Reserva da Biosfera Urbana em Florianópolis gera desconfiança em ambientalistas
2005-12-26
Celebrado pelos governos estadual e municipal como um grande passo para a preservação da natureza, o projeto de uma Reserva da Biosfera Urbana em Florianópolis apresenta poucas definições e é alvo de críticas de ambientalistas. Apesar de a Ilha de Santa Catarina já fazer parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica desde 1991 e até hoje não ter conseguido implantar legislação adequada para enquadrá-la no programa da Unesco, o projeto de reserva urbana tramita rápido e deve ser encaminhado à Unesco em abril de 2006 e votado em julho. Se aprovado, Florianópolis será a primeira reserva da biosfera urbana no mundo. Outras duas candidatas são a cidade de Xalapa, no México, e Nova Iorque, nos Estados Unidos.
O título de Rserva da Bosfera Ubana é como um selo de qualidade. Com ele, a cidade eleita recebe investimentos internacionais de fundos perdidos da Unesco para desenvolver e manter programas de preservação ambiental. Tecnicamente, as reservas da biosfera são divididas em três zonas de acordo com a intensidade de preservação, chamadas, respectivamente, de zona núcleo, zona tampão e zona de transição. Existem atualmente mais de 500 Reservas da Biosfera espalhadas por 110 países. No Brasil, são seis: da Mata Atlântica, do Cerrado, do Pantanal, da Caatinga, da Amazônia Central e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Mas nenhuma no mundo é urbana, como se pretende implantar em Florianópolis. O projeto ainda está em fase de elaboração e, por enquanto, deixa muitas perguntas sem respostas.
A proposta da Reserva da Biosfera Urbana em Florianópolis foi apresentada à Unesco no final de outubro, na cidade mexicana da Xalapa (pronuncia-se Ralapa), durante o congresso Estratégias para a Conservação de Áreas Naturais Protegidas de Designação Internacional e a 9ª Reunião do Comitê MAB (Man and the Biosphere, na sigla em inglês), que significa Homem e a Biosfera. Na comitiva catarinense, estavam presentes o vice-prefeito de Florianópolis, Rubens Pereira, o presidente da Câmara de Vereadores de Florianópolis, Marcílio Ávila, o consultor de comércio exterior da Secretaria de Executiva de Articulação Internacional do governo estadual, Hercílio Vieira e, representando oficialmente o governador de Santa Catarina, Marcos Muller, presidente do Sapiens Parque, projeto que prevê - de acordo com seu material de divulgação - parques científicos e tecnológicos, complexos urbanos, empreendimentos comerciais e de entretenimento, parques temáticos, lazer de última geração e centros de educação, cultura e lazer. O suporte técnico para elaboração e execução do projeto ficou a cargo do arquiteto Rubén Pesci, projetista do Sapiens Parque e membro da fundação argentina Cepa (Centro de Estudios y Proyectación del Ambiente).
As informações sobre o projeto também são exclusividade do Sapiens Parque, empresa de capital misto que tem 90% das ações na mão do Estado de Santa Catarina e 10% divididos entre a Fundação Certi e o Instituto Sapientia, ambos centros de pesquisa privados sem fins lucrativos. De acordo com a diretora de comunicação do Sapiens Parque, Simone Garcia, a formação dos grupos de trabalho (GT) para discutir o projeto começará em janeiro, divididos nas temáticas Unidades de Conservação Natural, Áreas de Manejo Urbano, Patrimônio Cultural Intangível e Organização e Gestão da Reserva de Biosfera.
Cada GT será composto por 50 membros, entre eles arquitetos, representantes do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, (IPUF), da Fundação Franklin Cascaes, do Crea/SC, da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis, Acif, além da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), entre outros. Simone disse que ainda não estão confirmados os nomes dos membros e que ainda faltam muitas definições sobre o projeto.
— Será um projeto a longo prazo. Temos interesse em um trabalho sério, sem politicagem – ressalta.
Garcia não soube dizer se a implantação da reserva trará custos para a população, ou se o selo de qualidade da Unesco pode provocar uma nova onda de especulação imobiliária na Ilha de Santa Catarina.
— Não cogitamos isso ainda – diz. Mas acredita que a categorização vai trazer benefícios econômicos e atrair empreendimento bem-sucedidos para a cidade.
Disse também que o projeto contemplará políticas de controle de ocupação do território, embora não saiba explicar como isso será feito ou que critérios serão utilizados neste controle.
De acordo com o presidente da Câmara dos Vereadores, Marcílio Ávila, a implantação da Reserva da Biosfera Urbana implicará em várias modificações no plano diretor. Segundo ele, grande parte das áreas ocupadas nos morros da capital catarinense deve voltar à vegetação original.
— É possível que haja desapropriações – diz Ávila, sem saber explicar para onde irão os moradores, mas ressalta que a idéia é ordenar o crescimento da cidade voltado para o continente – atualmente a região onde se concentram alguns dos bairros mais pobres e com maiores índices de violência da região metropolitana de Florianópolis.
