Lago de 35 bilhões de dólares pede socorro na Venezuela
2005-12-21
Por Eduardo Lorea, de Maracaibo
Nele não se pode tomar banho. Utilizar suas águas para consumo humano, nem pensar. Por outro lado, considerando o preço atual do barril de petróleo venezuelano e a produção local, a extração do ouro negro da Bacia do Lago de Maracaibo rende US$ 34,9 bilhões anuais ao país de Hugo Chávez. Os danos ambientais, juram as autoridades, serão minimizados em 20 anos.
Até o início do século XX, só os índios davam valor ao líquido negro que brotava das terras do noroeste da Venezuela. Sua viscosidade era ideal para impermeabilizar canoas, propriedade pouco apreciada pelos brancos. Mas o desenvolvimento da indústria automobilística e a necessidade do combustível fóssil fizeram com que os venezuelanos se dedicassem ao estudo geológico da região do Estado de Zulia. Encontraram, em seu subsolo, uma das maiores reservas petrolíferas do planeta.
Quase tudo está nas profundezas do lago, o maior da América Latina em extensão superficial, com 12 mil quilômetros quadrados. Estima-se que, mantida a extração atual de aproximadamente 1,8 milhões de barris diários, a bacia possa ser explorada por mais 100 anos. Atualmente, há sete mil poços em atividade, principalmente no centro e na porção nordeste do lago, perto da cidade de Lagunilla. A produção local corresponde a 60% do total do país. O restante provém da faixa petrolífera do Rio Orinoco, espalhada por 55 mil quilômetros, cortando cinco estados.
A conseqüência econômica da atividade é visível em Maracaibo, segunda cidade da Venezuela em importância e população, com 2 milhões de habitantes. — Temos sol no céu e fogo no chão -, brinca o taxista Abílio Hernandez, referindo-se ao petróleo e ao calor infernal da cidade, sempre com temperaturas superiores a 30 ºC. Ao contrário de Caracas, a capital de Zulia tem ruas limpas e poucas favelas. Os grandes condomínios residenciais, shoppings centers, restaurantes caríssimos e vias expressas dos bairros ricos a tornam mais parecida com centros urbanos da América do Norte.
Tanta prosperidade tem seus custos para a natureza. As plataformas de extração e os navios de transporte, somados aos resíduos nos municípios do entorno – 5 milhões de pessoas vivem nos 728 quilômetros de costas – deixam o lago ambientalmente estressado, diz o chefe da divisão de Qualidade de Água do Instituto para a Conservação da Bacia do Lago de Maracaibo (Iclam), Federico Troncone. A contaminação pelos derrames de petróleo, esgotos e a salinização são os principias problemas.
Vazamentos diminuíram, mas salinização preocupa
— Quando se tem esse tipo de indústria, também se tem acidentes -, explica Troncone. Segundo o biólogo, os derrames já não são significativos como os do passado, mas permanecem como a razão das películas de óleo visíveis nas regiões de exploração. O Iclam, instituição responsável por gerenciar as políticas de preservação, recebe apenas comunicados mensais sobre vazamentos, geralmente correspondentes a corrosão ou rompimento de tubulações. — Estamos falando em meio barril, valores assim -, informa.
De acordo com ele, os derrames foram minimizados pelo desenvolvimento de tecnologias ecologicamente corretas. — Um exemplo: quando se tira o petróleo, ele vem acompanhado de água. Cinqüenta anos atrás, se jogava ela no lago. Mas essa água sempre tem um pouco de petróleo junto. E se colocava milhares de litros. Agora, se devolve tudo ao subsolo, de onde ela veio.
Se os derrames diminuíram, o mesmo não se pode dizer dos níveis de salinidade. Para fazer a distribuição da produção, foi construído em 1956 um canal de navegação com 14 metros de profundidade e 80 quilômetros de extensão. A modificação da profundidade original, antes de apenas 5 metros, facilitou o ingresso das águas salgadas do mar do Caribe, através do estreito de Maracaibo, que une o lago ao Golfo da Venezuela.
— Isso limitou o uso da água. Antes era doce, agora é salobra. Não se pode utilizar para abastecimento humano nem irrigação -, afirma Troncone. Estudos do Iclam apontam que cerca de 35% do volume total é salgado. O efeito disso é a estratificação, isto é, a formação de massas líquidas de diferente densidade.
— A água salgada é mais pesada e vai ao fundo, enquanto a doce, vinda dos rios e menos pesada, vai para cima. Isso tem um efeito negativo, porque restringe a circulação vertical. As águas do fundo não se renovam com o oxigênio da superfície. Isso restringe a vida do lago, porque se não há oxigênio, não há vida -, esclarece.
Esgoto: o inimigo número dois
Os resíduos dos centros urbanos vizinhos do lago são outro inimigo da qualidade das águas. — Mais ou menos 8 mil litros por segundo de água entram no lago sem tratamento -, quantifica Troncone. O número representa 80% do total. A contaminação bacteriológica faz com que, atualmente, nenhuma área do lago seja balneável.
Ainda assim, a atividade pesqueira não foi afetada. Depois do petróleo, ela é a fonte de renda mais significativa daqueles que vivem do lago. As exportações de caranguejo e camarão branco, as especialidades locais, alcançam a cifra de US$50 milhões de dólares anuais. As colônias de pescadores se localizam nas proximidades de Maracaibo e ao sul do lago.