Bird apóia carbono de floresta, diz diretor
2005-12-30
O Bird (Banco Mundial) quer apoiar o Brasil em iniciativas para negociar o carbono do chamado desmatamento evitado, mecanismo pelo qual o país receberia dinheiro vendendo créditos de emissão para reduzir a devastação da Amazônia. Quem diz é Vinod Thomas, que em setembro deixou o cargo de diretor do banco para o Brasil para assumir a diretoria de avaliação de operações do órgão, em Washington.
Thomas, um economista indiano de 56 anos, diz que o mercado mundial de carbono pode crescer nos próximos anos "como a internet", e que o Brasil, dono da maior floresta tropical do mundo --e das taxas mais altas de desmatamento-- seria o país que mais ganharia com isso. "Ninguém chega nem perto. Isso deveria ser parte do debate eleitoral."
O economista, que durante quatro anos foi responsável pela política de desenvolvimento do Bird para o país, acaba de lançar o livro "O Brasil Visto por Dentro - Desenvolvimento em uma Terra de Contrastes", no qual sustenta uma visão que a ortodoxia da política econômica brasileira ainda se recusa a compartilhar: a de que a manutenção do patrimônio natural nacional é o único jeito de acabar com a pobreza.
"É impossível ter crescimento de qualidade de longo prazo sem proteção ambiental, sem medir a poupança total -não só a poupança financeira. Quer dizer, você pode ter uma poupança de 15% a 17% do PIB, mas se ao mesmo tempo você destrói o patrimônio você só tem 10%. E com 10% você não vai crescer. E a experiência do Brasil é chave para esse debate", afirmou, acrescentando que a taxa anual de desmatamento deveria fazer parte do IDH brasileiro.
Em entrevista à Folha durante uma passagem recente por São Paulo, Thomas falou do "esverdeamento" progressivo do Bird, criticando a instituição por erros do passado --como o financiamento à pavimentação da BR-364. Sorriu amarelo quando questionado a respeito da concessão sob categoria de "risco ambiental moderado" de um empréstimo recente do IFC (braço do banco para a iniciativa privada) à expansão da soja em Mato Grossense. "É fundamental aprender as lições de erros ou dilemas para uma nova etapa", contornou.
E se recusou a falar sobre a transposição do São Francisco, obra que teve parecer contrário do Bird em 2001 e que foi novamente criticada por um estudo técnico do banco neste ano. Em seu livro, Thomas afirma que a obra é cara demais e que a melhor solução para o problema da seca seria concluir obras que já estão em andamento. Instado a se posicionar sobre o assunto, limitou-se a sorrir e mostrar o livro.
Folha - No ano passado, o sr. anunciou juntamente com a ministra Marina Silva um empréstimo de US$ 1,2 bilhão para garantir que não faltasse dinheiro para a área ambiental. O que aconteceu com esse dinheiro, uma vez que o Ministério do Meio Ambiente continua com verbas contingenciadas?
Vinod Thomas - Esse empréstimo é um dos primeiros do mundo na área de ambiente. Geralmente temos assistências técnicas, empréstimos pequenos, mas a idéia desse empréstimo era dar um apoio à economia total para dar uma prioridade para o ambiente. Então, o empréstimo de US$ 500 milhões era parte de um programa de US$ 1,2 bilhão em dois ou três anos. Em contraste com o empréstimo físico, que você põe numa escola ou para fazer uma ponte, isso era um empréstimo para o país. A Fazenda e o Banco Central ficaram com o dinheiro com o entendimento de que o Meio Ambiente receberia apoio dentro dos programas do governo. A grande pergunta é: isso está acontecendo ou não? Eu diria que, na área federal, o Ministério do Meio Ambiente está fazendo o que é possível dentro de parâmetros de superávit primário e prioridades em outras áreas.
Folha - Mas a idéia não era justamente garantir que o Meio Ambiente fosse ficar imune às metas de superávit primário?
Thomas - Ele não pode ser imune ao resto das questões do país. Mas com certeza o Meio Ambiente estava recebendo menos do que deve. A porcentagem do PIB que o Brasil gasta com ambiente é uma das menores do mundo.
Folha - O banco tem algum controle sobre esse dinheiro?
Thomas - Esse dinheiro vem como um pacote. A idéia era fazer um segundo em 2006 ou 2007, depois um terceiro. Existem metas para o país, não do Banco Mundial. Mas nós estudamos essas metas e decidimos que algumas coisas foram feitas para justificar o primeiro empréstimo.
Folha - Qual é a perspectiva para o segundo empréstimo?
Thomas - Quando eu saí [da diretoria para o Brasil], estava conversando com meus colegas e o ministério para planejar o segundo. Honestamente, eu não sei se as condições estão suficientes já para o segundo. Isso vai depender do governo e do contexto do ano que vem, que é ano eleitoral. Mas veja uma pequena ironia: tivemos neste ano uma queda no crescimento da taxa de desmatamento na Amazônia. O Brasil pode e deve fazer uma série de empréstimos para o ambiente, para beneficiar o país. Quase 80% do patrimônio dos pobres está em recursos naturais. Então, para reduzir a pobreza, o investimento em recursos naturais é melhor que a destruição desses recursos.
Folha - E por que o governo falha em captar essa lógica?
