano ratificou o tratado no dia 16 de novembro, depois da data-limite para ter direito a votar na primeira reunião das partes.

No Brasil, um dos três principais produtores de tabaco do mundo, houve pressões sobre legisladores com uma “campanha de distorção sobre o Convênio-Marco”, disse ao Terramérica Tânia Cavalcante, coordenadora do governamental Programa Nacional de Controle do Tabagismo. As companhias argumentaram que “a OMS e o Ministério da Saúde queriam proibir a plantação de tabaco” e atacaram os políticos favoráveis ao tratado, acrescentou. Paula Johns, coordenadora da Rede Tabaco Zero do Brasil, que reúne grupo não-governamentais, associações médicas e científicas, acusou a indústria do cigarro de agir de maneira “irresponsável, cruel e antiética”.

Apesar das pressões, o Brasil ratificou o Convênio em outubro de 2005. No país, 18,8% da população fumava em 2003, 13,2% menos do que em 1989, segundo estatísticas oficiais. Essa queda é atribuída em grande parte às medidas restritivas ao consumo de tabaco. Em contraste, na Bolívia, onde há 1,2 milhão de fumantes, Fátima Calancha, coordenadora da área do Tabaco no Ministério da Saúde, disse que as empresas não criaram obstáculo de nenhum tipo para a ratificação do Convênio da OMS.

Na Argentina, o Congresso deixou vencer o prazo para ratificá-lo, por pressões das províncias produtoras de tabaco. Esse país tem nove milhões de fumantes, em uma população de mais de 37 milhões de pessoas, e morrem por ano cerca de 40 mil por causas vinculadas ao tabagismo. No México, por outro lado, a BAT foi acusada, em outubro, por um deputado governamental de subornar legisladores com viagens ao exterior e manipular dados para evitar o aumento dos tributos sobre o cigarro. O México tem mais de 16 milhões de viciados em tabaco entre seus 106 milhões de habitantes, segundo estatísticas oficiais.

Um controvertido acordo assinado em 2004 entre as empresas e o governo do presidente argentino Vicente Fox, e que vence no final deste ano, estipula que os fabricantes façam doações para um fundo sanitário estatal, em troca de não haver aumento da carga de impostos, que é de 110%. De acordo com o estatal, mas independente, Instituto Nacional de Saúde Pública, esse acordo viola o Convênio-Marco da OMS. (Terramerica - http://www.tierramerica.org/portugues/2006/0107/particulo.shtml, 09/01)

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