O Brasil não conhece o projeto de transposição - Entrevista Leonardo Mattos, Deputado Federal (PV)
2006-01-09
Primeiro deputado federal eleito pelo Partido Verde em Minas e primeiro militante do movimento de portadores de deficientes na Câmara Federal, Leonardo Mattos, de 50 anos, também tem voltado sua produção parlamentar para o meio ambiente. É de sua autoria o projeto que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o que cria a Certidão Negativa de Débito Ambiental, que quer exigir do governo brasileiro mais responsabilidade na contratação de serviços potencialmente lesivos ao meio ambiente. Idealizador da Frente Parlamentar "Salve o Rio São Francisco", Mattos conta à JB Ecológico suas principais críticas às atuações do governo federal e do Congresso na área ambiental. "É triste, mas não posso afirmar que tenhamos votado leis que representaram marcos no avanço ambiental".
JB Ecológico - Qual é sua avaliação sobre a atuação ambiental do governo federal?
Leonardo Mattos - Se considerarmos as expectativas que foram levantadas pela sociedade, evidentemente que todo mundo tem a sensação de ser um credor do governo Lula, até porque as ações mais importantes do ponto de vista ambiental foram praticamente todas perdidas pelo ministério do Meio Ambiente. Acho que nunca o meio ambiente sofreu tanta pressão para sua preservação ou degradação, como se vê na questão das usinas hidrelétricas e dos organismos geneticamente modificados. O governo muitas vezes não soube trilhar um caminho em que a convergência fosse colocada como a referência.
JB - E de quem é a culpa?
LM - Acho que o governo se pautou pelo crescimento econômico, até porque havia se comprometido a criar 10 milhões de empregos. Coincidentemente, a agricultura também passou a colaborar com doses elevadas de participação no superávit da balança comercial. O Brasil ficou à mercê da economia. São os ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Agricultura e do Desenvolvimento juntos contra só um do Meio Ambiente. Virou uma briga desigual, até porque o MMA não poderia ter uma característica pontual, mas ser um ministério sistêmico presente em todos os outros. Tratamos o meio ambiente como algo estanque e afastado do contexto da administração pública. É um perigo que não podemos correr.
JB - E como avalia o desempenho do Congresso nessa área?
LM - O Congresso poderia ter trabalhado mais pela sustentabilidade, mas ele também foi atrás da preocupação econômica. E a metade da legislatura será praticamente perdida por todos esses episódios das CPIs e do mensalão. É triste, mas não posso afirmar que tenhamos votado leis que representaram marcos no avanço ambiental. O que votamos aqui foi o projeto do aluguel das florestas (PL de Florestas Públicas) e a liberação dos organismos geneticamente modificados. Não tivemos uma boa legislatura para o meio ambiente.
JB - A CPI da biopirataria também ficou marginalizada...
LM - Apesar de ter resultados, ela ficou sim em segundo plano. A questão ambiental, aliás, ainda é tratada de forma secundária de um modo geral.
JB - O senhor está à frente da Frente Parlamentar Há espaço ou margem de manobra para o Congresso inviabilizar a transposição do Rio São Francisco ou exigir a sua concomitante revitalização?
LM - Nós estamos dependendo agora da instalação de uma comissão geral para dar oportunidade à sociedade se manifestar mais uma vez e ao Congresso conhecer de fato o que é o projeto. O Brasil não conhece o projeto de transposição, suas conseqüências e a motivação do próprio governo Lula, que era oponente raivoso da transposição e hoje se torna seu grande defensor com propagandas inclusive ilusionistas. O Congresso precisa conhecer um pouco mais para se posicionar, até porque ele tem instrumentos vários para impedir qualquer outro projeto por parte do governo.
JB - Quais seriam esses mecanismos?
LM - O primeiro mecanismo é o orçamento, que pode não autorizar a liberação de recursos para as obras. Também temos regimentalmente a possibilidade, através de um decreto legislativo, de impedir qualquer ação governamental que, ao nosso ver, promova ou configure algum tipo de risco para a sociedade ou que ultrapasse os limites da condições de legislar por parte do governo. É preciso que haja o mínimo de consenso por parte dos congressistas e isso não há.
JB - Num ano eleitoral, há quem diga que é muito difícil imaginar que o presidente Lula vá estender demais essas discussões. A Frente está preparada para bater de frente com o governo?