Thomas - Há dois ou três fatores: primeiro, há a questão de curto prazo versus longo prazo. E o curto prazo sempre ganha essa briga. E, sem dúvida, no longo prazo os pobres ganhariam com a manutenção dos recursos naturais. Segundo, há uma questão política, de falta de direitos de propriedade. Quando você não tem uma definição clara de quem é o dono da terra, o incentivo para manter é muito baixo, porque você não sabe se vai ter amanhã. E, terceiro, alguns tipos de ganho são difíceis de captar, em comparação, por exemplo, com o agronegócio. Eu não mencionei a situação global, mas só para agregar: dada a situação atual, a cada cinco anos o impacto dos desastres climáticos é maior. O Brasil pode ganhar para os brasileiros e ao mesmo tempo fornecer um benefício global trocando carbono por dinheiro. Isso não é fácil, mas nós pensamos em tantas coisas para o futuro, como a educação -por que não pensar no futuro da proteção ambiental?
Folha - O Bird tem planos de expandir o mercado de carbono?
Thomas - Sim, mas para isso o apoio de países como o Brasil é fundamental. Já existe uma discussão, depois da COP-11 (Conferência das Partes) da Convenção do Clima da ONU. Costa Rica e Brasil já estão falando sobre isso. Hoje você já pode obter benefícios da plantação de novas florestas. Mas, dando valor às florestas em pé, o Brasil ganharia. Com um risco: se o desmatamento continuar alto, o ganho fica prejudicado. O banco apoiaria esse tipo de plano com muito interesse. E o Brasil seria o país que mais ganharia com isso. Ninguém chega nem perto. Isso deveria ser parte do debate eleitoral, do debate nacional.
Folha - Como seria esse apoio?
Thomas - Acho que a primeira questão é como se vai medir [o carbono que florestas em pé deixam de emitir]. Deveria haver uma auditoria independente. Então, uma instituição como o banco tem um papel fundamental, de facilitador: de estabelecer a linha de base e dizer que, baseado nela, a situação está melhorando ou piorando. E o mercado mesmo, o mercado financeiro. Aí temos experiência já, com o carbono. E acho que o mercado poderia crescer muito rapidamente, porque nós já temos vários instrumentos em prática. E o Protocolo de Kyoto, mesmo em 2012, na próxima etapa, tem de incluir esse item.
Folha - Existe alguma projeção do banco de quanto esse mercado pode crescer daqui para 2012?
Thomas - Os números são incríveis. Estamos falando de um nível muito baixo hoje, porque o mercado é muito incipiente. Pode ser uma mudança muito grande, como aconteceu com a internet.
Folha - No seu livro o sr. propõe uma moratória à pavimentação de novas estradas na Amazônia. Isso é curioso vindo de alguém que representa uma instituição com um histórico negativo de financiamento a obras de alto impacto ambiental.
Thomas - A experiência do banco nos anos 1970 e 1980 não foi boa. Primeiro, houve uma destruição muito séria e, num segundo momento, o banco fez empréstimos para ajudar Mato Grosso e Rondônia num plano de infra-estrutura com proteção. Nosso financiamento resultou em boa estrutura, mas não em proteção. Hoje a idéia não é evitar a infra-estrutura, mas colocar com mais prioridade a mitigação.
Folha - O sr. acompanhou a polêmica recente sobre o empréstimo para a expansão da soja em Mato Grosso, que foi objeto de uma auditoria pelo Escritório de Cumprimento do IFC. Isso não contraria esse "esverdeamento" do Bird?
Thomas - Nesse caso, os resultados do Estado com desmatamento são tão preocupantes que, para uma próxima etapa de apoio, mesmo com a idéia de apoiar o setor privado inovador, o banco deve ver com cuidado se se trata de inovação para produzir e proteger ou não. É fundamental aprender as lições de erros ou dilemas para uma nova etapa.
Folha - O sr. identificaria um ponto de inflexão nas políticas do Bird, a partir do qual se começou a levar em conta questões ambientais?
Thomas - Isso aconteceu principalmente a partir da década de 1990. Hoje a grande pergunta é: é possível crescer rapidamente com proteção ambiental? Não só é possível, como é impossível ter crescimento de qualidade de longo prazo sem proteção ambiental, sem medir a poupança total -não só a poupança financeira. Quer dizer, você pode ter uma poupança de 15% a 17% do PIB, mas se ao mesmo tempo você destrói o patrimônio você só tem 10%. E com 10% você não vai crescer. E a experiência do Brasil é chave para esse debate.
Folha - E quais seriam os indicadores de que tanto o Brasil quanto o Bird estão no caminho certo?
Thomas - Medir a qualidade de vida dos brasileiros nas áreas urbanas e rurais, incluir junto com o IDH um indicador de qualidade de água, qualidade de saneamento e indicadores de desmatamento -três ou quatro fatores-chave para o país que estão faltando. Temos indicadores como matrículas escolares e mortalidade infantil, mas qual é a qualidade de vida uma vez que a criança segue viva, ou qual é a qualidade da escola? Precisaríamos incluir dois ou três indicadores na área social e dois ou três na área ambiental, e colocar isso junto com o PIB. Isso seria a meta do Brasil. (Folha Online, 29/12)