Clima ruim no ar
2006-01-05
O clima está esquentando – em vários sentidos. Desde inesperados fenômenos
naturais – surpreendentes pela intensidade ou pela rara incidência – até as
negociações diplomáticas dentro da recém-realizada Conferência da ONU sobre
Mudanças Climáticas, passando pelo fato de 2005 já ser considerado o ano mais
quente da história, tudo isso ajuda a jogar lenha em uma fogueira de
discussões sobre mudanças climáticas.
E não faltam elementos neste emaranhado. Em 2004, um fenômeno na costa do sul
do Brasil, inicialmente classificado como ciclone extratropical, ganhou ares
de furacão e o nome Catarina. É considerado o primeiro furacão de que se tem
registro no Atlântico Sul. Daí em diante, muitos foram os fenômenos e
tragédias que castigaram variadas partes do planeta, deixando no ar a
impressão de que aumentam em número e intensidade. Na lista, incluem-se as
tsunamis que afogaram a costa da Ásia em dezembro de 2004 (fato que
comprovadamente não está relacionado a mudanças no clima), a fúria destruidora
do furacão Katrina - que causou prejuízos à cidade norte-americana de Nova
Orleans, em agosto deste ano -, assim como Wilma e Rita - que levaram medo a
mexicanos, cubanos e habitantes do estado da Flórida em outubro -, sendo mais
dois dos furacões que ciclicamente atingem o Golfo do México. No Brasil, fato
que é tão catastrófico quanto furacões atingiu a região Amazônica: a seca fez
rios volumosos como o Tapajós quase minguarem.
Mas até que ponto estes fenômenos são conseqüência da ação humana? Esta é a
grande questão que se coloca. E provar que a ação antrópica é em grande parte
responsável pelo aumento no número de determinados fenômenos é o principal
desafio para cientistas e ambientalistas. "Não se sabe exatamente a relação
entre estes fatos e o efeito estufa. Há indícios. Este ano foi atípico. Não há
condições de estabelecer uma relação com tanta simplicidade", explica o físico
e especialista no assunto Luis Pinguelli Rosa, coordenador geral do Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas (Forumclima).
A opinião de Pinguelli - que também é um dos coordenadores da Coordenação dos
Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) - é a mesma da maioria dos cientistas que estudam o
assunto. "Alguns eventos extremos têm ocorrido com mais freqüência. Este
cenário é compatível com as projeções de um planeta mais aquecido. Essa idéia
é consistente, mas temos de admitir que isso pode ter acontecido no passado.
Precisamos de um período maior para ter certeza", acredita o doutor em
meteorologia Carlos Nobre. Ele coordena o Centro de Previsão de Tempo e
Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
órgão nacional responsável por estudar as variações e as tendências do clima.
“As inundações, a seca na Amazônia e no Rio Grande do Sul, os furacões no
Caribe etc. Não podemos dizer que tudo é culpa do aquecimento global, mas é
uma amostra do que nos espera daqui pra frente”, acredita Carlos Rittl,
coordenador da campanha de clima do Greenpeace. Pinguelli usa quase as mesmas
palavras para analisar a situação. “Não se pode descartar a influência do
efeito estufa. É um indício, uma amostra do que pode acontecer daqui para
frente. O termômetro da física atmosférica é o termômetro do caos determinista.
Não é fácil demonstrar que o aquecimento é a causa dos fenômenos. Existe a
possibilidade”, explica.
Giulio Volpi, do WWF, relembra que fenômenos antes inesperados em determinadas
regiões já começam a acontecer. “No Brasil, foi provado que o furacão em Santa
Catarina foi uma amostra do que pode acontecer com o aquecimento global. A
trajetória do furacão no Sul condiz com os modelos do Painel
Intergovernamental para Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC). Mas não
era esperado para agora”, comenta o coordenador do Programa de Mudanças
Climáticas para a América Latina da ONG.
Variabilidade natural e influência na intensidade
A noção geral é de que a ocorrência de maior número de eventos em um
determinado período pode ser fruto de uma variabilidade natural do clima,
oscilação normal que já ocorria desde muito antes de os satélites
meteorológicos começarem a ser usados (há cerca de quatro décadas). Ou seja,
mesmo sem o aquecimento global provocado pelo efeito estufa, os eventos
climáticos aconteceriam em mesmo número. O que, sim, pode sofrer influência da
ação humana, dizem os cientistas, é a intensidade dos fenômenos. Furacões
ganham mais força quando caminham sobre águas mais quentes. Desta forma, as
emissões de gases danosos à camada de ozônio (como metano, gás carbônico etc)
- causadas em grande parte pelo uso de combustíveis fosseis ou por queimadas -
geram o chamado efeito estufa, que ajuda a reter calor na atmosfera terrestre.
Isto, por sua vez, provoca temperaturas médias cada vez mais elevadas, que
causam o derretimento das calotas polares e, conseqüentemente, aumento do
nível do mar e das temperaturas dos oceanos.
