Desmatamento avança na Bacia do Alto Paraguai
2006-01-05
Tendo em vista o aumento da degradação ambiental na planície pantaneira, a ONG
Conservação Internacional (CI-Brasil) fez recentemente um levantamento da
situação atual da vegetação natural da Bacia do Alto Rio Paraguai (BAP) e do
Pantanal brasileiro, integralmente inserido na Bacia. As análises realizadas
mostram um quadro preocupante: 45% da área total da Bacia e 17% da cobertura
vegetal original do Pantanal já foram destruídos, principalmente para a
abertura de áreas de pastagem e cultivo.
O relatório faz um alerta. Se mantido o ritmo atual de desmatamento ou troca
de pastagens nativas para a introdução de espécies exóticas – mais produtivas
ao gado –, dentro de aproximadamente 45 anos a vegetação original do Pantanal
terá desaparecido completamente.
Para chegar a essas conclusões, os cientistas da CI-Brasil analisaram imagens
de satélite e compararam a proporção da área que ainda tem vegetação nativa em
relação à área que já teve sua cobertura vegetal original suprimida.
Constataram que a agropecuária e as carvoarias são os principais fatores de
risco à conservação da BAP, de significativa importância para a drenagem
hidrográfica central do continente sul-americano.
A Bacia do Alto Rio Paraguai possui aproximadamente 600.000 Km², que se estendem pela América do Sul,
dos quais 363.442 Km² estão em território brasileiro. As nascentes dos rios da
BAP ocupam uma área de 215.813 Km² localizadas nos planaltos do seu entorno e
representam 59% da área da Bacia. A destruição do Pantanal parece não levar em
consideração o fato de o Pantanal, que ocupa 41% da área da Bacia, ser
considerado a maior área úmida do mundo, declarada Patrimônio Nacional pela
Constituição Brasileira de 1988, com sítios de relevante importância
internacional pela Convenção de Áreas Úmidas RAMSAR e áreas de Reserva da
Biosfera estabelecidas pela UNESCO em 2000.
A estatística da destruição
Os números constam do relatório "Estimativa de perda da área natural da Bacia
do Alto Paraguai e Pantanal Brasileiro", produzido pelo programa Pantanal da
CI-Brasil. A situação da área analisada é bastante crítica, pois até 2004
cerca de 44% dessa área teve sua vegetação original completamente
descaracterizada. Dos 87 municípios incluídos na BAP (34 no MS e 53 no MT), 59
apresentaram mais da metade de seus respectivos territórios com a cobertura
vegetal alterada, em contraste com 28 municípios que (ainda) apresentam entre
12% e 49% de suas áreas suprimidas. O problema se intensifica em 22 municípios
que desmataram mais de 80% de suas áreas, dos quais 19 tiveram áreas
suprimidas de vegetação original superiores a 90% de seus territórios.
"É extremamente importante conservar as áreas de entorno da planície
pantaneira, pois ali estão as nascentes dos rios que constituem o Pantanal.
Essas localidades contribuem para o povoamento silvestre e constituem refúgios
para a fauna nos períodos desfavoráveis, abrigando espécies que se deslocam
para evitar as enchentes e os extremos climáticos", explica Sandro Menezes,
gerente do Programa Pantanal da CI-Brasil.
Até 2004, a destruição da vegetação nativa no Pantanal representava cerca de
17% de sua área original, totalizando aproximadamente 25.750 km². O estado de
Mato Grosso do Sul é responsável por 11% desse índice, enquanto no Mato Grosso,
a taxa foi de 6%. Houve, na realidade, um aumento significativo. O desmate
entre 1990-2000 na planície pantaneira aumentou em uma taxa de 0,46% por ano.
O número subiu para 2,3%, considerando o período 2000-2004.
O estudo fez ainda um levantamento das licenças de desmatamento emitidas pela
Secretaria Estadual do Meio Ambiente do estado de MS, entre janeiro de 2002 e
setembro de 2004. Ao todo, foram expedidas 1.218 licenças, totalizando uma
área de 250.700 hectares. Os municípios com as maiores áreas licenciadas foram
Corumbá, Porto Murtinho e Aquidauana, localizados integralmente na planície
pantaneira. Também é preocupante o fato de municípios com altos percentuais
desmatados, como é o caso de Camapuã, figurarem entre aqueles que tiveram as
maiores áreas licenciadas para supressão da vegetação. O cruzamento desses
dados com informações do IBGE indicam que o alto índice de devastação não se
reflete no aumento do IDH – índice de desenvolvimento humano – e tampouco no
incremento das atividades ditas produtivas.
Proteção, impacto e ameaças
Apenas 2,9 % da Bacia e 4,5% da área da planície pantaneira estão protegidos
por algum tipo de Unidade de Conservação de Proteção Integral (UCPI) e
Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Em toda a área da BAP
apenas 10.596 Km² encontram-se protegidos em 19 UCPI e em 34 reservas. Na área
de planície que abrange os dois Estados, são somente cinco UCPI públicas e 16
RPPN, totalizando 6.757,99 km². No Mato Grosso do Sul, existe apenas uma
unidade de conservação pública na planície pantaneira que é o Parque Estadual
do Pantanal do Rio Negro, ainda a ser implementada e que protegerá 0,5% do
Pantanal sul-mato-grossense.
O impacto imediato dessa situação é a degradação do solo, o comprometimento
dos processos hidrológicos que determinam os ciclos de cheia e seca, em grande
parte responsáveis por toda a riqueza biológica da região e a perda de
biodiversidade, pois recursos como abrigo, alimento e locais de reprodução
oferecidos pelas florestas e demais tipos de vegetação às espécies animais não
estarão mais disponíveis. Um exemplo é a arara-azul, espécie ameaçada de
extinção, que depende da árvore chamada popularmente de manduvi ( Sterculia
apetala - Sterculiaceae), para abrigo e reprodução. Apesar de todos os
esforços de conservação empreendidos na região do Pantanal, sem a
disponibilidade dessa árvore a arara-azul está fadada a desaparecer da
natureza.
A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (SEMA/MS) e o próprio
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) admitem limitações de estrutura
e funcionários para fiscalizar as ações. E se por um lado o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) trabalha para que o percentual de áreas protegidas no Pantanal
e Cerrado aumente, o Ministério da Agricultura trabalha com uma perspectiva de
utilização de aproximadamente 100 milhões de hectares adicionais para a
expansão da agricultura, o que certamente vai acelerar o processo de
desmatamento na BAP e no Pantanal.
O relatório recomenda algumas ações para reverter a situação atual, como o
alinhamento da atuação das diferentes esferas do poder público (municipal,
estadual e federal); revisão da legislação vigente referente às áreas de
proteção permanente e reservas legais para a região da BAP; integração nas
políticas de conservação e uso dos recursos naturais entre os estados de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul; maior esforço do poder público no sentido de
avaliar profundamente o licenciamento e a fiscalização de novos
empreendimentos que provoquem impactos sobre a região da BAP e a implementação
de um amplo programa de restauração ambiental nas áreas já degradadas e que
estejam em discordância com a legislação vigente, atribuindo aos responsáveis
pela degradação o ônus de custear este processo.
(Informações da Conservação Internacional
Brasil -
http://www.conservation.org.br/noticias/noticia.php?id=136, 03/01)