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2005-12-28
Ministra admite que a “missão mais difícil” é aliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental : “Há uma contradição quando as pessoas avaliam o Meio Ambiente. Uma hora dizem que o ministério é omisso. Em outra, que é xiita”

De seringueira defensora da preservação da Amazônia à ministra de Meio Ambiente, Marina Silva mostrou ser possível dar uma reviravolta na vida sem muito estardalhaço. E assim espera que seja o último ano de governo do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente. Em vez de atitudes radicais, Marina preza pelo equilíbrio. “Não vim fazer pirotecnia e sim um trabalho estruturante. Inserir a variável ambiental nas ações dos outros setores da Esplanada”, diz, em tom de resposta ao estereótipo de ministra derrotada que lhe foi atribuído depois de discussões como a regulamentação dos transgênicos.

Em tom sereno, Marina falou com exclusividade ao Correio sobre avanços e recuos nas prioridades ambientais de sua pasta. Ela respondeu sobre alimentos transgênicos, desmatamento, divergências políticas e atribuições ambientais.

Mesmo assim, fez questão de ressaltar que, pela primeira vez na história de um país em desenvolvimento, o meio ambiente esteve no planejamento das ações de outros setores do governo. “Historicamente, nunca ouvi falar em uma rodovia (no caso, a BR 163) que tenha sido parada por causa de questões ambientais. Se isso é perder em qualidade na Esplanada, eu não sei o que é ganhar”, comenta.

Seis meses depois da Operação Curupira desbaratar a maior quadrilha de venda de madeira extraída ilegalmente da Amazônia, Marina anuncia a substituição das Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATFPs) para o próximo ano. A ministra atribui a demora na implantação do novo mecanismo de liberação de madeira cortada à necessidade de segurança.

O compromisso com a causa ambiental fez com que Marina optasse por ficar o Natal e o réveillon em Brasília. Será a primeira vez em três anos que a ministra passará as datas festivas longe dos parentes que vivem no Acre. “Não estou aqui para ganhar frutos, mas para dar qualidade à proteção do meio ambiente”, afirma. A seguir, trechos da entrevista:

Quais as prioridades para o último ano de governo Lula na área ambiental?

Continuar a implementação do plano de combate ao desmatamento da Amazônia, para que o desmatamento ilegal continue caindo. A implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, que está sendo finalizado neste final de ano, e aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos está prevista para janeiro. A implementação do Plano Nacional de Combate à Desertificação, que já está em curso. A aprovação da lei de gestão de floresta pública, em tramitação no Congresso Nacional. Queremos enviar para o Congresso a lei de acesso aos recursos genéticos. E pretendemos dar continuidade aos trabalhos em relação a todos os biomas brasileiros.

E o balanço da sua gestão?

Decidimos que não iríamos fazer pirotecnia e sim um trabalho estruturante, com planejamento. A idéia foi inserir a variável ambiental nas ações dos outros setores da Esplanada. Fazer a ponte entre preservação e desenvolvimento sustentável. É por isso que a missão é mais difícil. Uma coisa é ter ordenamento territorial na lei e outra é quando o Incra, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, junto com o Meio Ambiente vão na Amazônia e, no combate à grilagem, imobilizam 30 mil propriedades que têm origem duvidosa. Isso nunca foi feito na história desse país. É isso que eu chamo de saneamento ambiental. Não estou aqui para ganhar frutos, mas para dar qualidade e proteção ao meio ambiente e implementar a legislação brasileira na área.

A senhora foi muito criticada.

Muitas vezes as pessoas dizem que a ministra é derrotada em relação aos transgênicos. Eu digo que o grande derrotado foi a Constituição brasileira, porque este país não precisa ter uma lei permissiva que não possibilite um modelo de coexistência onde se pode ter transgênico e não transgênico. Onde se pode fazer com que a parte de licenciamento ambiental, rastreabilidade e segregação se possa ganhar pelos dois lados. Lamentavelmente isso não aconteceu. O Congresso é soberano e nós respeitamos. Só não são derrotados aqueles que não têm proposta a serem apreciadas e que, de antemão e covardemente, entregam aquilo que acreditam com medo da oposição.

A senhora acredita que o Ministério do Meio Ambiente perdeu disputa com ministérios como o da Agricultura e o da Fazenda?

O Ministério da Fazenda concordou com o concurso público para o nosso ministério e para o Ibama, nos deu todo o dinheiro que estava previsto no âmbito do plano de combate ao desmatamento. O da Agricultura tem uma posição que é legítima e é do ministro (Roberto Rodrigues) antes de vir para o governo. Não podemos reduzir uma relação institucional intra-governamental como se fosse uma disputa pessoal. Tenho certeza que, pela primeira vez na história de um país em desenvolvimento, o meio ambiente está no planejamento das ações de outros setores. É só verificar o que aconteceu com os reposicionamentos do São Francisco, da BR 163 e das rodadas de petróleo. Hoje, são avaliadas antecipadamente e alguns blocos são excluídos mesmo antes de irem para o licenciamento. Se isso é perder em qualidade, na Esplanada, eu não sei o que é ganhar. Historicamente nunca ouvi falar em uma BR (BR 163) que tenha sido parada por causa de questões ambientais. Agora o passo é do desenvolvimento sustentável, sim.

A liberação dos transgênicos pelo Meio Ambiente foi vinculada à identificação desse tipo de produto. Mas as pessoas podem estar comprando nos supermercados alimentos geneticamente modificados sem saber. Por que até agora não houve a rotulagem?

