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2006-01-04
Pesquisas realizadas em 2005, o ano mais quente de que se tem registro, confirmam os piores temores da maioria dos cientistas, que pedem urgência na tomada de decisões internacionais rápidas e inovadoras em matéria de mudança climática.

Mas nem a necessidade de ações urgentes foi evidente quando, no último mês do ano, na cidade canadense de Montreal, representantes de 189 nações passaram duas semanas discutindo sobre o assunto. Foi na Décima-Primeira Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, aprovada em 1992, a primeira Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 e em vigor desde fevereiro passado.

Embora as deliberações, concluídas no dia 9 de dezembro, tenham sido amplamente aplaudidas como um êxito, tiveram poucos resultados além de apoio ao Protocolo de Kyoto e um acordo para realizar novas convenções. “Como de costume, dominou o interesse próprio dos países, mas pelo menos o processo não descarrilou”, disse Dale Marshall, especialista da não-governamental Fundação David Suzuki, organização ambientalista canadense que participou das conferências. O Protocolo de Kyoto obriga as nações industrializadas a reduzirem suas emissões de gases causadores do efeito estufa – aos quais a maioria dos cientistas atribui o aquecimento do planeta – em 5%, entre 2008 e 2012, com relação às emissões de 1990.

Especialistas manifestaram otimismo pela convocação para que todas as nações, incluindo os Estados Unidos (que retiraram sua assinatura do Protocolo de Kyoto no início do governo Bush, em 2001) participem de novas conversações, disse Marshall. “Mas esse é um passo muito pequeno para as grandes reduções de emissões de gases que provocam o efeito estufa”, acrescentou. Pesquisas divulgadas em dezembro demonstram que o impacto da mudança climática é mais rápido do que se previa. Isto sugere que os piores cenários de desastre podem ser os mais prováveis, a menos que haja uma ação mundial ajustada de redução das emissões.

Fotos feitas este ano por satélites revelam que o gelo do mar Ártico diminuiu 20% em relação a 1978, afirmou o Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (NSIDC), com sede em Boulder, da Universidade do Colorado (EUA). A perda de gelo não é muito surpreendente, devido ao aumento de quatro graus, em média, na temperatura de inverno do Ártico. Mas a magnitude e a velocidade dos derretimentos carecem de precedentes. Estas notícias não são apenas ruins para os ursos polares e para os povos nativos do Norte. “O Ártico é um importante condutor do ciclo climático da Terra. O derretimento que vemos será muito profundo em termos de mudança climática global”, disse o cientista Ted Scambos, do NSIDC.

É impossível prever essas mudanças com precisão, mas Scambos acredita que o gelo do mar continuará derretendo. A perda desse gelo parece ter desatado um importante processo de retroalimentação: a falta de gelo e neve que refletem a energia solar voltam à região ainda mais quente. “Pensamos que a retroalimentação começa a arraigar-se e que vamos ver uma redução acelerada do gelo marinho”, disse Scambos em um comunicado. O aumento da temperatura também conspira contra os três metros superiores de “permafrost” (gelo permanente” debaixo dos solos altamente orgânicos da Sibéria ocidental, assim surgem lagos gigantes e aumenta o caudal dos rios.

Os gelos permanentes também derretem no Estado norte-americano do Alasca e no norte do Canadá. Um novo estudo prevê que aproximadamente a metade do hemisfério norte pode desaparecer até 2050. O derretimento de milhões de quilômetros quadrados de gelos permanentes vai liberar milhares de milhões de toneladas de metano, informou o Centro Nacional para a Pesquisa Atmosférica (NCAR), financiado pelo governo dos Estados Unidos. O metano é um gás causador do efeito estufa 20 vezes mais potente do que o dióxido de carbono e irá acelerar drasticamente o aquecimento do planeta. Um considerável derretimento do permafrost terá grande impacto sobre o clima, afirmam cientistas do NCAR.