Desconfiança de que seja apenas título para desenvolver o turismo
A súbita eficiência governamental para encaminhar a Reserva da Biosfera Urbana gerou desconfiança nos ambientalistas. De acordo com João de Deus Medeiros, diretor do Centro de Ciências Biológicas da UFSC e integrante do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, a proposta foi apresentada ao comitê no dia 6 de dezembro sem esclarecer o que se pretende com uma nova reserva.
— Os pesquisadores estão meio atônitos com isso. É inadmissível que a sociedade entenda como razoável um projeto feito em 40 dias que diz apresentar soluções para a complexidade dos problemas de Santa Catarina. Nós precisamos com a máxima urgência implantar a reserva da mata atlântica e temos uma dificuldade política enorme para pôr em prática o modelo de preservação pregado – compara.
Para Medeiros, o projeto apresentado em Florianópolis é uma proposta difícil de ser avaliada porque parte de um conceito que não existe. Ele critica a obscuridade com que o projeto vem tramitando e a participação privada e internacional no processo. Para o pesquisador, a reserva da biosfera urbana pode significar apenas um título para desenvolver o turismo.
— Se não tem nada definido sobre o projeto, como já há um cronograma? É desagradável criar um rótulo vazio que sirva apenas de conceito para convencer a opinião publica. Na reunião do dia 6, os representantes do governo concordaram que era para alavancar o turismo. O conceito, por antecipação, tem clara sobreposição ao modelo da reserva da mata atlântica. E, depois de tanta participação de entidades comunitárias e pesquisadores de universidades daqui, por que contratar uma instituição estrangeira para tocar o projeto? Isso gera certa insegurança, tudo está muito estranho - diz.
O pesquisador critica a diferença de tratamento que é dada para a Reserva da Biosfera Urbana e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica que, apesar de ter sido criada em 1991 pela Unesco, só conseguiu formar seu comitê estadual nove anos depois.
— Você vê a dificuldade que é para pôr em prática um plano de gestão já bem definido. Estamos tentando a duras penas implantar a reserva da mata atlântica. Foi criado o comitê, que deveria ser ouvido, mas os órgãos ambientais do governo fazem questão de negligenciar as opiniões desse comitê – critica.
O vereador Marcílio Ávila defende que a Reserva da Biosfera Urbana é 100% viável por ter amparo da Unesco, e que a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica não conseguiu ser implantada porque é muito abrangente e faltam investimentos locais, mas não soube dizer por que não existem tais investimentos, já que dependem de legislação estadual e municipal. Ávila preferiu defender-se criticando os ambientalistas:
— Os ambientalistas vivem botando areia, por isso nunca sai nada. Se quiserem construir, serão bem-vindos, mas os que vieram para criticar estão fora – disse, e complementou: — Não quero impor nada, quero construir junto.
Quanto à participação de um arquiteto estrangeiro para coordenar o projeto – que também foi convidado para desenvolver o plano diretor de Florianópolis – Ávila disse que é preciso uma visão internacional para um reserva deste porte.
— Não podemos ter bairrismo. No México, Rubén Pesci é considerado uma das maiores autoridades do mundo no assunto, é o papa da biosfera urbana. Não tenho pudor de dizer que gostaria que fosse ele, sim.
Ruben Pesci já elaborou planos diretores de mais de 50 cidades, entre elas Porto Alegre, Santa Maria e Imbituba, que, segundo Ávila, teve 99% de aprovação da população.
— Depois de aprovado, o plano diretor não poderá ser alterado por pelo menos cinco anos, por isso precisamos de um projeto irretocável – defende o presidente da câmara.
De acordo com Danilo Cunha, gerente do escritório do PNUD em Santa Catarina e ex-presidente Sapiens Parque (afastou-se em março deste ano, segundo ele, por problemas de saúde), o projeto da Reserva da Biosfera Urbana precisa de controle social e análise crítica dos impactos.
— É preciso pensar se essa certificação não vai trazer apenas fluxos negativos, como aconteceu anteriormente em Florianópolis com o título de capital com a melhor qualidade de vida, que desencadeou um processo de ocupação desordenada. Tem que ver qual o nível de compromisso da cidade para que essas reservas sejam ser mantidas e ampliadas. Tenho dúvidas se Florianópolis vai atender a isso – diz.
Para a diretora de comunicação do Sapiens Parque, que fez questão de dizer que Cunha não responde mais pelo empreendimento, pensar na reserva como uma faca de dois gumes é uma visão provinciana. Ela acredita que é preciso aproveitar o momento propício de interesse internacional.
— Precisamos de planejamento. Há áreas que não podem mais ser salvas, mas os arquitetos têm soluções para muitas coisas, e existem cidades que devem ser salvas também.
A idéia de tornar Florianópolis a primeira Reserva da Biosfera Urbana do mundo foi do governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira. Em setembro deste ano, durante uma viagem à Argentina, o governador teria ficado impressionado com um projeto de urbanização de Rubén Pesci e o convidou para dar suporte técnico para elaboração e execução do projeto.
Por Francis França
Links relacionados:
Programa de Reservas da Biosfera da Unesco:
http://www.unesco.org.br/areas/ciencias/ma/mab/mostra_documento
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica: www.rbma.org.br
Sapiens Parque: www.sapiensparque.com.br
Fundação Certi: www.certi.org.br
Instituto Sapientia: www.sapientia.org.br