Fernando de Noronha: Colapso na ilha
2005-12-28
“Nunca vi passarinho cair do céu de sede”. Foi assim que seu Neco, da vila de
Sabina, explicou porque resolveu colocar cocos abertos com água dessalinizada
para aplacar a sede dos passarinhos. “Eles secam rapidinho as cumbucas. Sai
briga. Aí eu ponho mais”.
Depois de dois anos sem chuva, o cenário do arquipélago de Fernando de Noronha é
de sertão. Galhos secos e muita terra contrastam com a paisagem paradisíaca da
ilha com o maior número de praias do Atlântico. Ao chegar, logo no check in da
Pousada do Zé Maria, uma das mais famosas da ilha, o alerta: “Nós pedimos que
vocês procurem evitar desperdício de água, o nosso dessalinizador está quebrado
há uma semana. Mas não se preocupem, vocês terão água para se servir”. Para a
californiana que dava entrada no hotel no momento em que cheguei a notícia
surpreendeu. “Uau, uma ilha como essa sem água doce...”. Ela alugou o quarto com
hidromassagem no deck, em frente ao mar da Conceição, e comentou comigo: “Eu não
atravessei o oceano para me preocupar com falta de água. Vim para sair do stress,
eles que resolvam os problemas locais de abastecimento. Vou usar a banheira todo
dia, aviso logo porque o quarto é caro”, ressaltou. “Como preferir, senhora”.
A hóspede passou longe da real situação da ilha. O único açude está com apenas
5% de sua capacidade, quase em lama. No arquipélago não há nenhuma fonte
permanente de água doce, como rios e nascentes, e o dessalinizador, que só é
alcançado pela água na maré alta, também quebrou. A companhia de águas da ilha
apelou até para um poço que pertence à Aeronáutica para socorrer a população.
Portanto, a água doce que Noronha dispõe é cada vez menor, e está sendo dividida
entre os moradores e as pousadas. Pior, o Reveillon está chegando e a ilha já
está com confirmação lotada. “Lotação máxima com abastecimento mínimo, imagina o
colapso. Já estamos nos preparando para essa matéria”, adianta Tiago Martins,
editor de imagens da afiliada da Rede Globo em Noronha, a TV Golfinho.
Para o Major Brussolo, dono da Pousada Solar dos Ventos, existe o risco do
cancelamento de reservas ou abandono de pacotes. “Os hóspedes não agüentam este
tipo de crise em pleno calor nordestino. Tudo é banho. O sal do mar, o calor, o
namoro em lua de mel. Em 2002, um grupo de 10 turistas, hospedados em diferentes
pousadas, foi embora antes do previsto por causa da escassez de água. Enquanto a
gente investe o ano inteiro a espera da alta temporada”. Brussolo já trabalhou
na usina de água de Noronha e diz que a questão do desabastecimento não tem sido
levada a sério pelo administrador do arquipélago, Edrise Aires. “Ele está em
Recife e não acredita que a coisa chegou a um limite inaceitável. Fica afirmando
que está tudo sob controle, quando a gente sabe que não está. É uma questão
matemática: aqui se usa mais água do que se tem. Eu sei porque sou dono de
pousada”, diz Brussolo.
Tudo dominado
O administrador da ilha, Edrise Aires, disse a O Eco que não há exatamente uma
crise de água em Noronha. "Não está faltando água. Eu não estou garantindo que
não vai faltar água no Reveillon, mas garanto que não faltará de forma
permanentemente". Aires disse que alguns donos de pousadas amplificam a questão
porque querem lotar seus reservatórios, além de exigirem preferência no
abastecimento com o argumento de que o turista é quem sustenta a ilha. Segundo
Aires, mesmo com tudo "dominado", em janeiro a capacidade do dessalinizador vai
dobrar. "Infelizmente para aumentar a capacidade da máquina em 50% é preciso
pará-la. E não podemos fazer isso agora. Daqui a pouco o dessalinizador vai
resolver 80% das necessidades da ilha".
Tarde demais para o Reveillon. Para a data, Aires conta apenas com dois
carros-pipa, e um particular que pode ser alugado por 100 reais a viagem -
apesar de ser abastecido no dessalinizador público. Ainda assim, o administrador
da ilha insiste que não há motivos para alarde. "Existe um exagero que
contaminou a opinião pública". Para o Major Brussolo, o problema é bem mais
grave. "Ele está em Recife, só sabe quem está aqui, vivendo o problema. Eu sou
um desses que está vivendo de carro-pipa. O veículo abastece duas casas e vai
embora, vazio, deixando as outras residências para trás. Fico dois, três dias
sem água, agradando os meus hóspedes para não irem embora".
Cássia Lacerda, chefe interina e técnica em saneamento da Compesa – a companhia
de água de Noronha - confirma que existe uma grave crise na ilha. "O caso é
crítico. O ideal seria ter quatro carros-pipa no Reveillon. E nós produzimos
hoje, com todas as fontes alternativas que restaram, 33 m3 de água por hora. O
volume necessário para atender aos moradores e aos 500 turistas em dias normais,
sem conforto, seria 45m3. Para o Reveillon, o ideal seria produzir 70 m3. Mas o
que temos é apenas os 33m3, e dando graças a Deus". Portanto, a metade do que
seria necessário para garantir a tranqüilidade dos ilhéus e dos turistas, que
pagam uma taxa diária de 30 reais para permanecer em Noronha, nesta virada de
ano. (Carolina Mourão, O Eco, 23/12)