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2005-12-27
Em meio a controvérsias sobre possíveis efeitos nocivos do telefone celular à saúde, está em vias de publicação um estudo da Unicamp que, embora não responda a todas as dúvidas dos pesquisadores, contribui para amenizar a apreensão dos usuários. — Em nossa pesquisa pudemos concluir que o nível de radiação dos aparelhos comercializados não traz danos às células humanas. Para provocar anomalias no DNA, a radiação não-ionizante, empregada na telefonia celular, precisaria ser dez vezes superior ao limite permitido -, afirma a professora Juliana Heinrich, bióloga e geneticista responsável pelo Laboratório de Citogenética e Cultivo Celular, do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism).

Permanece dúvida sobre o efeito cumulativo
Para esta pesquisa, a Unicamp (Caism) foi a primeira instituição brasileira a contar com a técnica de SKY (Spectral karyotyping), ou cariotipagem espectral, que permite visualizar cada um dos pares de cromossomos e os cromossomos sexuais X e Y em cores diferentes. — Com a técnica inédita no país, investigamos se há troca de material genético dos cromossomos (translocações), bastante freqüentes em doenças como cânceres e mal-formações fetais. É como se pintássemos cada um dos 46 cromossomos de uma pessoa normal. Havendo troca de segmento cromossômico, conseguimos enxergá-lo facilmente. Por técnicas convencionais, visualizamos apenas padrões em preto e branco das células de sangue e tecidos, parecidos com códigos de barras, em que o diagnóstico é menos assertivo -, explica Juliana Heinrich.

A geneticista ressalta neste trabalho a parceria do CPqD (antiga Telebrás), com um financiamento do Funttel de R$ 400 mil para compra de equipamentos, insumos de laboratório e pagamento de bolsistas. Os equipamentos (que não se limitam ao SKY) chegaram em outubro de 2004 e permanecerão em comodato no Caism, estando já em uso para outras pesquisas e sobretudo para o atendimento de pacientes do SUS. Em relação aos celulares foram analisados 221 artigos indexados ao Medline – banco mundial de dados sobre literatura biomédica. — Tivemos a preocupação de não repetir erros de outros trabalhos e realizar um estudo bem desenhado, monitorando e controlando variáveis como tempo de exposição, níveis de radiação e tipo de célula a ser exposta -, afirma a pesquisadora.

Foram irradiadas no CPqD, em níveis diversos, amostras de células doadas por dez voluntários, considerando o limite estabelecido internacionalmente para absorção de radiação, medido em SAR (2 watts por quilo de massa corporal). Os telefones celulares no mercado apresentam taxas aproximadas de 1.5 e 1.6 watts. — Expondo as células ao nível de radiação dos aparelhos, não houve quebra ou troca de material genético. O estudo indica que os limites determinados estão corretos e que, a princípio, não há motivo para pânico por parte dos usuários. No entanto, registramos danos ao DNA a partir de potências dez vezes superiores ao limite, o que sugere uma discussão do problema na área ocupacional, ou seja, quanto a trabalhadores expostos a radiações muito mais elevadas do que a população em geral -, adverte Juliana Heinrich.

Irradiação
Como o telefone celular surgiu há apenas dez anos, a pesquisadora aponta uma grande dúvida: se a absorção da radiação pelo corpo humano é um processo cumulativo ou não. — Ainda não temos como oferecer uma resposta, pois um estudo exigiria o acompanhamento do problema por 20 ou 30 anos. Sabemos que corpo é capaz de compensar danos em células, mesmo porque vivemos sob outras radiações, como as do televisor ou do raio-ultravioleta do sol. Mas existe a hipótese de que havendo danos grandes e permanentes às células, tais erros aumentem e se acumulem a outros, caso a incidência de radiação seja contínua -, afirma.

A propósito, Juliana Henrich julga importante abordar a polêmica sobre as antenas, embora elas não tenham sido objeto do estudo por exigir uma medição totalmente diferente. — As antenas preocupam porque aparentemente concentram radiação e são instaladas perto das casas, sem consulta aos moradores. Na verdade, sua potência é dissipada na distância até as residências, sendo muito menor do que a de um aparelho celular colocado ao ouvido, junto da cabeça. Já o telefone, que levamos sempre junto ao corpo, emite radiação mesmo quando está em modo de espera -, pondera.

Na leitura dos artigos indexados ao Medline, Juliana Heinrich encontrou temas inusitados, como de pesquisadores interessados nos efeitos da radiação na produção de espermatozóides, devido ao hábito dos homens em levar o celular preso à cinta, na região pélvica. As mulheres, no caso, estariam mais protegidas porque carregam o aparelho perdido dentro da bolsa. — Os grandes focos de pesquisa, porém, são as leucemias (cânceres que partem da medula óssea) e alguns tumores cerebrais e de cabeça e pescoço. O fato é que não encontramos nenhum trabalho conclusivo -, esclarece a geneticista. O estudo do Caism com o CPqD, por sua vez, já resultou em uma monografia e vem sendo apresentado em congressos no Brasil e no exterior, com dois artigos às vésperas de publicação. Outros estudos ainda serão realizados no mesmo convênio.

Assistência
— O Laboratório de Citogenética e Cultivo Celular não se dedica apenas à pesquisa, mas também a análises clínicas. Por isso, os equipamentos de ponta adquiridos para este estudo, que permanecerão no Caism, estão sendo utilizados para diagnósticos complexos em pacientes atendidas pelo SUS -, comemora a doutora. Sendo um hospital de referência, o Caism atende a pacientes da oncologia, medicina fetal e ginecologia endócrina, e um dos trabalhos clínicos de rotina é a detecção de doenças genéticas relacionadas com malformações fetais. — Os equipamentos são usados para o diagnóstico fetal realizado a partir do líquido amniótico e sangue do cordão umbilical -, acrescenta.

Uma sala do laboratório guarda o microscópio de fluorescência acoplado a um interferômetro e um computador com um sistema de captura e análise de imagens. Além do SKY, o sistema é composto por outros três softwares: de Banda G (cariotipagem convencional), FISH (hibridação in situ por fluorescência) e CGH (hibridação genômica comparativa). — Com o novo sistema fechamos diagnósticos que ficariam sem finalização em técnicas convencionais. Utilizando uma ou várias técnicas ao mesmo tempo, é possível analisar com maior assertividade as aberrações numéricas e estruturais dos cromossomos humanos-, explica Juliana Heinrich.

Como exemplos, a pesquisadora do Caism informa que a técnica de CGH, em outro estudo, possibilitou identificar regiões específicas do genoma que podem aumentar a resistência ao tratamento quimioterápico em pacientes com câncer de ovário. Pela mesma técnica, constatou-se que fetos portadores de gastrosquise, um defeito de fechamento da parede abdominal, possuem padrões genômicos normais, ou seja: que o aparecimento da doença não parece estar ligado a ganhos ou perdas de certas regiões nos cromossomos, diferentemente do que acontece na onfalocele, patologia muito próxima. Tal informação pode ajudar no diagnóstico diferencial das duas patologias.
(Fonte: Luiz Sugimoto / Jornal da Unicamp)

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