Comunidade luta para salvar bacia do Rio Ratones
2006-01-09
No Bairro de Ratones, em Florianópolis, a população se organizou para avaliar as conseqüências ambientais dos altos índices de crescimento e evitar desastres como a ocupação desordenada e a poluição.
Uma das metas do Fórum Permanente das Associações Comunitárias, criado em março de 2005, é propor e apoiar projetos e ações que promovam o desenvolvimento sustentável da Bacia Hidrográfica de Ratones.
Situada no Noroeste da Ilha de Santa Catarina, a Bacia abrange 61 quilômetros quadrados de área de ecossistema frágil. Formada principalmente pelos rios Ratones, Papaquara e Veríssimo, o local abriga uma população de 40 mil pessoas, segundo o IBGE. São moradores dos distritos de Santo Antônio de Lisboa, Ratones, Canasvieiras e Cachoeira do Bom Jesus.
Segundo o presidente do fórum, Flávio De Mori, essa estimativa está relacionada ao período normal do ano. Durante a alta temporada, o número de habitantes e a poluição na Bacia aumentam drasticamente.
- Grande parte da Bacia já está poluída. Existe uma preocupação com a condição dos balneários enquanto os rios que drenam a água no mar parecem esgotos a céu aberto - relata De Mori.
A falta de saneamento básico lidera a lista de problemas na área. É normal encontrar desde latas e garrafas de plástico até lixo hospitalar. Em algumas partes do maior rio da região fica complicado para os pescadores buscarem o sustento.
Pescadores são obrigados a jogar a rede em outras águas
- A sujeira acaba interferindo na qualidade dos peixes e camarões. Ainda é possível encontrá-los, mas não prestam para comer - explica o pescador João Faustino.
Aos 56 anos - 35 dedicados à pesca -, Faustino conta que a partir de 1999 a situação na Bacia de Ratones começou a piorar. Segundo o pescador, hoje 60% da área está poluída.
- Todo mundo joga lixo nos rios, o pessoal é muito porco - lamenta.
Faustino opta por pescar em outros lugares, como Jurerê e Daniela. A única solução que o pescador enxerga para o problema é dragar os rios comprometidos pela poluição.
Os cuidados ambientais na Bacia de Ratones transcendem a rotina de pescadores e a saúde dos habitantes. Para De Mori, o turismo na parte litorânea também depende da conservação da biodiversidade e da qualidade dos rios que deságuam na Baía Norte da Ilha.
Lei que impõe limite está ultrapassada
O plano diretor dos balneários que vigora hoje está ultrapassado. Data de 1985. Por isso, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf) tem se concentrado na tentativa de atualização da legislação vigente.
Segundo Jianine Tavares, diretora de planejamento, a lei de preservação do local existe, mas há omissão no seu cumprimento. O novo plano diretor pretende ser mais rígido nas punições, além de cobrar maior eficácia na fiscalização.
- O que nos deparamos atualmente é com uma descaracterização do patrimônio. Não só físico, mas cultural - atenta Jianine.
A idéia é contar com o apoio da população e de organizações envolvidas para revisar o plano. Algumas questões como as da zona de amortecimento, ou subzonas - que são os limites dos manguezais -, não estão muito claras.
- A vivência dos moradores contribui demais na elaboração. A nossa meta é de o plano diretor chegar bem próximo ao ideal - anuncia Jianine.
Crescimento acelerado já destruiu 50% do manguezal
O Fórum Permanente, sem fins lucrativos, possui 12 sócios atualmente. Cada associação dispõe de um representante no Conselho Deliberativo, que se reúne mensalmente. Bastante atuante, a Estação Ecológica de Carijós (Esec) promove trabalhos de educação ambiental, visando preparar as próximas gerações para a defesa do ecossistema.
A unidade de conservação foi criada para proteger os manguezais de Ratones e do Saco Grande. Ambos possuem uma dimensão de 7,15 quilômetros quadrados. Só o manguezal de Ratones, que faz parte da bacia hidrográfica, equivale a 87% da área total. Segundo dados da Esec, atualmente a Ilha conta com menos da metade de florestas de mangue do que antes do início da ocupação urbana.
- O desenvolvimento não vem com uma preocupação ambiental. As pessoas apenas ocupam o pedaço de terra sem ter conhecimento da situação - afirma o analista ambiental do Ibama e chefe da Esec, Apoena Figueiroa.
O Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf) também auxilia na informação dos habitantes. Cartilhas contendo os direitos e os deveres do cidadão serão distribuídas à comunidade. O processo pedagógico, no entanto, demanda tempo e empenho.
Figueiroa encara a conjuntura de duas maneiras. Para o funcionário do Ibama, a conscientização é válida, mas as pessoas a usam mais para denunciar o vizinho do que para seguir as instruções no dia-a-dia.
Proprietários acabam por desvalorizar a própria terra
Ao transformar a Bacia em esgoto, ou ao destruir o manguezal, o dono desvaloriza a própria terra. O chefe da Esec acredita que a tentativa de conter o crescimento acelerado dos últimos 15 anos acaba ferindo muitos interesses políticos e econômicos no local.
- As denúncias existem, só que a situação não muda. Nunca vi uma casa ser demolida. A legislação é bem restritiva, mas tem de haver punição - aponta Figueiroa.
Outra grande preocupação da unidade é com os animais. Algumas espécies, como a lontra e o jacaré-de-papo-amarelo, correm risco de extinção. As edificações construídas à beira do rio privam os bichos de seu habitat natural. É cada vez mais comum avistá-los entre casas e comércios. Ou, sob outra ótica, cada vez surgem mais casas e comércios no habitat dos animais.
Além de fazer o monitoramento na região, a Estação Ecológica tem o poder de combater os crimes ambientais. Contudo, a unidade esbarra em uma dificuldade básica.
O limitador não está nos automóveis ou embarcações, mas na falta de técnicos especializados. Atualmente, apenas Figueiroa tem condições de autuar alguém por crime ambiental.
Em compensação, um antigo problema foi resolvido. Sem um laboratório de análise e monitoramento da água a Esec não podia acusar uma pessoa por poluição do rio, ainda que fosse dado o flagrante.
Agora a situação é outra. Uma amostra do material é coletada e levada ao laboratório, onde são avaliados e medidos os efeitos que a substância causa ao ambiente. (Diário Catarinense, 08/01)