Passáro raro passa férias no interior de Santa Cruz do Sul
2006-01-06
O agricultor Ernani Luiz Hermes fica todo feliz quando fala do estranho hóspede que apareceu pelo segundo ano seguido em sua propriedade, em Linha João Alves, interior de Santa Cruz. Trata-se de um urutau (Nyctibius griseus), pássaro raro e ameaçado de extinção, que é encontrado em poucas partes do Brasil, sobretudo no Centro e no Norte. No Rio Grande do Sul, a presença do animal é incomum.
Seu Ernani ri quando fala dos hábitos diferentes da ave. “Ele não se mexe durante o dia. Fica reto, grudado em um galho e com a cabeça para cima. Parece até que está camuflado.” E essa é mesmo uma das características do urutau. Por ser um pássaro noturno, costuma se esconder na extremidade de troncos, e usa a penugem cinza tigrada para confundir os predadores.
O agricultor conta que, no verão passado, um animal dessa espécie, talvez o mesmo, já esteve em sua casa “passando as férias”. “Ele parou em uma árvore e criou um filhote lá até conseguir voar. Depois, foi embora. Ficou uns 40 dias.” Agora, há cerca de um mês, o amigo – ou amiga – de seu Ernani, voltou. “Até não sei se é o mesmo. Talvez seja até o filhote que cresceu”, diz ele.
Como a árvore em que ficou no verão passado caiu com uma ventania durante o inverno, o bicho teve que procurar um novo refúgio. Mas não foi muito longe. Achou outra planta a dez metros da anterior. “E já está com outro filhote. O bichinho tem uma penugem branca e fica embaixo do outro.”
Como é típico da espécie, essa ave não constrói ninhos. No período após o acasalamento, deposita seus ovos em uma cavidade natural de seu poleiro noturno. Quando o filhote nasce, fica protegido pelo corpo da mãe.
A camuflagem e seu canto angustiado, só ouvido durante a noite, dão ao urutau um nome pelo qual é popularmente conhecido no Norte do País: pássaro-fantasma. A crendice popular ainda vai mais além. Lendas dão conta de que as penas da ave têm o poder milagroso de preservar a pureza das moças da sedução de mal-intencionados.
Mas seu Ernani nem liga para as histórias. Diz que se sente honrado pela presença do animalzinho. “Por mim pode vir todo ano.” O agricultor afirma que quer fazer plantão em uma noite para tentar ouvir o canto do urutau. “Deve ser bonito. E acho que ele gostou do lugar. Aqui, sempre vai ser bem tratado.” (Gazeta do Sul, 6/1)