(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
2006-01-05
Por Brian Fagan * Em nossa mocidade, muitos de nós aprendemos sobre glaciações da Era do Gelo, interglaciais e aquecimento global dramático 18 mil anos atrás. Mas muitas pessoas nunca deram muita atenção ao impacto das mudanças climáticas em sociedades antigas até 2005, quando o tsunami no sul da Ásia e o terremoto no Paquistão mataram milhares e o furacão Katrina arrasou New Orleans. Chegou a hora de pensar seriamente nisso. O grande historiador francês Le Roy Ladurie, famoso por seus estudos sobre colheitas de uvas européias e mudanças climáticas, observou certa vez que há dois tipos de historiador: o pára-quedista e o caçador de trufas. O pára-quedista observa o passado de longe, flutuando lentamente para a terra, enquanto o caçador de trufa, fascinado pelos tesouros do solo, conserva o nariz rente ao chão. Eu aprendi desde cedo que se precisa das qualidades de um pára-quedista para escrever sobre as mudanças climáticas antigas e seu impacto na humanidade, pois é muito fácil se envolver no trivial das mudanças climáticas de curta duração. Aprendi também que há basicamente três tipos de mudança climática que afetam a humanidade de maneiras diferentes.

O mundo enfrentou pelo menos nove episódios glaciais desde 780 mil anos atrás, quando apenas alguns milhares de humanos erravam pelo Velho Mundo. Essas mudanças milenares estão fora do alcance da memória das gerações. Assim, são meramente pano de fundo de longo prazo para a história humana. Depois, há eventos que duram séculos - os dez séculos do episódio de frio intenso conhecido como Younger Dryas, que mergulhou a Europa em condições quase glaciais em cerca de 11 mil a.C.; os grandes ciclos de seca na Mesopotâmia, que duraram quatro séculos ou mais por volta de 2.800 a.C.; os seis ou mais séculos da Pequena Era do Gelo, que começou em torno de 1.300 d.C. Finalmente, há os eventos de curta duração, como os principais episódios do El Niño que provocaram falhas em monções no fim do século 19, matando, só na Índia, milhões de pessoas; ou os ciclos de seca do século 12, que levaram os índios Pueblos a abandonar as cidades no Chaco Canyon, no Novo México, na América do Norte; ou ainda os que contribuíram para a derrocada da antiga civilização maia em Petén, na Guatemala, no século 10. Tais eventos fazem parte da memória humana e passaram de geração a geração mesmo quando as expectativas de vida eram bem menores que hoje.

Até recentemente, a revolução na paleoclimatologia foi, em grande medida, ignorada por arqueólogos e historiadores. Ambos têm uma desconfiança profunda de um fenômeno dos anos 1920 conhecido como determinismo ambiental, segundo o qual muitos eventos importantes da história humana foram causados por secas e outros fenômenos climáticos. Quando comecei a escrever um livro chamado The Little Ice Age (A Pequena Era do Gelo) em 1999, fiquei pasmo ao ler a observação de um historiador bastante conhecido de que a mudança climática era apenas "uma maldita coisa depois de outra". Outro me assegurou que nada havia sido escrito sobre os efeitos do clima na história européia desde 1980! Na verdade, muito me surpreendeu o tanto de informações climáticas disponíveis, boa parte delas de alguns poucos estudiosos. Le Roy Ladurie fundou todo um campo de pesquisa histórica com as datas de queda de colheitas vinícolas e as mudanças climáticas que as afetaram. Hubert H. Lamb usou uma gama espantosa de fontes históricas e registros meteorológicos para reconstruir, por exemplo, o clima encontrado pela Armada espanhola.

Tudo isso foi antes dos tempos dos estudos de camadas de gelo e de anéis de troncos de árvores, registros proxy ("substitutos", quando não se pode medir diretamente os eventos) que estão alterando nossa percepção de como a mudança climática de curto prazo afetou sociedades humanas de todos os tipos. Por exemplo, o evento Younger Dryas, que durou mil anos a partir de 11 mil a.C., extinguiu a Corrente do Golfo, provocou condições glaciais na Europa e uma seca intensa no sudoeste da Ásia. Na primitiva aldeia agrícola de Abu Hureyra, no Vale do Eufrates, na Síria, o botânico Gordon Hillman rastreou por amostras de sementes as mudanças de vegetação que resultaram da seca. As florestas de carvalho e pistache, com suas safras de nozes de outono, se afastaram da aldeia. As pessoas recorreram então a gramíneas de cereais selvagens, depois a vegetais que só são consumidos em épocas de grande fome e, por fim, ao próprio cultivo de cereais.

Quando a seca terminou, elas e seus vizinhos eram agricultores em tempo integral - e o mundo nunca mais foi o mesmo.

As civilizações primitivas do Egito e da Mesopotâmia oferecem exemplos instrutivos de como secas e El Niños podem afetar o curso da história. As primeiras cidades do mundo se formaram ao longo dos Rios Tigre e Eufrates em parte por causa das mudanças no padrão das monções do Oceano Índico, que fizeram com que os agricultores se congregassem ao lado de importantes cursos de água, em povoações cada vez maiores. A cidade nasceu, para logo decair quando as secas se intensificaram, depois de 2.800 a.C. Em 2.180 a.C., uma seca nos Altiplanos etíopes acarretou a ausência de cheias ao longo do Nilo. O Antigo Reino do Egito se desmembrou numa série de províncias belicosas porque os faraós não tinham grãos para alimentar seu povo. Mais de um século transcorreu até que os ambiciosos senhores da guerra da região de Luxor reunificassem o Estado.

Os governantes egípcios posteriores jamais se esqueceram da lição, nunca mais proclamaram sua infalibilidade e investiram pesadamente em armazenamento e agricultura irrigada. O Estado egípcio sobreviveu por mais 2 mil anos.

Estamos aprendendo muito sobre mudanças climáticas e seus efeitos, mas fomos muito além das explicações simples de causa e efeito do passado. Hoje, acredito que podemos visualizar as mudanças climáticas no passado como as ondulações causadas quando se joga uma pedrinha num lago. As ondulações irradiam para fora enquanto a pedra afunda, causando perturbações perto e longe. Tais foram os efeitos da seca ao longo do Eufrates ou nas planícies maias. Não foi o clima que "fez" regredir ou prosperar civilizações. Agora sabemos que os caprichos do El Niño e outros fenômenos climáticos de curta duração foram fatores históricos mais poderosos do que se imaginava.

Investigar o alcance pleno dessas mudanças, sejam elas as que afetaram a agricultura primitiva na Europa, a agricultura romana ou as viagens dos nórdicos para a Groenlândia, é um dos desafios fascinantes do futuro. Desconfio que muitos de nossos estimados pontos de vista do passado mudarão quando percebermos o alcance pleno das ondulações causadas por metafóricas pedrinhas climáticas. O tsunami, o terremoto e o Katrina são lembretes trágicos de que precisamos levar muito a sério as mudanças climáticas e o aquecimento global.
* Brian Fagan é professor emérito de Antropologia na Universidade da Califórnia. Artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo, 01/01/2006.

desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -