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2006-01-03
Alguns ecossistemas funcionam em equilíbrio tão delicado que pequenas intervenções humanas podem causar grande estrago ambiental. O Pantanal é bom exemplo disso. A simples construção de diques improvisados por ribeirinhos e fazendeiros no sul do Mato Grosso está ameaçando a reprodução de peixes em um dos mais importantes “berçários” pantaneiros: a baía de Chacororé, a 128 quilômetros da capital Cuiabá (MT).

São dezenas de barreiras erguidas à margem do rio Cuiabá ou à boca dos principais corixos, canais naturais que ligam o rio à baía. Os corixos têm a importante função de regular os períodos de cheia e de seca da planície pantaneira. A inundação natural também é contida por uma estrada construída pela prefeitura de Barão de Melgaço. Em lugar de pontes ou manilhas, optou-se por aterrar os corixos.

"Impedir inundações é matar o Pantanal. Todo o bioma está vinculado a este ciclo”, resume o professor Rubem Mauro Palma de Moura, que leciona Engenharia Sanitária e Ambiental na UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso. Ele é o autor de uma pesquisa inédita sobre as obstruções aos corixos na região e suas conseqüências.

Moura valeu-se de mapas georreferenciados para identificar os pontos obstruídos que impedem a inundação ao longo de 21 quilômetros entre o rio Cuiabá e a baía de Chacororé. Dos 20 pontos selecionados para a pesquisa, apenas um não havia sofrido interferência de diques ou aterros. “Alguns diques têm mais de 80 centímetros acima da margem natural do rio. Isso é suficiente para impedir toda a inundação em um período normal de cheia”, diz o pesquisador.

Oitenta centímetros parece pouco, mas ele não está exagerando. Localizadas em área de planície, as águas do Pantanal se valem de uma declividade mínima para escoar. Naquela região do Alto Pantanal, o desnível é de apenas 2,58 centímetros por quilômetro. Por isso o fluxo das águas é lento e cada mínimo obstáculo resulta em atraso ou interrupção total no processo natural de cheias.

Reprodução em risco - As obstruções não impedem apenas a passagem da água. A reprodução dos peixes também fica prejudicada. “É pelos corixos que as ovas fecundadas dos peixes entram para se abrigar na baía. Pelo que pudemos constatar, sete dos oito principais corixos estão obstruídos por algum tipo de intervenção humana”, conta Rubem Moura.

Os diques surgem por razões diversas. Há o caso dos ribeirinhos (a maioria, ironicamente, pescadores) que buscam evitar prejuízos com alagamentos. “Os pantaneiros tradicionais sempre procuraram os locais mais altos para fazer suas casas. Com o tempo e o aumento da população à beira do rio, sobraram apenas os lotes em locais mais baixos. Daí a necessidade de erguer barreiras de proteção”, explica o professor.

Outros que se valem dessa estratégia são os fazendeiros. Em defesa de seus pastos, poucos hesitam antes de mandar entupir os corixos que atravessam as propriedades. Junte-se a isso a construção da estrada municipal do “Estirão Comprido”, que impôs um corte grosseiro ao principal fluxo de alagamentos, e a receita do desastre se completa.

A população de peixes vem caindo rapidamente. Em abril de 2000, pesquisadores do Nupelia/UEM - Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura da Universidade Estadual de Maringá (PR), registraram quase 130 espécies diferentes de peixes na baía de Chacororé. As medições são anuais, e indicam queda gradativa da diversidade, culminando em abril de 2004, quando foram encontradas apenas 65 espécies, metade do que havia quatro anos antes.

“Não é difícil imaginar por que os estoques pesqueiros vêm caindo ano após ano em Chacororé”, argumenta Moura, que em seu estudo defende a imediata desobstrução dos corixos identificados. “A cada novo ciclo reprodutivo nestas condições, a vida na baía só irá definhar”.

Trata-se de um alerta para o que pode acontecer com todo o Pantanal. Afinal, por sua lâmina d’água extensa e de baixa profundidade, vegetação típica e abundância de alimentos, a baía de Chacororé é tida como uma amostra, em menor escala, daquela que é a maior área alagada do mundo.

Chacororé espalha-se, na seca, por 11 mil hectares. Na cheia, junta-se à baía vizinha Siá Mariana, e alcança 45 mil hectares, superando em tamanho a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. (O Eco, 02/01)

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