A responsabilidade é do Ministério da Justiça. Foi feito um decreto que estabelece a rotulagem e está em processo de implementação pelo Ministério da Justiça. Acabamos de criar uma comissão interna de biossegurança do próprio Meio Ambiente para orientar os nossos procedimentos internos. Defendemos a rotulagem. Se os fornecedores têm confiança e segurança em relação aos produtos que colocam nas prateleiras, não há porque temer colocar todas as informações necessárias.

O governo estuda a implantação da usina de Angra 3, mesmo sem destinação definitiva para os resíduos gerados por Angra 1 e 2. Como fica a questão ambiental nessa decisão?

Tanto do ponto de vista da viabilidade econômica quanto ambiental, além das soluções que até hoje não existem em relação aos resíduos do processo nuclear, temos uma posição muito clara no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Não achamos que seja adequada, na realidade de diversificação energética brasileira, a necessidade de energia nuclear. Nem mesmo de Angra 3.

Ambientalistas têm reclamado que o projeto de transposição do Rio São Francisco está sendo feito de “cima para baixo”. Qual a sua posição?

O presidente Lula tem dito que se dispõe a discutir mais esse assunto. O Ministério do Meio Ambiente não participa dos aspectos de oportunidade e conveniência do projeto. Quem deve fazer isso é o empreendedor, o Ministério da Integração Nacional, o ministro Ciro Gomes. O Meio Ambiente teve total autonomia para fazer licenciamento. Tanto é que a obra que estava para ser licenciada sem plano da bacia, programa e nem ponderação do Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do São Francisco foi revista. Todas as audiências públicas foram convocadas antecipadamente. Por decisão própria, algumas regiões não participaram, embora tenham sido convocadas.

E o plano de revitalização do rio?

Está em processo de implementação no que se refere a tratamento de esgoto, recuperação de nascente e da mata ciliar, bem como a exigência do Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do São Francisco para que esses processos tenham a participação e o envolvimento do comitê e de núcleos locais.

Então falta visibilidade das ações ambientais? Isso é que acaba levando a atos extremos como o de dom Luiz Cappio, com a greve de fome contra a transposição do São Francisco, e do ambientalista Francisco Barros, que ateou fogo ao próprio corpo, por ser contra a instalação de usinas de álcool no Mato Grosso do Sul?

O ministério já estava fazendo a avaliação estratégica do Pantanal. Existia uma lei estadual e nós estávamos o tempo todo amparados pelas leis federais, como a resolução do Conama. O Meio Ambiente inclusive teve a determinação de ir ao próprio local e não havia unanimidade em relação ao projeto. O presidente da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul tinha posição contra. O líder do próprio governador Zeca do PT e o vice-governador também tinham posição contrária e nós estávamos trabalhamos junto com todos esses setores. Há uma contradição quando as pessoas avaliam o Meio Ambiente. Uma hora dizem que o ministério é omisso. Em outra, que é xiita.

Sobre desmatamento, a Polícia Federal tem dito que a fiscalização por sensoriamento remoto não é suficiente porque o corte predatório de árvores passa despercebido por esse sistema. Como está a fiscalização?

Por mais sofisticados que sejam os equipamentos de vigilância, quando se tem nuvens não é possível detectar os desmatamentos. Imagens com maior precisão se conseguem com radar, mas não existe como fazer cobertura por radar com aviões sobrevoando os mais de 6 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia. Também tivemos um aumento na capacidade de fiscalização de 63%, comparado à gestão anterior e mais de 80% na capacidade de aplicação de multas. Por meio do Ibama, Polícia Federal e Exército, juntamente com a Polícia Rodoviária, o que é inédito, realizamos 197 operações. Dessas, 23 aconteceram simultaneamente, na Amazônia, com a prisão de 247 pessoas.

Quando serão substituídas as atuais guias de Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATFPs) por outro mecanismo de liberação de madeira cortada?

No primeiro semestre de 2006. O sistema que está sendo criado dará uma grande contribuição para evitar esse erro histórico das ATFPs, que vêm sendo fraudadas ao longo de tantas décadas. Ele dará mais transparência ao transporte de madeira. A demora de implantação é porque ele precisa ser seguro.

No ano 2000, a gestão das águas passou para a ANA. Em 2003, parte do gerenciamento da pesca passou para a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP). Desde outubro de 2004 a associação dos funcionários do mantém na entrada da sede a faixa “S.O.S contra o desmonte do Ibama pelo MMA”. O Ibama está perdendo atribuições?

Não podemos pensar a gestão dos recursos naturais a partir do olhar de uma instituição ou de qualquer interesse corporativista. Temos que pensar do ponto de vista da eficiência e da resposta para a sociedade. É só verificar a competência instalada no âmbito da ANA e do trabalho que é feito em parceria com o Ibama e com a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos. A Seap tem competência de fomento e não em relação às questões ambientais e dos estoques pesqueiros. Não temos que ficar preocupados em perder atribuições e sim assumir cada vez mais o controle sobre os recursos naturais da forma que se torne competente como um sistema.

Como fica a atribuição do Ibama com a criação do Serviço Florestal Brasileiro, que fará o gerenciamento das florestas repassadas à iniciativa privada?

Tanto o aporte de recursos quanto as competências serão ampliadas. O Ibama é que fará o processo de licenciamento dos planos de manejo e participará do processo do plano nacional de outorga e de fiscalização. O Serviço Florestal vai cuidar da parte de gestão: licitação, elaboração, junto com o Ibama. Com isso, o Ibama vai ter mais condições de fiscalização e de acompanhamento. (Correio Braziliense, 27/12)

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