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2006-01-03
A “ponte” formada pela fileira de pneus descartados no Reino Unido durante um único ano seria suficiente para ligar Londres a Sydney, na Austrália. O dado da agência ambiental do governo britânico dá concretude ao tamanho do imbróglio relacionado à importação de pneus usados, importante item na agenda ambiental brasileira para o alvorecer de 2006.

Em 14 de dezembro de 2005, o Palácio do Planalto enviou mensagem ao Congresso Nacional pedindo a retirada do projeto de lei 6136/2005, de autoria do próprio Poder Executivo, que determinava a proibição de importação de pneus usados, incluídos os reformados e inservíveis, e a instituição do Sistema de Gestão Ambientalmente Sustentável de Pneus (SGASP).

Logo que chegou ao Parlamento em outubro de 2005, a proposta recebeu o carimbo do regime de urgência e foi apensada a um conjunto de mais de cem projetos da área de resíduos sólidos. “Houve um equívoco no encaminhamento da matéria. Todo projeto do Executivo começa a sua tramitação pela Câmara. [A proposição] Não poderia ter sido apensada a um conjunto que já havia sido aprovado no Senado”, opina o deputado Luciano Zica (PT-SP), defensor do conteúdo da peça temporariamente descartada. “Mas diante do apensamento, a retirada foi necessária”.

Uma das saídas apontadas por Zica seria a edição de uma medida provisória (MP), a despeito do desgaste intrínseco que iniciativas de tal natureza geram para o governo. A urgência poderia ser justificada pela existência de contencioso envolvendo a União Européia (UE) e o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Na minha opinião, há condições políticas, sim, de aprovar uma MP com base nesses termos”, projeta o petista, apostando na consciência dos pares.

De acordo com Victor Zveibil, secretário de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a decisão de retirar o projeto dos pneus foi tomada para também evitar futuras complicações no que se refere à proposta mais geral sobre políticas de resíduos sólidos, que está sendo finalizada na Casa Civil. Existe até uma comissão especial já instalada no Congresso desde agosto passado para analisar a questão e inclusive já foi até negociado um planejamento de audiências públicas com o relator designado, deputado Ivo José (PT-MG).

Também tramita no Senado outro projeto do senador Flávio Arns (PT-PR), que vai de encontro à proibição e atende aos interesses da indústria abastecida pelos pneus usados que vêm do exterior. Entretanto, o tema ficou de fora da pauta da convocação extraordinária. “Temos que aproveitar esse tempo. A sociedade brasileira precisa se mobilizar porque é grande o poderio econômico daqueles que apóiam a liberação”, convoca Zveibil. “A possibilidade de edição de uma medida provisória existe. Não é a saída mais adequada, mas pode acabar sendo utilizada. Seria muito melhor que houvesse um debate mais amplo e aprofundado sobre a questão”. Ainda em janeiro, o governo deve redefinir a estratégia para tratar esse tema. No mesmo mês, a política nacional de saneamento básico, que tem ligação com a política de resíduos sólidos, estará sendo discutida no Congresso.

venção da Basiléia
A proibição da entrada de pneus usados no Brasil vem sendo sustentada por portarias e decretos, mas não possui status de lei. Tal brecha permite que autorizações sejam concedidas aos importadores por meio de liminares da Justiça.

No plano internacional, o governo brasileiro preferiu não lançar mão, em 2002, de fundamentações de caráter ambiental previstos pela Convenção da Basiléia para o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição, assinada em 1988, e acabou sendo derrotado no Tribunal Arbitral do Mercosul pelo Uruguai, que concentrou seu pedido de abertura do mercado em argumentações econômicas. A Argentina se valeu de explicações do lado da saúde e do meio ambiente na mesma corte e não foi obrigada a autorizar a entrada de pneus usados de outros países.

Os participantes da II Conferência Nacional de Meio Ambiente (CNMA), ocorrida em Brasília no mês passado, reiteraram posição contrária à importação de pneus usados. “Se o mundo está colocando em xeque o atual modelo de desenvolvimento, por que precisamos nadar contra a corrente e aceitar a entrada de lixo dos países desenvolvidos?”, questiona o secretário de Qualidade Ambiental do MMA. “Por que a União Européia não pode reutilizar ela própria os pneus que produz? Porque é lixo”. A partir de julho de 2006, esse material não poderá mais ser depositado em aterros sanitários dos países que fazem parte da União Européia.

Os pneus são de difícil decomposição na natureza. Podem provocar sérios danos ao homem e ao meio ambiente. Queimados, liberam substâncias tóxicas e cancerígenas, que contribuem inclusive para a destruição da camada de ozônio e para o conseqüente agravamento do efeito estufa. Jogados em cursos d´água, obstruem canais e impedem fluxos, o que pode facilitar alagamentos. Abandonados ao ar livre, constituem grave ameaça à saúde pública devido à sua relação direta com a propagação de doenças (como dengue e febre amarela), em especial no meio tropical. Por fim, a viabilização da técnica de picotagem de pneus para a produção de asfalto está longe de ser uma realidade, principalmente por causa da frágil política de coleta das carcaças.

Cerca de um bilhão de pneus chega ao fim da vida útil a cada ano no mundo. Desse montante, estima-se que Estados Unidos (270 milhões) e a Europa (250 milhões) sejam responsáveis por mais da metade do montante descartado. Mais de 100 mil toneladas de pneus usados – incluindo recapados, recauchutados, remoldados e inservíveis -foram importadas pelo Brasil de 1989 até 2004. Estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da Universidade de São Paulo (USP) aponta que mais de 10 dos 22 milhões de pneus anualmente trocados no Brasil poderiam ser, de alguma forma, reutilizados.(Agência Carta Maior, 02/01)

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