Nova espécie de ave é descoberta no Rio Grande do Sul
2005-12-27
Ele é escuro e pequeno. Habita a Mata Atlântica e florestas do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e a província de Misiones, na Argentina. Antes era confundido com
o tapaculo-preto. Mas graças aos estudos do ornitólogo pelotense Giovanni
Maurício, uma nova espécie de ave foi descoberta no Brasil: o
tapaculo-ferreirinho.
O pássaro foi batizado com o nome científico de Scytalopus pachecoi -
uma homenagem ao pesquisador e colaborador José Fernando Pacheco, um dos
primeiros a perceber a diferença no canto da nova espécie. Foi do som emitido
pela ave que surgiu o nome popular - tapaculo-ferreirinho. – Uma voz ressonante
e meio metálica que sugere o tilintar de um objeto metálico-, definiu. A
descoberta teve a participação de outro pelotense, Rafael Dias, que elaborou a
ilustração do pássaro.
Os dois identificaram primeiramente o tapaculo-preto ( Scytalopus speluncae
). No entanto, ele apresentava características diferentes do que era
descrito na literatura. – A plumagem e o canto da ave da Serra dos Tapes
pareciam ser bem diferentes aos do tapaculo-preto-, observou Maurício, que
aprofundou o assunto.
O estudo virou tema de mestrado desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica
(PUCRS) e publicado no periódico científico Ararajuba - Revista Brasileira de
Ornitologia, em agosto. O trabalho envolveu pesquisas em diferentes áreas da
Mata Atlântica, de Minas Gerais ao Rio Grande do Sul, e incluiu o exame
minucioso de exemplares empalhados, em acervos científicos de museus.
Após dois anos de pesquisa ficou comprovado que os indivíduos machos, quando
adultos, são totalmente cinza-escuros. Os da nova espécie são mais claros por
baixo e têm os lados do corpo acanelados com manchas pretas. O
tapaculo-ferreirinho pode ser encontrado também em matas e florestas de Pelotas,
Capão do Leão, Turuçu, Arroio do Padre, Morro Redondo, Canguçu, São Lourenço do
Sul, Piratini e Herval.
Características
Pertence ao gênero Scytalopus . A cor predominantemente é o cinza-escuro.
Na espécie nova, os flancos (parte lateral do abdômen) são marrom-claro barrados
de preto, sendo que no tapaculo-preto esta parte do corpo é cinza-escuro, assim
como o restante da plumagem.
Referência em pesquisa
As aves do Rio Grande do Sul são alvo de pesquisas rigorosas há mais de 150 anos.
Maurício destaca o trabalho do ornitólogo norte-americano Willian Belton, que
passou um pente fino em todo o estado durante cerca de 15 anos e
publicou artigos e livros que formam a base fundamental da ornitologia (estudo
das aves) gaúcha. No Brasil, onde o estudo se desenvolve rapidamente, foram
descritas na última década 15 espécies de aves.
O Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CRBO) já reconheceu a validade
da nova espécie, que, comprovadamente, tem mais parentesco com outro pássaro - o
Scytalopus novacapitalis , que habita a cidade de Brasília desde a
década de 50 - do que com o tapaculo-preto, apesar de ambos terem um ancestral
em comum.
Turismo inexplorado
O biólogo Giovanni Maurício acredita que a descoberta da nova espécie no estado
pode trazer benefícios para as localidades onde ocorre, desde que haja interesse
e dedicação por parte dos moradores. Um exemplo é a grande procura por parte de
observadores de aves, que vêm dos Estados Unidos e da Europa para conhecer e
apreciar as diferentes espécies.
– Eles pagam caro para se embrenhar em florestas e procurar observar o maior
número de espécies possível. A cultura de observação de aves na América do Norte
e Europa é tão forte que as pessoas se deleitam ao verem uma espécie que não
conhecem, seja por prazer científico e intelectual ou simplesmente estético-,
afirma. A notícia da descoberta do tapaculo-ferreirinho já circulou o mundo e
foi noticiada em vários jornais e páginas da Internet no exterior.
Desmatamento ameaça a preservação da espécie
Maurício lamenta que embora não seja uma espécie rara, o tapaculo-ferreirinho
encara uma ameaça real à sua sobrevivência a longo prazo: o desmatamento na
região de Pelotas, Canguçu e São Lourenço do Sul. – Apesar das florestas da
região já terem sido praticamente destruídas e sobrado apenas fragmentos de mata
que podem ser considerados verdadeiras relíquias ambientais, o processo de
devastação segue num ritmo constante-, alerta.
Segundo o ornitólogo, os maiores remanescentes de mata dessa região nos dias
atuais são consumidos de uma forma sutil, porém assustadora. – Quem passa pelas
estradas das colônias vê uma parede de árvores e não percebe que atrás dela há
um desmatamento, que só poderia ser observado se a pessoa entrasse na mata-,
revela Maurício.
Em imagens de satélite disponíveis na Internet é possível observar grandes
desmatamentos na zona colonial de São Lourenço do Sul. – Dois grandes
remanescentes de mata nativa nas localidades de Harmonia e Taquaral já têm
grandes clareiras em seu interior [algumas com mais de quatro hectares], fato
que foi confirmado em setembro desse ano por observações in loco-, informa.
Além do tapaculo-ferreirinho, ocorrem nessas áreas dezenas de outras espécies de
aves. Pelo menos três são consideradas oficialmente ameaçadas de extinção no
estado, conforme o Livro vermelho da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do
Sul. (Diário Popular, 26/12)