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2005-12-28
O desmatamento sem limites na Amazônia provocará mudanças radicais na paisagem da região, que ainda neste século poderá ter grande parte de suas florestas de árvores portentosas transformadas em vegetação rala e rasteira, como o cerrado, a exemplo do que ocorreu com as florestas africanas, hoje uma grande área de savana.

Apesar da taxa de desmatamento na Amazônia ter caído em 30% entre o período de julho de 2004 a julho deste ano, de acordo com os dados anunciados no início deste mês pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a estimativa é que 18,9 mil quilômetros quadrados de florestas tenham sido desmatadas na Amazônia brasileira neste curto período. Entre 2003 e 2004 foram desmatados 27.200 quilômetros quadrados de florestas, o maior índice dos últimos anos. Mas, os números finais ainda não foram totalizados. Foram analisadas pelo Inpe em 2005, 77 imagens de satélite e observados 87% do desmatamento na região. Falta analisar o desmatamento por unidades e por municípios.

A diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Célia Vieira, corrobora com a corrente científica de que se o desmatamento não for barrado radicalmente, num futuro não muito distante grande parte da paisagem da Amazônia estará muito modificada. Ela explica que o desmatamento provoca o empobrecimento biótico em grandes proporções. Ou seja, a derrubada da floresta original, a queima das árvores e as sucessivas ações que avançam pela fauna e flora locais diminuem radicalmente as espécies primárias.

Segundo a pesquisadora, estudos científicos realizados por pesquisadores locais, demonstram que a recuperação de áreas florestais desmatadas é muito lenta. Seriam necessários cerca de 200 a 250 anos para se recuperar a recomposição florística de uma floresta tropical, mas mesmo assim, os cientistas não têm idéia de como seriam as novas espécies animais. Sabe-se, explica a diretora do Emílio Goeldi, que haveria uma vegetação mais herbácea e mais rasteira, como as gramíneas e com raras espécies lenhosas como as atuais.

Ima Vieira também alerta que se continuar este padrão de mecanização da agricultura como está sendo feito hoje, a mudança da paisagem da Amazônia será ainda pior. É que as máquinas agrícolas removem e impactam muito o solo, afetando o banco de sementes depositadas pelas espécies na terra, reduzindo bruscamente o brotamento destas espécies. Com isto, a vegetação ficará ainda mais rala e empobrecida.

Gado prejudica equilíbrio ecológico
No Pará, o avanço na floresta para fazer pastos para criar gado é uma das principais causas do desflorestamento. Como a produção de gado vem aumentando a cada ano no Estado, elevando o Pará a segundo maior produtor com um rebanho de quase 20 milhões de reses bovinas, há um grande perigo iminente na atividade. “Criar gado na Amazônia tem um custo ambiental muito alto”, define a pesquisadora.

A quantidade de área desmatada na Amazônia já atinge 60 milhões de hectares, onde parte é produtiva, sendo a maior delas no Estado do Pará para a criação de gado bovino. Outra parte foi abandonada e tende à desertificação. Como a maior parte das terras da região pertence à União, a desordem latifundiária ajuda à devastação sem limites dos chamados produtores, que não medem esforços para desmatar. Boa parte das árvores se transformam em carvão, uma das atividades mais degradantes, tanto para o ser humano quanto para a natureza.

O maior produtor de gado no Pará é o município de São Félix do Xingu, no Sul do Estado, conseqüentemente, também o campeão de queimadas nos últimos anos, comprovadas pelos satélites do Inpe. Esta região, segundo Ima Vieira, apresenta uma floresta exuberante, solo muito rico, mais muito pouco conhecido do ponto de vista científico. A pesquisadora defende, que é necessário que o Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE), elaborado pela administração estadual paraense, crie regras urgentes de ocupação nas áreas onde o desmatamento é desmedido. “É preciso apontar onde pode produzir gado (somente em áreas já alteradas) e as culturas alimentícias porque a segurança alimentar é um fator muito importante neste aspecto”, sustenta.

