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2006-01-10
Por Aldo Rebelo *
Um dos campos do conhecimento científico e tecnológico em que o Brasil mais avançou é o do programa nuclear. Em menos de 30 anos, partindo do zero, com poucos recursos, boicote internacional e até incompreensão interna, o país conquistou um lugar destacado no seleto clube dos que dominam o ciclo do combustível atômico.

Hoje, o Brasil já enriquece urânio para abastecer as usinas de Angra dos Reis (RJ) e reatores de pesquisa, e adquiriu capacitação técnica para figurar no quadro de apenas cinco países que possuem submarino nuclear.

Cabe ao país, agora, consolidar e ampliar essas conquistas com a alocação de mais recursos para a complementação do programa e para a difusão de uma mentalidade de defesa que se orgulhe dessa vitória da ciência nacional.

O programa nuclear brasileiro envolve uma teia de instituições públicas e privadas, inclusive universidades e empresas, cada uma delas oferecendo sua contribuição inestimável.

A jóia da coroa é o Centro Tecnológico da Marinha, para o qual convergiram os esforços de criação dos instrumentos que dão ao Brasil independência no setor nuclear com tecnologia totalmente nacional.

Em Aramar, na região de Sorocaba (SP), onde Afonso Sardinha montou, no século XVI, a primeira fundição do Brasil, foi desenvolvida uma ultracentrífuga avançada que funciona por levitação magnética e é mais eficaz e econômica que suas similares no resto do mundo.

Os Estados Unidos, por exemplo, já investiram alguns bilhões de dólares para aperfeiçoar um engenho semelhante, mas não chegaram a um resultado tão positivo quanto o de Aramar.

Funcionando em cascata, como uma rede de computadores, as máquinas enriquecem urânio a taxas de 3% para o combustível das usinas e de 20% para o reator do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que produz radioisótopos.

Essa é também a taxa exigida para o combustível que alimentaria o submarino nuclear.

Os que se preocupam com desvios do programa brasileiro precisam levar em conta que, para a produção de uma bomba nuclear, o artefato atômico necessitaria de enriquecimento do urânio a uma taxa de 95%.

Resta-nos concluir e ativar a usina Angra 3, a despeito da campanha de boicote feita por ONGs internacionais.

Já estamos ampliando a produção de urânio enriquecido em Resende (RJ) e poderemos nos tornar fornecedores de material atômico no lucrativo mercado das muitas usinas do mundo.

A grande empreitada por vir é a construção do submarino nuclear. Com recursos e um prazo de dez anos, a Marinha estaria capacitada a lançar ao mar um navio com as vantagens da velocidade máxima constante, da grande autonomia de deslocamento e da ocultação, podendo permanecer até três anos submerso, sem a necessidade que tem o convencional de vir à tona para recarregar as baterias, ficando vulnerável à identificação por satélites.

Infelizmente, o projeto não tem recebido as verbas necessárias, sendo alimentado por recursos do orçamento da Marinha.

Desde já proponho um nome: José Bonifácio de Andrada e Silva, que organizou, através do almirante britânico Thomas Cochrane, a 1 esquadra nacional para anular a resistência da Coroa portuguesa em 1823 e consolidar a independência do Brasil.

Um dos obstáculos à construção do submarino nuclear é a falta de unidade nacional em torno do projeto.

Muitos o consideram desnecessário, até supérfluo e acintoso num país em que os recursos são escassos para solução das graves desigualdades sociais.

Esse argumento esboça um falso dilema. A defesa nacional, baseada na tradição de coerência com os recursos do país, é estratégica para o estado nacional.

A realidade do mundo não se imprime num sereno cenário de paz, mas num mapa geopolítico salpicado de conflitos.

Uma potência média e regional como o Brasil tem de cuidar da sua defesa, em associação fraterna com os vizinhos, como estamos fazendo, em especial com a Argentina, com quem temos um convênio de controle de materiais nucleares.

O país tem uma sólida trajetória pacifista, mas, como alertou o Barão do Rio Branco em 1911, "não se pode ser pacífico sem ser forte".

Temos muito o que explorar e proteger num litoral de 8 mil quilômetros e na faixa de 12 milhas marítimas, zona econômica exclusiva e plataforma continental, que podem se estender por até 200 milhas, cerca de 370 quilômetros.

Na proteção deste mundo de riquezas ainda em prospecção, o submarino nuclear traz como característica essencial a força armada – a flexibilidade e a capacidade de rápido deslocamento com um formidável poder dissuasório.

As disputas, ostensivas e dissimuladas, pelo controle de tecnologias e riquezas que elas podem processar são questões de Estado que não podemos negligenciar.

Cabe-nos, primeiramente, proteger o que conquistamos e não abrir mão de um futuro em que podemos nos diferenciar nesse campo.

Não é por eqüidade técnica que o Programa Nuclear do Brasil tem sido alvo da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU. Desde que assinamos, em 1998, o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares (TNP) estamos sujeitos a limitações importantes.

A Agência da ONU chegou a instalar câmera de vídeo no Centro de Aramar para controlar o material que entra e sai do galpão das ultracentrífugas.

Querem nos fazer assinar também um anexo que permitiria fiscalização mais invasiva, estendida à zona de privacidade pessoal de dirigentes e técnicos envolvidos no projeto.

O governo do presidente Lula tem se recusado a assinar esse protocolo, até porque ele aumenta a assimetria das inspeções.

Enquanto determinados países em desenvolvimento são postos sob suspeita quando anunciam pesquisas nucleares para fins pacíficos, detentores de vasto arsenal atômico não são investigados pelos inspetores da Agência – e pouco se sabe sobre o que fazem em seu complexo industrial-militar.
* Aldo Rebelo, dep. federal (PC do B-SP), é presidente da Câmara dos Deputados. Artigo publicado na Gazeta Mercantil em 3/1, com resposta do Greenpeace em 08/01 – disponível em http://www.ambienteja.com.br/2006/ver_cliente.asp?id=71299

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