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2005-12-27
A denúncia da entrada ilegal de milho transgênico no sul do Brasil, pela fronteira com a Argentina, trouxe apreensão para funcionários e especialistas, que advertem que seus efeitos ambientais podem ser mais graves do que os do contrabando da soja, há nove anos. O frei e deputado estadual Sérgio Gorgen, da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, denunciou ao Ministério Público a empresa Agropecuária Campesato por vender sementes de milho geneticamente modificado, depois de comprovar uma denúncia anônima que recebeu em novembro.

Segundo Gorgen, a variedade transgênica comercializada por essa pequena empresa do interior do Estado viria da Argentina e pertenceria à companhia de biotecnologia Monsanto, que está no centro da polêmica brasileira sobre transgênicos desde 1996, quando sua soja RR se disseminou ilegalmente também no Rio Grande do Sul. A soja transgênica atingiu mais de 80% da área semeada, segundo estimativas dos produtores, e se expandiu para outros Estados. Com o milho é diferente, pois pode afetar o meio ambiente e a agricultura de maneira mais grave do que a soja, disse ao Terramérica Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente. Por ser uma espécie de polinização direta, o gene que foi agregado à variedade modificada pode contaminar o milho convencional, argumentou.

O semanário Brasil de Fato, vinculado ao Movimento dos Sem-Terra, disse que parte do milho contrabandeado continha o gene GA21, usado na variedade RRGA21 da Monsanto, resistente ao glifosato. Entretanto, a multinacional norte-americana disse desconhecer a procedência do milho e rechaçou o comércio e a plantação de sementes ilegais, sejam convencionais ou transgênicas. É uma irresponsabilidade introduzir o milho dessa maneira no Brasil, quando já vigora a lei que regulamenta a atividade com transgênicos, e sua expansão pode ter conseqüências trágicas, por causa do impacto ambiental, que pode ser irreversível, e pelos prejuízos na credibilidade da agricultura brasileira, prejudicando as exportações, afirmou Langone.

O Congresso aprovou, em março, a Lei de Biossegurança, que abriu as portas para a pesquisa, o desenvolvimento e a produção controlada de organismos transgênicos, contrariando os ambientalistas. — O milho é para consumo interno e também um insumo fundamental na produção de carne suína e avícola, importantes na exportação brasileira -, explicou Langone. — Além disso, essa ilegalidade viola direitos do consumidor, que se alimentará com transgênicos sem ser informado -, acrescentou. Os organismos transgênicos são modificados em laboratório, mediante a introdução de genes de outras espécies vegetais ou animais, a fim de melhorar suas características, rendimento ou resistência às pragas, pesticidas ou fatores climáticos.

As pesquisas biotecnológicas que a Monsanto realiza no Brasil estão autorizadas pelo órgão competente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), assegurou a empresa em uma nota pública. Isso inclui as variedades de milho YeldGard e Roundup Ready (RR), resistentes a insetos e ao herbicida glifosato, respectivamente, e ainda não permitidas na produção comercial brasileira. Segundo o deputado Gorgen, agora cabe às autoridades policiais, judiciais e agrícolas identificar o contrabandista, pôr fim ao comércio ilegal e responsabilizar a Monsanto, proprietária da patente. — Quem é dono para ganhar tem de ser dono também para controlar -, disse Gorgen ao Terramérica.

Em sua opinião, este caso não terá o mesmo destino que o do contrabando de soja, nos anos 90, acomodado como um fato consumado por legislações temporárias. Os agricultores já se deram conta do engano que foi a soja transgênica, um fracasso econômico, porque exige mais produtos agrotóxicos, elevando custos depois dos primeiros anos, acrescentou Gorgen. Além disso, a opinião pública tem outra percepção, a federação dos grandes agricultores manifestou que não toleraria uma nova ilegalidade e a indústria de carnes teme perder exportações se porcos e frangos forem alimentados com milho transgênico, ressaltou.

Para Narciso Barison, presidente da Associação de Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), o milho transgênico segue o mesmo caminho da soja, mas não terá igual futuro. A semente híbrida do milho, a mais usada, é de difícil reprodução, não se multiplica como a soja, disse Barison. Os agricultores enfrentarão uma violenta queda de produtividade ao usarem as sementes ilegais, sem a qualidade assegurada pelos produtores certificados, prevê o produtor, cuja atividade sofreu duras perdas com a ilegalidade da soja transgênica. Enquanto não for comprovada essa perda de até 50% da produtividade, os traficantes continuarão enganando os agricultores, lamentou. Os que burlam a lei ficam impunes porque quem sofreu perdas por causa da ilegalidade não admite isso, concluiu.

Por sua vez, Elibio Rech, pesquisador do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vislumbra boas perspectivas para o desenvolvimento de transgênicos no Brasil, pois assegura que a Lei de Biossegurança funcionará melhor a partir de 2006. Rech não espera grande impacto ambiental do milho contrabandeado. Esse cultivo transgênico pode contaminar outros vegetais, mas há metodologias e barreiras para evitar que isso ocorra, além de os genes agregados não propiciarem vantagens competitivas para provocar danos ambientais, argumentou.
(Por Mário Osava, Terramérica, IPS, 19/12)

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