Dentro desta perspectiva, a diretora do Emílio Goeldi defende que é necessário que o governo promova um pacto de uso do território com todas as partes integrantes do processo, pecuaristas, agricultores, administrações municipais e outros. “Pode-se aliar conservação com desenvolvimento, para isso é preciso definir como devem ser usadas estas áreas”, orienta a pesquisadora.

Além da pecuária, as madeireiras, os grandes projetos minerários e as monoculturas, especialmente a soja, também preocupam os cientistas e ambientalistas. No caso da mineração, com a legislação ambiental este impacto ficou menor, pois definiu regras de compensação, mas os pesquisadores apontam que ainda há enclaves. Neste caso, a situação mais desconfortável para o Estado do Pará são os impactos sociais que os grandes projetos impõem à Amazônia.

Em relação à soja, Ima Vieira acredita que a atividade ainda não atingiu grandes extensões porque precisa de área plana para ser cultivada. Para isso, já foi mapeada a região do Tapajós e de Paragominas, mas ela acredita que dá para manter a expansão controlada.

Do ponto de vista ambiental, o grande problema é o uso indiscriminado de pesticidas nesta monocultura, que tende a contaminar os cursos de água destas duas regiões. A médio prazo, esta prática poderá indisponibilizar os mananciais. Também na questão social, a produção de soja não traz grande benefício quando se trata de empregar trabalhadores. Como a atividade é mecanizada são necessários poucos trabalhadores para exercê-la.

Pacto científico propõe o controle da devastação na região amazônica
Apesar dos números do desmatamento não serem animadores, a diretora do Parque Zoobotânico do Museu Emílio Goeldi, Ima Célia Vieira, é otimista e acredita que é possível reduzir os níveis de derrubada da floresta primária a zero. Pode parecer utopia, mas ela defende que é preciso barrar o processo de perda da biodiversidade e ainda manter o processo de produção local, rumo ao tão sonhado desenvolvimento sustentável da região. A primeira medida é altamente polêmica. Seria a imediata suspensão de qualquer licença ambiental cuja atividade promova o avanço na floresta nativa. Esta tese vem sendo debatida entre um grupo de pesquisadores do Goeldi - Ima Célia Vieira, José Maria Guimarães Cardoso da Silva e Peter Mann de Toledo - desde 2003, onde eles apontam que um dos maiores desafios científicos brasileiros é planejar um sistema de gestão territorial para a Amazônia, que leve em conta a conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento econômico e social. O documento foi enviado ao governo federal, sugerindo que a medida seja implantada, especialmente para atingir o arco do desmatamento, região que compreende os Estados do Maranhão até Rondônia.

Dentro desta perspectiva, o desmatamento zero é uma necessidade estratégica para promover o desenvolvimento. Mas, os pesquisadores têm consciência de que se trata de uma posição polêmica e de alto custo político. “Determinar o desmatamento zero na Amazônia por meio legal é uma necessidade estratégica para o País...”, avisam os cientistas.

Para tanto, a Amazônia deveria ser dividida em terras públicas e privadas. Estas últimas adquiridas legalmente com registro em cartório. Hoje, 80% das áreas privadas na região possuem um grande passivo ambiental, pois já removeram mais de 80% das florestas das propriedades, contrariando a legislação ambiental.

Nas áreas públicas há duas sugestões. Aquelas com destino definido, unidades de conservação, terras indígenas e projetos de desenvolvimento sustentável, receberiam investimentos do Estado, estabelecendo parcerias estratégicas para as funções sociais as quais foram criadas.

Aquelas sem definição (não-ocupadas, ocupadas e ainda cobertas por florestas e as ocupadas e já alteradas, poderiam ficar assim: a primeira ser transformadas em unidades de conservação integral. No segundo caso, é necessário estudar detalhadamente as áreas ocupadas parcialmente para verificar as diferentes categorias socioambientais que usam o território e por fim, as áreas já alteradas deveriam ser ordenadas territorialmente e implantar projetos de produção agrícola com enfoque ambiental. “A proposta não visa imobilizar o desenvolvimento econômico da região, mas promover uma ampla mobilização de esforços e recursos para que os quase 600 mil quilômetros quadrados de áreas que já foram desmatadas na Amazônia tenham uma destinação social adequada”, cita o documento científico. (O Liberal, 26/12)

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