O Cais enferruja
2005-12-21
Mesmo se saírem do papel, as renovadas promessas de revitalização do Cais do
Porto da Capital devem manter intocado o cenário de abandono que preocupa
ambientalistas e polui o visual de um dos principais cartões-postais do Estado.
Navios e carcaças enferrujadas, desprezadas pelos donos e sem destino dado pelo
poder público, permanecem ao longo das margens e das ilhas do Guaíba, sem
previsão de retirada.
Das 36 embarcações contadas por Zero Hora em uma reportagem em 2000 ao longo do
Delta do Jacuí, só duas tiveram destino definido. Nove, que têm donos conhecidos,
estão ancoradas no Porto Mauá, sujeitas ao pagamento de taxas e multas. As
demais permanecem esquecidas entre as ilhas, num descaso alimentado pela falta
de uma legislação que determine de quem é a responsabilidade da remoção. Para
ambientalistas, todas oferecem riscos.
Embora os depósitos de óleo das embarcações tenham sido esvaziados há cinco anos,
há o temor de que resíduos no maquinário dos navios provoquem novos acidentes.
Na época, o navio Mariângela Matarrazzo, ancorado havia 18 anos no Guaíba, teve
parte de seu casco partido durante tentativa de desmanche. Em seu interior,
havia 43 mil litros de óleo diesel queimado.
- Fizemos a retirada do óleo que estava misturado com água, mas isso não
significa que se limpou os navios. Se algum deles afundar, há o risco de
contaminação ambiental, porque ainda existem resquícios de óleo, que não dá para
retirar-, diz o chefe do serviço de emergência ambiental da Fepam, Luiz Fernando
Guaragni.
Segundo engenheiro Paulo Ody, coordenador de assessoria da diretoria da
Superintendência Estadual de Portos e Hidrovias, a maior parte das embarcações
ancoradas no Porto Mauá se tornou obsoleta e aguarda destinação por parte das
empresas.
Dois navios pertencem ao governo paraguaio e estão envolvidos em uma disputa
judicial que impede seu manuseio. Parados desde 1997, eles somam cerca de R$ 1
milhão em multas e taxas ao Porto. Ody contesta a existência de risco ambiental,
e defende a permanência dos navios.
- O porto é abrigo de embarcações, serve para isso. Em todos os portos do mundo
há situações assim. Abandono não é bem o termo, muitos estão parados aguardando
uma nova classificação. E o porto ganha com isso porque as embarcações
hospedadas precisam pagar taxas portuárias-, afirma.
Procuradoria afirma que apurará responsabilidades
Se os navios ancorados geram receita, os espalhados pelas ilhas do Guaíba só
esperam pelo naufrágio.
O capitão-de-corveta Walter Shinzato, da Delegacia da Capitania dos Portos em
Porto Alegre, diz que a lei só prevê a retirada em caso de risco à navegação.
Como nenhum é obstáculo para as rotas, teoricamente seriam de responsabilidade
dos proprietários.
- Mesmo se a gente quisesse tirar os barcos de lá, não poderíamos. A lei diz que
só depois de cinco anos de um barco afundar é que eles passam a pertencer à
União. E hoje nenhum está nessa situação-, afirma Shinzato.
Para tentar resolver o impasse, o procurador regional dos Direitos do Cidadão da
Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, Carlos Eduardo Copetti Leite,
abriu um expediente para apurar as responsabilidades, sem previsão de conclusão.
A única certeza até o momento é de que a solução está longe do fim. (ZH, 21/12)