Projeto em Nova Iguaçu recupera área de antigo lixão
2006-01-02
Nova Iguaçu (RJ) - Neste município localizado na Baixada Fluminense, já está em atividade o NovaGerar, primeiro projeto aprovado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no mundo. O município, de um milhão de habitantes e com altos índices de pobreza, hospeda o projeto do Aterro Sanitário de Adrianópolis, numa parceria pública-privada entre a Prefeitura de Nova Iguaçu e a empresa S.A. Paulista. Além de evitar o lançamento na atmosfera do gás metano, utilizando-o na produção de energia, é feito o tratamento do chorume do aterro, resíduo líquido da decomposição da matéria orgânica. A água, limpa, é devolvida ao ambiente.
Fez parte do empreendimento, que começou em 2003, recuperar a área do antigo lixão do município, onde estavam em atividade 89 catadores. Marlene Barbosa, hoje com 52 anos, colheu garrafas PET e materiais de alumínio durante os 17 anos de existência do lixão de Marambaia. "Sempre mexi com lixo, desde que meu marido parou de trabalhar no cais. Eu ficava lá das cinco às cinco", lembra, já sem saudades. Atualmente, ela está empregada no viveiro de mudas do NovaGerar e garante que, apesar de ganhar menos, tem carteira assinada e lucrou em qualidade de vida. "Aqui aprendi muito, faço mudas para o reflorestamento, conheço um monte de plantas e sei preparar as sementes", diz, mostrando com um sorriso o resultado de suas obras.
Como Marlene, outros 25 ex-catadores que não tinham outra ocupação foram realocados no novo projeto: a maioria está no viveiro de mudas, dez se tornaram catadores e varredores da rede municipal e outros são hoje operadores das máquinas do Aterro de Adrianópolis. É o caso de Leandro da Silva, de 23 anos, que se manteve dois anos e meio em Marambaia como catador de papelão, ganhando em média R$ 200 por semana. "Tinha dia que eu ia embora depois de duas horas mas, quando eu precisava de dinheiro, ficava até escurecer, pisando em cacos". Ele conta que trabalhava descalço e sem luvas, mas que "graças a Deus, nada nunca aconteceu".
Os projetos de MDL devem abranger as áreas ambiental e social, na linha do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, houve estudo e mapeamento das necessidades da população das 13 comunidades em torno de Adrianópolis, periferia de Nova Iguaçu. Foram então criados cursos de alfabetização de adultos, confecção mobiliar usando garrafas PET e aproveitamento de embalagens. Uma parceria entre a Prefeitura o Sesc deu origem a um programa de educação ambiental para as escolas.
Futuro sustentável - O projeto de Nova Iguaçu prova que a discussão sobre questões ambientais esbarra cada vez mais na pauta social. Há pessoas que consomem energia em excesso e outras que quase não consomem. Para verificar isso na prática, basta lembrar quem foram os maiores prejudicados com a crise do "apagão", há alguns anos. Marcelo Rocha, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP, expõe que é preciso incluir uma boa parcela da população que ainda não tem consumo mínimo. "O problema é mexer com gente que têm padrão elevado e não quer abrir mão dele". O professor Luiz Pinguelli Rosa, da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), faz um alerta: "Ou o mundo resolve as questões ambientais e sociais ou caminhamos para uma via difícil e deixamos péssimas condições para as gerações futuras." Na mesma linha, eficiência energética é outro ponto colocado por muitos especialistas na questão, afinal, gastamos muita energia para consumir pouco.
Ainda que lentamente, já começa a se traçar uma mudança de comportamento em direção à consciência ambiental. Rocha, do Cepea, defende um a combinação de forças para continuar avançando: um controle forte por parte do governo, acompanhado de caminhos traçados pelo mercado. "As próprias empresas estão percebendo que ter preocupação ambiental é um bom negócio. Por outro lado, o MDL abre uma porta para começarmos a nos questionar: será que preciso comprar um novo celular? Outro carro?". A engenheira Adriana Felipetto, da CTR Nova Iguaçu – empresa da S.A. Paulista para o NovaGerar – lembra que não se pode ignorar a grande contribuição de ações locais como a desse projeto. "Mudar a cabeça das pessoas demora muito tempo. Transformar um lixão em um aterro demora só um ano e muda a vida de muita gente", frisa.
A última Convenção Mundial de Mudança do Clima/Convenção entre as partes do Protocolo de Quioto (COP11/MOP1), que aconteceu de 28 de novembro a 9 de dezembro em Montreal, Canadá, iniciou o processo para a continuação do acordo após 2012. Segundo Marina Grossi, economista do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), conseguir que o Protocolo continuasse valendo depois dessa data foi uma grande vitória. Assim, será ainda mais difícil que os países, ainda que estejam de acordo sobre a importância de seguir sob o acordo, decidam por um aumento das metas ou medidas mais drásticas na contenção do aquecimento global. Paralelamente, o Brasil, junto com a Papua Nova Guiné e a Costa Rica, propôs, pela Convenção – fora, portanto, do âmbito das tarefas fixadas por Quioto – a existência de incentivos para países subdesenvolvidos conservarem suas florestas.
Segundo o discurso da própria ministra Marina Silva na COP11/MOP1, além de promover significativa redução das emissões globais de gases de efeito estufa com a contenção do desmatamento, essa alternativa assegura propostas de desenvolvimento que valorizem a floresta em pé, maximizando os benefícios da exploração sustentável dessas áreas e promovendo a correta distribuição dos benefícios econômicos. (Agência Carta Maior, 30/12)