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2005-12-30
O Brasil acaba de ganhar o diploma de que está fazendo o possível para riscar do mapa o Pantanal até 2050. O esforço começa na Bacia do Alto Paraguai, de onde vêm as águas que montam, em ciclos mais ou menos regulares de cheias e vazantes, um dos maiores espetáculos de vida selvagem ainda em cartaz no planeta. Rio acima, nada menos de 59 municípios já acabaram com a vegetação nativa em mais da metade de seus territórios.

Mas essa é só a média regional. E a média, como simplificação estatística, não conta tudo o que acontece na realidade. Não diz, por exemplo, que ela constam 22 municípios que ultrapassaram os 80% de desmatamento. E 19 que estão além dos 90%, a percentagem simbólica que marca a fronteira da extinção, pura e simples, de uma paisagem nativa. Isso no planalto matogrossense. Na planície, onde fica o Pantanal propriamente dito, restam 83% da vegetação original. É bastante? Não, porque os índices de devastação estão subindo nesta década como uma nova modalidade de inundação.

Do patamar de 1,5% ao ano em que se empoleiravam até 1993, saltaram agora para 2,3%. Como se ali as derrubadas não tivessem pela frente um obstáculo natural expressamente defendido pela Constituição como patrimônio coletivo do povo brasileiro. De todo o povo brasileiro, diga-se de passagem, e não só de quem vê naquele cenário o potencial econômico das hidrelétricas, hidrovias, mineradoras, plantações de soja, sem falar dos pastos de capim africano que vão rapidamente substituindo os campos nativos.

“Com base nessas informações”, diz o relatório que a Conservação Internacional divulgou esta semana, “pode-se prever que, dentro de pouco mais de 45 anos, a cobertura florestal do Pantanal terá desaparecido completamente”. Mas o aviso chegou numa hora em que todo mundo está trocando cartões de boas festas. Veio embrulhado num dossiê de quase 50 páginas, com título sóbrio demais para azedar o réveillon – “Estimativa de perda da área natural da Bacia do Alto Paraguai e Pantanal Brasileiro”. Chegou na entressafra dos incêndios na Amazônia, quando a estação das chuvas dá trégua aos satélites do INPE e cria uma miragem de paz na floresta. Ainda por cima, encontrou um país farto de más notícias. Tem tudo para emplacar 2006 com gosto de panetone dormido.

O que será outro desperdício. Trata-se de documento assinado pela equipe de uma ONG que, entre outros serviços prestados ao Pantanal, lançou há pouco um livro sobre esta “jóia da América do Sul”. Os americanos não viam coisa igual em primeira mão desde que o ex-presidente Theodore Roosevelt andou por lá 90 anos atrás, caçando na companhia do sertanista Cândido Rondon. Ilustrado pelo fotógrafo alemão Theo Allofs com enfáticas imagens de sua fauna na intimidade, o livro parece o avesso do relatório. Um mostra ao mundo o que ele está perdendo ao adiar a descoberta da região pelo turismo internacional. O outro, o que os brasileiros tendem a perder, acabando com ela antes de aprender a explorá-la.

O inventário da Conservação Internacional nasceu do cruzamento de dados enviados sensores orbitais, capazes de ver e entender mudanças do verde pantaneiro, com os registros de licenças oficiais para desmatamento expedidas pelas autoridades aqui na terra. Somando-os, revela que os municípios mais desmatados – como Aquidauana – são também os que mais concedem autorizações para mais derrubadas. Mostra que os recordes de devastação dificilmente coincidem com sinais de progresso nos índices municipais de desenvolvimento humano, como já provou o economista Carlos Eduardo Young. E adverte que “as maiores áreas licenciadas para desmate estão localizadas na planície”. Ou seja, dentro do Pantanal. Dito isso, feliz ano novo. (O Eco, 29/12)

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