Por outro lado, as primeiras medições diretas das camadas de gelo da Groelândia feitas em dezembro revelaram perda de 162 quilômetros cúbicos de gelo ao ano, entre 2002 e 2005. Este derretimento supera todas as estimativas anteriores e tem como conseqüência a elevação do nível do mar, segundo cientistas da Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço (Nasa). Só a Groelândia tem gelo suficiente para aumentar em três metros o nível mundial dos oceanos. No começo de 2005, cientistas europeus informaram que, segundo análises dos centros gelados da Antártida, a quantidade atual de dióxido de carbono na atmosfera é 27% maior do que qualquer máxima registrada anteriormente, considerando os últimos 650 mil anos.

Em uma reviravolta bizarra, a contaminação do ar até agora amortizou o impacto total desse dióxido de carbono adicional, informou a equipe de cientistas na edição de 22 de dezembro da revista Nature. Assim, diminutas partículas de carbono procedentes da queima de combustíveis fósseis, e que costumam causar doenças pulmonares, espelham luz solar nos níveis superiores da atmosfera e impedem que todo o calor do sol chegue à superfície da Terra. O efeito total destas partículas ou aerossóis nunca havia sido antes calculado. As novas pesquisas estimam que o agora chamado “efeito refrescante” compensa cerca de 30% do aquecimento produzido pelas emissões de gases causadores do efeito estufa. Em outras palavras, sem a presença de ar contaminado circundando a Terra, as temperaturas globais já deveriam ser 30% mais quentes. Entretanto, esta proteção para a contaminação está enfraquecendo.

Os controles de emissão de gases contaminantes em razão de suas consideráveis conseqüências na saúde humana limparam o ar. Isso foi bom para os pulmões, mas ruim para o clima global. Reduzir as emissões é a única maneira de evitar os piores cenários previstos para a mudança climática, segundo os especialistas. “O Protocolo de Kyoto não será suficiente. É preciso reduzir entre 80% e 90% as emissões, mais do que 5% ou 10%, para ter um efeito sobre os modelos. Em termos de resposta, Kyoto é apenas um ponto de partida”, disse em novembro, no Parlamento Europeu, Guy Brasseur, diretor do Instituto de Meteorologia Max Planck, com sede em Hamburgo. “Liderança política é tudo o que falta para reduzir as emissões entre 30% e 40%”, afirmou Marshall.

O público demonstra mais preocupação com esse problema do que com as questões políticas. Mas uma maioria tende a crer que, se a mudança climática é realmente séria, seus governos irão agir, afirmou o especialista. A Fundação Suzuki e outras organizações ambientalistas encomendaram um estudo detalhado de como o Canadá poderia conseguir, até 2020, reduzir em 25% as emissões de gases causadores do efeito estufa, em relação a 1990, e 80% até 2050. Outros diversos estudos também revelaram que as tecnologias existentes combinadas com políticas governamentais adequadas poderiam reduzir as emissões entre 20% e 40%, de um modo relativamente rápido e a baixo custo.

Apesar desses estudos, o público terá de pressionar os políticos para que empreendam ações, disse Elliot Diringer, do não-governamental Centro Pew sobre Mudança Climática global, dos Estados Unidos. “Os europeus querem conversar sobre como reduzir em 60% as emissões mundiais, mas Washington está muito longe de pensar nisso”, disse Diringer. “Reverter este quadro causará uma tempestade perfeita de alinhamento político e pressão pública”, acrescentou. E essa tempestade perfeita pode ocorrer nos próximos dois anos, enquanto milhares de cientistas finalizam estudos que alimentarão o próximo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).

O informe de 2007 do IPCC será a avaliação autorizada e completa da mudança climática e de seu impacto. E ninguém acredita que haverá boas notícias. “Será muito mais difícil para os políticos não adotar ações concretas quando estas forem divulgadas”, disse Marshall. Tal como foi acertado em Montreal, os negociadores se reunirão em março para começar a negociar a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa após expirar o Protocolo de Kyoto, em 2012. Marshall pensa que um novo acordo com reduções de 20% ou mais podem ser completados de modo relativamente rápido se houver suficiente pressão pública. “Mas há um milhão de maneiras em que isto poderia sair do curso nos próximos anos”, alertou. (IPS/Envolverde/www.envolverde.com.br, 02/01)

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