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2006-01-09
A reunião de sexta-feira à tarde (06/01) entre ambientalistas e a Aracruz Celulose poderia ter se tornado uma guerra, mas reinou um clima de tranqüilidade e respeito no ar. O resultado do encontro entre diretoria da empresa e representantes de cinco ONGs – Núcleo Amigos da Terra, Fundação Gaia, União pela Vida, Terra e Direitos e Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Inga) — foi elogiado pelos dois lados presentes e contribuiu para deixar os ecologistas mais informados sobre o processo de ampliação dos negócios da empresa.

A Aracruz não confirmou se a ampliação vai ser dar no Rio Grande do Sul, mas seu diretor de operações, Lídio Nunes, garantiu que, se for por aqui mesmo, o certo é que se aumente a fábrica de Guaíba. “Para nós, seria vantagem otimizar o atual, investindo nas instalações que estão inativas”, afirmou. Explicou que a Aracruz pretende seguir um rumo diferente da Votorantim e da Stora Enso – o que significa escapar da concorrência expandindo sua área, podendo chegar até Camaquã, pelo sul, e usando até mesmo a hidrovia do Jacuí pelo norte. Os investimentos devem ficar na faixa de 1,2 bilhão de dólares, com 100 mil hectares de floresta plantada e 50 mil de preservação – respeitando a proporção de 2 hectares de plantio para um de matas nativas.

Nunes destacou que o anúncio do local está previsto para março ou abril, quando os estudos forem concluídos. A afirmação foi uma das poucas perguntas que ganhou resposta, já que o resto permanece um mistério. “Tudo que estamos dizendo se baseia nas experiências que tivemos até aqui”, esclarece, quando questionado sobre as possibilidades de empregos gerados. “Nossas pesquisas utilizam métodos do BNDES e da Fundação Getúlio Vargas, e calculamos que 30 ou 40 mil pessoas possam ser beneficiadas” – segundo alguns números preliminares, 4 mil diretos e até 10 mil indiretos. O discurso da Aracruz hoje está baseado no crescimento e em sua consolidação no mercado competitivo da silvicultura. “O Rio Grande do Sul pode ser uma alternativa para nossos planos, assim como Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais”, assegura Nunes. E a empresa ambiciona mesmo tornar-se uma multinacional. Embora ainda não tenha negócios fora do Brasil, na visão da diretoria esse é um dos caminhos no futuro.

Polêmicas persistem no debate
A reunião foi de fato tranqüila, mas não significou que polêmicas como o branqueamento do papel fossem ignoradas. Clovis Zimmer, gerente de qualidade e meio ambiente, esclarece que o vilão cloro ainda é utilizado, mas em processos menos agressivos. “Para nós seria até melhor se o papel clorado deixasse de ser usado, pois o branqueamento é mais caro. Porém atendemos ao pedido do fabricante, que precisa abastecer um mercado que ainda exige o papel branco”, explica.

A relação entre a Aracruz e alguns produtores foi um dos momentos que mais agitou o encontro. Setenta por cento do plantio pertence à empresa, enquanto os 30% restantes provém de programas de fomento, parcerias e arrendamento. A diretoria afirmou que uma das metas é intensificar os contatos com os produtores, o que já acontece por meio de distribuição de nativas, conscientização ambiental e orientação quanto ao melhores lugares para plantio, geralmente áreas degradadas. Essas medidas, porém, são recomendações, não exigências. “Por que essas ações não passar a ser contratuais, obrigando o produtor a adotá-las?”, questionaram as ONGs quase em uníssono. Nunes, entretanto, defendeu a idéia da educação e afirmou que o melhor ainda é deixar essas recomendações fora do papel. “Já pensamos em fazer algo do tipo, mas não podemos obrigar ninguém. Não que sejamos contra, mas é difícil”. A resposta não pareceu satisfatória aos ecologistas.

A preocupação de que Guaíba fique presa a apenas uma atividade econômica não deve ser levada adiante, para Nunes. “Defendemos que o município espalhe suas atividades e tenha uma multiplicidade de culturas. Sabemos o quanto seria prejudicial para todos se a silvicultura fosse a única forma de trabalho”, salienta. O Núcleo Amigos da Terra, por meio de Káthia Vasconcellos, expressou o temor: “A pecuária aqui parou porque todos quiseram ser gigolôs de vaca . Agora, tem muita gente querendo ser gigolô de árvore. Isso não pode acontecer”, adverte.

Ambientalistas fazem exigências
No final da reunião, as ONGs fizeram uma lista com inúmeras cobranças para os técnicos da Aracruz. Entre elas está o acesso aos estudos ambientais, inclusive aos que comprovam a inviabilidade de nativas na confecção de boas fibras de celulose.

Outro item da lista foi a continuidade dos debates, focando-se, dessa vez, nos temas que mais renderam discussões, como os processos de branqueamento. O gerente de relações com a comunidade, Francisco Borges Bueno ficou encarregado de manter o contato com as entidades e de organizar a próxima etapa, com visitas à empresa. “Podemos marcar um dia só para que vocês visitem a Aracruz e possam comprovar tudo o que estamos falando”, garante Nunes. A idéia foi bem recebida e há previsão de que aconteça, no máximo, até março. O convite ainda estendeu-se às unidades do Espírito Santo e Bahia.

Reunião supera expectativas
Káthia Vasconcellos, organizadora da reunião, considerou importante a troca de informações. “Temos, assim, um canal de abertura. Como as ONGs estão mais organizadas, os diálogos se tornam mais enriquecedores”, afirma. Ela acredita que foi um grande passo no debate sobre as monoculturas de árvores, e a disposição da Aracruz em recebê-los não é uma surpresa. “Com a Riocell, tínhamos uma relação parecida. Eles nunca nos fecharam a porta”, acrescenta.

A ambientalista assegura que, se a ampliação vier realmente para o Rio Grande do Sul, é menos prejudicial que aconteça em Guaíba do que em outras áreas do Estado, como o Pampa. Confessa também que acredita na palavra da empresa até o momento, o que dá certo alívio. “Pelo menos eles dizem o que estão fazendo e temos como trabalhar a partir dessas perspectivas.”

A opinião de Lara Lutzenberger, da Fundação Gaia, é semelhante. “O encontro foi excelente, pois conseguimos estabelecer um diálogo entre as partes. Parece ser o processo ideal de troca de informações com a sociedade”, destaca. Sobre as expectativas do lugar onde haverá a ampliação, a filha do pioneiro Lutz prefere também crer na palavra da empresa, uma reutilização do espaço em Guaíba.

Do lado da empresa, Nunes elogiou, ao final do debate, os resultados alcançados. “A troca foi importante para nós em virtude do entendimento que as ONGs tem sobre as questões mais importantes da silvicultura”, realça. Frisou que atividades do tipo são um elemento básico para o desenvolvimento social e que o diálogo interessa à empresa da mesma forma.
Por Patrícia Benvenuti

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