Guartelá (PR): Pequeno Grande Parque
2006-01-05
Existe um lugar no sul do Brasil onde é possível ver espécies de Mata
Atlântica, Cerrado, banhados sulinos, campos de altitude, até Caatinga, além
de araucárias, orquídeas, bromélias, e uma riqueza muito particular de flores.
Tudo nos 798 hectares do Parque Estadual do Guartelá, a pouco mais de 200
quilômetros de Curitiba (PR). Mesmo com toda essa diversidade, dentro desta
pequena unidade de conservação, os atributos que mais saltam aos olhos não são
biológicos, mas geológicos. Além de cachoeiras e sítios arqueológicos, o
parque protege parte do 6º maior cânion do mundo em extensão.
O cânion do Guartelá, com 32 quilômetros de comprimento, é o maior atrativo da
região. Para ver o traçado do rio Iapó (tributário do rio Tibagi), a 450
metros abaixo dos paredões, os visitantes têm duas opções de trilhas, ambas
fáceis de percorrer e sem grandes elevações. Somadas, elas cobrem cerca de
dois terços de toda área protegida e levam de quatro a seis horas de caminhada.
Só que apenas uma delas pode ser percorrida sem a orientação de um
profissional. O visitante que não quiser a companhia de um guia, pode conhecer
o mirante do cânion, se banhar nas águas claras do rio Pedregulho e ver a
cachoeira da Ponte de Pedra em dois quilômetros de trilha pavimentada com
troncos de madeira.
Quem quiser um pouco mais de aventura pode procurar no centro de visitantes do
parque o telefone de guias como Ivanize Barbosa, que leva turistas para
conhecer pinturas rupestres de dois mil anos, passando por diversas
esculturas de arenito que margeiam a trilha. “Cobro 50 reais para passar o dia
com os grupos, e não só dentro do parque”, diz. Ivanize costuma guardar suas
energias para levar os visitantes às propriedades do entorno, que também têm
cachoeiras e onde é permitido praticar esportes radicais, como rapel.
Embora o parque tenha diversos paredões e cachoeiras propícias a esse tipo de
atividade, Cristovam Sabino Queiroz, gerente da unidade, diz que precisou
proibir a prática porque o parque estava ficando muito degradado. “Tudo isso
aqui era área particular, então as pessoas vinham para acampar, faziam comida,
fogo e desmatavam. Para recuperar a área, tive que interditar lugares como a
Ponte de Pedra”. Queiroz informa que o parque recebe entre 12 mil e 15 mil
visitantes por ano, bem menos do que costumava comportar antes das interdições.
Segundo a chefe do departamento de biologia geral da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG), Ivana Freitas Barbola, cerca de 90% da área do parque do
Guartelá tem vegetação secundária. Mesmo assim, a região é muito importante
para conservação porque funciona como uma “ilha”. “Todo entorno é bastante
alterado, com zonas de agricultura e pastagem bem próximas”, diz Ivana. A
pesquisadora enumera a onça e o lobo-guará como exemplares de fauna ameaçada
que podem se refugiar no parque, além de algumas espécies de aves migratórias
e outros animais.
Área reduzida
Ainda que não seja impossível, é no mínimo improvável que animais de grande
porte sobrevivam numa área tão pequena, se comparada a outras unidades de
conservação. Seguramente, se o projeto original do parque tivesse sido
respeitado, a possibilidade de encontrar mais biodiversidade aumentaria, e
numa escala considerável. Em 1992, quando o parque foi criado no papel, ele
tinha cerca de 4.200 hectares. “Mas não conseguimos desapropriar todas as
propriedades, por isso ele nasceu com os atuais 798 hectares”, explica o
engenheiro agrônomo do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Luis Augusto
Diedrichs.
Apesar de o parque ter seu plano de manejo concluído em 2002 e Queiroz dizer
que a situação fundiária está regularizada, um pequeno sítio mantém-se
encravado no Guartelá. Para chegar até a propriedade da família de Olimpio
Mainardi, é preciso cruzar a portaria do parque, num caminho que se vê bois
pastando e animais de criação como patos, galinhas e bodes soltos. Apesar do
visitante estar teoricamente dentro do parque, para começar as trilhas, ele
precisa passar por dentro do sítio.
“Na época, o sr. Olimpio tinha aceitado a desapropriação. O dinheiro da
indenização foi depositado e ele chegou a usar parte da quantia. Mas apareceu
um advogado esperto que o fez acreditar que sua propriedade valia, em vez dos
100 mil reais propostos, 10 milhões de dólares!”, conta Diedrichs. E a
situação ficou pendente. Hoje, o engenheiro explica que o IAP faz uma política
de boa vizinhança com os demais proprietários, mesmo sabendo que algumas áreas
do parque são ameaçadas por plantas exóticas como braquiária e pinus,
provenientes das fazendas do entorno. Graças a esse relacionamento amistoso, o
instituto anunciou que pretende ampliar a área protegida em 2006.
Segundo Diedrichs, uma das prioridades da administração do Guartelá é aumentar
a unidade de conservação para 6.500 hectares. “Estamos com recursos previstos
no orçamento e já fizemos o mapeamento da região, sendo que em alguns lugares
vamos usar as demarcações de 1992”, explica.
Como a área do parque protege apenas o que está à margem esquerda do cânion, o
objetivo da expansão da unidade é cobrir também o lado direito, ainda
considerado em bom estado de conservação. Nos dois lados, a exposição do
arenito furnas no chão ou nas esculturas de pedra chama a atenção dos geólogos.
É possível analisar muito bem as estruturas das rochas, que são muito
semelhantes às do famoso Parque Estadual de Vila Velha, também no Paraná. Uma
fonte infindável de conhecimento, segundo Flavia Fernanda de Lima, geóloga do
Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná (Geep-Açungui). “O Guartelá nos dá a
oportunidade de testemunhar algumas importantes marcas de como aconteceu boa
parte da evolução geológica da região sul”. (Andreia Fanzeres, O Eco, 02/01)