Indicação para nova CTNBio é jogo de cartas marcadas, dizem ONGs
2005-12-27
As magras vitórias obtidas pelas organizações da sociedade civil durante o processo de regulamentação da Lei de Biossegurança não serão suficientes para arrefecer em 2006 o ímpeto daqueles que se contrapõem à liberação indiscriminada dos transgênicos no Brasil. Às vésperas da divulgação da nova composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), as entidades reunidas na Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos entram novamente em cena para denunciar o processo de escolha dos novos membros da comissão como um jogo de cartas marcadas para favorecer um setor da comunidade científica que é ligado às empresas de biotecnologia interessadas na liberação dos transgênicos.
Diversas organizações dos movimentos sociais e ambientalistas reclamam da falta de transparência nas indicações dos doze representantes da comunidade científica na CTNBio, num processo que é controlado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). As críticas são dirigidas, sobretudo, à comissão especial Ad Hoc nomeada pelo ministério, responsável por encaminhar ao ministro Sérgio Rezende as listas tríplices para a escolha de doze titulares da CTNBio (três da área de saúde humana, três da área animal, três da área vegetal e três da área ambiental) e seus suplentes. Do grupo de especialistas indicados pelo MCT para essa comissão Ad Hoc, seis pertenceram à antiga CTNBio, que atuou francamente a favor da liberação dos transgênicos no passado recente. Dois deles, Jorge Almeida Guimarães e Ernesto Paterniani, já foram seus presidentes.
Segundo Gabriel Fernandes, que é dirigente da organização Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, alguns desses cientistas que formaram a antiga CTNBio e agora comandam o processo de indicações já chegaram até mesmo a coordenar pesquisas para o desenvolvimento de transgênicos:
— O perfil desse grupo mostra que o jogo a favor dos transgênicos não vai ser virado na nova CTNBio. Sem falar que ainda temos na comissão Ad Hoc um representante do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia) e um da Anbio, duas entidades com atuação destacada no lobby pró-transgênicos e ligadas a empresas como a Monsanto. Este processo de indicação para a CTNBio está se caracterizando como um golpe do MCT - disse.
A comissão Ad Hoc informa que analisou 142 currículos encaminhados a ela pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). As entidades da Campanha contra os Transgênicos, no entanto, garantem que faltou democracia ao processo:
— Como e com quais critérios esses currículos foram pré-selecionados? Não houve um processo amplo de consulta à comunidade científica sobre essas indicações - afirma Fernandes. As listas tríplices foram entregues a Sérgio Rezende no dia 13 de dezembro, após uma reunião que, segundo as ONGs, mal foi convocada. O conteúdo das listas, assim como a decisão do ministro, ainda não foram divulgados, o que só faz aumentar o tom das críticas dos representantes do movimento contra os transgênicos.
Além de Jorge Almeida Guimarães, que é da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Ernesto Paterniani, que representa a Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), a comissão especial é composta pelos pesquisadores Radovan Borojevic (Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ), Ricardo Renzo Brentani, Marcello André Barcinski e Aron Jurkiewcz (USP), Rodolfo Rumpf (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa), José Oswaldo de Siqueira (Universidade Federal de Lavras), Ivan Sazima, (Universidade Estadual de Campinas), Fernando Irajá de Carvalho (Universidade Federal de Pelotas), Ima Célia Guimarães Vieira (Museu Emílio Goeldi) e Elíbio Leopoldo Rech Filho (Embrapa).
Reuniões apressadas Gabriel Fernandes chama a atenção também para o que ele qualifica como processo viciado de reuniões que estaria contribuindo para o fortalecimento do grupo pró-transgênicos na nova CTNBio:
— Nem todo mundo estava presente na única reunião, feita no próprio dia 13 de dezembro, onde as listas tríplices foram discutidas. Está claro que um grupinho está tomando conta do processo - disse. Para piorar a angústia dos movimentos sociais, Sérgio Rezende anda repetindo com entusiasmo por onde passa que a primeira reunião da nova CTNBio vai acontecer ainda em 2005. O ministro garante estar empenhado:
— Estou em contato direto com os ministros e ministras das outras pastas que compõem a CTNBio para que eles indiquem seus representantes o mais rápido possível - disse.
O problema é que até agora apenas três ministérios (Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Saúde) indicaram seus representantes, o que torna a CTNBio, ao menos por enquanto, um tanto capenga. Nesse contexto, o temor dos dirigentes da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos é que uma primeira reunião marcada de forma precipitada possa determinar os rumos da comissão de forma pouco democrática:
— Na primeira reunião será definido, entre outras coisas, o regimento interno da comissão. Além disso, existem pareceres da antiga CTNBio a favor dos transgênicos que podem ser aprovados numa eventual manobra - afirma Fernandes.
O ambientalista faz referência a uma declaração do coordenador-geral da CTNBio, Jairon Santos do Nascimento, ao jornal O Estado de SP, onde ele afirma que a nova comissão já tem o resultado dos estudos encomendados e decidirá rapidamente sobre a liberação de cinco pedidos para pesquisa ou produção de variedades de milho transgênico. Desses pedidos, dois são da Monsanto, dois da Syngenta e um da Bayer, todas gigantes do setor de biotecnologia:
— As análises estão prontas para deliberação quando a comissão voltar a se reunir - garantiu Nascimento.
Tanta pressa em se reunir e começar a deliberar, segundo Fernandes, tem um claro objetivo político, pois se forem somados os 12 votos dos indicados pelo MCT, mais os quatro votos dos indicados pelos ministérios da Saúde e da Agricultura, o grupo considerado pró-transgênicos já terá quorum suficiente e maioria quase garantida para aprovar o que quiser na comissão:
— Por isso querem marcar uma reunião absurda, entre o Natal e o Ano-Novo, e sem a CTNBio estar completa. Estamos esperando a portaria de convocação para qualquer momento. Eles querem fazer tudo em cima da hora para a gente não poder reagir - avalia.
Disputa será acirrada Por enquanto, na opinião das ONGs, de positivo existe apenas as indicações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Magda Zanoni e Francisco Caporal) e do Ministério do Meio Ambiente (Rubens Nodari e outro nome ainda a definir), que estão em maior sintonia política com os movimentos. As cadeiras reservadas na nova CTNBio aos especialistas em meio ambiente e em agricultura familiar também estariam garantidas para o campo que defende maior precaução com os transgênicos, uma vez que esses indicações estão sendo coordenadas pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS).
De acordo com o artigo 11 da Lei de Biossegurança, a CTNBio deverá ser composta por 27 membros, todos com grau de doutor. Além dos doze especialistas indicados no processo coordenado pelo MCT, a comissão terá nove membros indicados diretamente por ministérios (Ciência e Tecnologia, Agricultura, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento, Defesa, Relações Exteriores e Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca). Completam a nova CTNBio seis especialistas (defesa do consumidor, meio ambiente, saúde, biotecnologia, agricultura familiar e saúde do trabalhador), que são oficialmente indicados pelos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Saúde, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Trabalho, respectivamente. (Agência Carta Maior, 24/12)