A despeito das retrospectivas publicadas desde a última semana, alertando sobre os sinais cada vez mais claros dos efeitos da mudança climática, uma série de notícias publicadas esparsamente vem mostrando que na prática a estratégia de governos e empresas ainda é contraditória com relação às preocupações ambientais.
No início deste mês, o governo central chinês reprimiu violentamente protestos populares contra a construção de novas termelétricas a carvão. Segundo informações da Planet Ark, o incidente ocorrido no vilarejo de Dongzhou resultou na morte de vários residentes locais, quando estes protestavam contra a poluição da termelétrica de Honghaiwan.
Cooperação limpa
Como que para compensar a repercussão internacional do episódio foi anunciado na véspera do Natal um investimento conjunto entre chineses e ingleses para pesquisa de tecnologias limpas da queima de carvão. O valor total do acordo é US$ 6 milhões a serem gastos em três anos com o objetivo de desenvolver termelétricas que emitam menos dióxido de carbono.
De acordo com uma nota da Science and Development Network (www.scidev.net/News/index.cfm?fuseaction=readNews&itemid=2559&language=1) a cooperação — ainda sem definição clara de operação — também pretende apoiar a parceria entre China e União Européia para o desenvolvimento até 2020 de um protótipo de instalação para captura e armazenamento de carbono.
Tudo muito interessante e louvável. Mas o investimento é ínfimo se comparado com o que os chineses anunciaram para a construção de novas usinas nucleares. Serão US$ 49 bilhões até 2020, num total de 40 novas plantas atômicas, duas delas já em 2006.
Na contra-mão
Não menos contraditória é a posição européia. Na última terça-feira (27/12), o The Independent divulgou um estudo do Institute for Public Policy Research mostrando que 10 dos 15 principais membros da União Européia não atingirão suas metas do Protocolo de Kyoto. Os dados apresentados revelam uma realidade que os políticos europeus se recusam a encarar. O relatório afirma que 13 dos 15 membros mais ricos da UE aumentaram suas emissões de CO2 desde o último ano.
O continente, junto com os norte-americanos apresenta o maior consumo per-capita de energia do mundo, em média 50% dela provinda de combustíveis fósseis. Em comparação com países em desenvolvimento a diferença chega a ser de até 600%. Nem por isso medidas drásticas de redução no consumo energético são tomadas, já que a mudança da matriz de produção não pode ser atingida a médio prazo.
A Alemanha é um bom exemplo. Atualmente não há nenhuma campanha pró-redução do consumo energético em andamento no país. E mais, ao mesmo tempo em que se mostram preocupados com a questão ambiental em nível internacional, seus políticos e experts se dedicam a projetos que vão na contra-mão dessas mesmas preocupações.
Discurso contraditório
Os projetos energéticos do setor carbonífero são um exemplo. Uma das promessas de campanha do CDU, partido da primeira ministra Angela Merkel, é o investimento em novas usinas a carvão e na recuperação da mineração. A meta é a criação de 5.000 novos empregos. Isso numa atividade que vem sendo desmontada desde a década de 60, mas que ainda consome quase três bilhões de Euros anuais em subsídios.
Internacionalmente, a contradição é a mesma. Inúmeros projetos de termelétricas a carvão a serem implantados no Brasil contam com "apoio" técnico e financeiro de instituições alemãs. "É legítimo que a Alemanha apóie projetos de geração a carvão em outros países, pois ela não excluiu o mineral de sua própria matriz", argumenta Imme Scholz, consultora do Instituto Alemão de Política para o Desenvolvimento (DIE), uma entidade que trabalha para o Ministério de Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha. Opinião semelhante tem o Dr. Uwe Kaestner, ex-embaixador da Alemanha no Brasil e atualmente presidindo a Sociedade Brasil-Alemanha, em Berlin. "Para o Brasil o carvão é uma alternativa, pois a geração hídrica é a base da produção energética. Nesse contexto os alemães entram com o seu apoio técnico", justifica ele, referindo-se à técnica de desulfurização, a ser aplicada em pelo menos duas das prováveis usinas térmicas a serem implantadas no Rio Grande do Sul.
A dúvida que fica é se os Europeus — por conta da sua desprivilegiada situação em relação à poluição que produzem — apóiam ou sabotam os esforços para mitigar os efeitos do aquecimento global?
Por Mariano Senna, de Berlin