LM - Eu acredito que sim. A frente tem parlamentares de todos os estados da federação. Não é uma frente dos parlamentares apenas da bacia do São Francisco. Nós ainda temos o plano de fazer uma visita à foz do rio e aos projetos de irrigação em curso. A frente ainda tem muito o que fazer, e nosso objetivo é não aceitar a renúncia ao debate.
JB - Um dos projetos de lei de sua autoria trata da Certidão Negativa de Débito Ambiental. Do que se trata?
LM - Nossa grande preocupação é que o governo, como grande comprador de obras, se comprometesse também com a qualidade ambiental tanto das obras quanto de certificações por parte das empresas que ele contrata. Nós sempre olhamos as certidões negativas de débito com a fazenda e com a previdência, mas não as certidões negativas de débito com o meio ambiente. Muitas empresas que degradam amanhã serão parceiras do governo em empreendimentos que muitas vezes são extremamente onerosos para a sociedade. Queremos fabricar uma cultura conservacionista por parte dos empreendedores também. Não basta que a sociedade se preocupe com o meio ambiente se o governo compra serviços sem zelar pela sua qualidade ambiental.
JB - Acha que o PL de Florestas Públicas, que permite a exploração sustentável das florestas pela iniciativa privada, será aprovado até o fim do governo?
LM - Neste ano acho muito difícil, até porque são projetos que devem ser votados no início da legislatura e não no final. Este ano a preocupação eleitoral deve dominar. Pode ser que ele seja colocado em pauta depois de novembro.
JB - O senhor é defensor histórico na defesa dos direitos dos deficientes e tem trabalhado também na área ambiental. Consegue ver alguma semelhança entre essas duas lutas?
LM - A questão ambiental tem muito a ver com qualidade de vida, que nós também procuramos defender para as pessoas com deficiência. Esse termo é quase uma ilusão para os deficientes, e nós buscamos fazer com as pessoas possam viver felizes e com qualidade de vida. Acho que o meio ambiente protegido é um grande contribuidor para isso. E a violência que impera hoje no país, de todos os pontos de vista, é grande produtora de deficiências. São muitos que nascem deficientes e que se tornam deficientes pela falta dessa qualidade de vida, especialmente nos grandes centros do país. Nós, os deficientes, somos na verdade quase o resultado de uma condição precária do ambiente em que vivemos.
JB - E também são duas lutas bastante difíceis, não?
LM - Sim, todas as duas são lutas difíceis e todas elas por fatores econômicos, que impedem tanto que o deficiente possa ter uma boa qualidade de vida como também se colocam como grande obstáculo para a sustentabilidade. Os deficientes hoje, por exemplo, não têm uma escola qualificada e não conseguem obter uma cadeira de rodas ou medicamentos. Por quê? Porque não têm forca suficiente para fazer com que o Estado brasileiro dispense recursos para atender suas necessidades.
JB - A Câmara já tem essa estrutura adequada?
LM - Já esteve pior e tende a ficar melhor. Várias obras já foram feitas depois que nós chegamos aqui. Agora estamos aguardando um momento de pausa nos trabalhos da Câmara para fazer as ultimas adaptações, que são no plenário da mesa diretora, no salão branco, no salão negro e na galeria. Identificamos todas as barreiras arquitetônicas e tecnológicas para o acesso dos deficientes. Agora, por exemplo, inauguramos o site com acesso para os deficientes visuais, que é uma vitória gigantesca para eles.
JB - As eleições se aproximam. Como o PV deve se posicionar?
LM - Eu acredito que o PV ainda não está absolutamente instalado de forma capilar no Brasil de modo a ter uma candidatura própria viável à presidência da República. Nosso objetivo agora é superar a cláusula de barreira, que estabelece um mínimo de 5% válidos no país. Essa é nossa meta agora: garantir nossa sobrevivência.
JB - Qual seria o melhor caminho para o Congresso começar bem 2006?
LM - O melhor que temos a fazer é garantir que a Casa seja representativa da sociedade brasileira. Cada vez mais o poder legislativo menos representa a sociedade e mais o interesse das corporações. Precisamos fazer uma reforma política, e não essa que está aí, mas uma que garanta ao cidadão se sentir representado. O legislativo é o poder verdadeiramente representativo da sociedade e é triste perceber que não estamos conseguindo de fato representar o povo brasileiro. (Jornal do Brasil, 06/01)