Esta é a equação que faz os ambientalistas defenderem com tanta veemência o
controle de todas as atividades antrópicas que possam colocar mais lenha na
fogueira. “Com certeza, podemos afirmar que o aumento da freqüência e da
intensidade de fenômenos climáticos extremos está relacionado ao aquecimento
global. Por isso há todo um debate internacional sobre o Protocolo de Quioto e
a responsabilidade humana”, defende Rittl.
Independentemente da comprovação científica da responsabilidade das mudanças
climáticas nos fenômenos extremos experimentados recentemente, o que é certo -
tanto para ambientalistas quanto para cientistas - é que não se pode esperar
para começar a agir. “O planeta passa por ciclos diversos. Temos registros
apenas dos últimos 150 anos, o que é pouco em relação à idade do planeta. Mas
não há muito tempo até conseguirmos provar se temos responsabilidade ou não.
Não podemos esperar a prova científica de que as mudanças climáticas são
resultado de atividades humanas para agirmos”, sintetiza o ativista do
Greenpeace.
Além dos danos diretos causados por catástrofes em potencial, o desequilíbrio
nos ecossistemas causa alterações no regime de chuvas e, em conseqüência, na
agricultura e na segurança alimentar (fato gerador de pobreza); migração de
animais e até proliferação de doenças como esquistossomose e câncer de pele.
“Temos que agir segundo o princípio da precaução, independentemente do aspecto
comprobatório”, defende Rubens Born, diretor executivo do Instituto Vitae
Civilis e membro do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente. O princípio da precaução, consagrado em diversos tratados
internacionais, afirma que, quando não há certeza científica sobre a segurança
para o meio ambiente e para os seres humanos de um produto ou de uma atividade,
eles devem ser controlados ou mesmo proibidos. Assim, segundo Born, é
necessária uma ação imediata. “Os governos até têm noção de que algo precisa
ser feito, mas não levam em consideração o que chamo de senso de urgência.”
Nacionalmente, a pressão de organizações não-governamentais é para que haja
políticas públicas para controlar o desmatamento - o vilão, no caso brasileiro
- e as emissões de gases. Internacionalmente, o mundo conta com o já famoso
Protocolo de Quioto. Celebrado em 1997, na cidade japonesa que lhe empresta o
nome, o Protocolo (uma espécie de termo aditivo à Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas, datada de 1992) passou agora em dezembro por
seu primeiro teste desde que entrou em vigor, em fevereiro de 2005: foi
assunto principal da Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP
11/MOP 1), ocorrida em Montreal, Canadá.
Apesar de não contar com a ratificação dos EUA, principal emissor de gases que
causam o efeito estufa, houve no âmbito do Protocolo avanços, mesmo que
tímidos, nas discussões sobre os próximos compromissos a serem assumidos pelos
países, para o período após 2012. “A COP 11 significou um avanço, pois manteve
o Protocolo de Quioto como a plataforma-base sobre a qual os países vão
negociar suas responsabilidades e cotas futuras de reduções de emissões. Isso
é um avanço, na medida em que não se volta à estaca zero, como queriam os
Estados Unidos, que seria recomeçar as negociações nas bases da
Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima”, diz Rachel Biderman Furriela,
pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV e integrante da
Coordenação do Observatório do Clima - Rede Brasileira de ONGs e Movimentos
Sociais em Mudanças Climáticas.
No entanto, o ritmo de tais eventos internacionais é mais lento do que exige o
planeta. “A velocidade da diplomacia é incompatível com as mudanças no clima”,
resume Rubens Born. “Alguns impactos já são irreversíveis. Um exemplo é que,
mesmo que se parasse de emitir subitamente gases que causam o efeito estufa, o
planeta ainda continuaria se aquecendo, pois eles ficam presos”, diz o
dirigente do Vitae Civilis.
Enquanto a diplomacia procura formas de governos concordarem nas reduções e
enquanto catástrofes surpreendem e se sobrepõem umas às outras como “a mais
grave”, os números vão confirmando o que os cidadãos sentem na pele e
ecologistas gostariam de evitar: a temperatura do planeta não pára de subir.
Em outubro, cientistas americanos da Nasa afirmaram que 2005 pode acabar sendo
o ano mais quente desde que se começou a marcar a temperatura média anual do
planeta. O recorde anterior era do ano de 1998, quando o mundo sofreu os
efeitos do El Niño.
Em dezembro, o Departamento de Meteorologia Britânico afirmou à imprensa que o
ano de 2005 vem sendo o mais quente no hemisfério norte desde que os registros
começaram. Especificamente na Europa, 2005 também já é confirmado como o ano
mais quente de que se tem notícia. Antes, os três anos mais quentes já
registrados na história européia haviam sido justamente os três últimos - 2002,
2003 e 2004. Estima-se que, até 2020, o crescimento na temperatura média anual
no planeta será de 1,4 graus. O clima está, de fato, esquentando.
(Fonte: Revista do Terceiro Setor -
http://arruda.rits.org.br/notitia1/servlet/newstorm.notitia.apresentacao.ServletDeSecao)