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2005-12-20
Na última sexta-feira, 16 de dezembro, aconteceu no Rio o 1º leilão de compra de energia elétrica proveniente de novos empreendimentos de geração. Para fechar o ano com chave de ouro e mostrar que está fazendo o possível para evitar uma suposta crise energética entre 2008 e 2010, o Ministério de Minas e Energia (MME) leiloou 804,6 megawatts (MW) de usinas que ainda nem saíram do papel. Pouco para quem queria mais de 2.100 MW, mas muito para a saúde do meio ambiente.

Dos 17 projetos de hidrelétricas que o MME estimava leiloar, havia a expectativa de que pelo menos 13 conseguissem de fato ir a leilão. Na hora H apenas sete puderam participar. Foram as que apresentaram toda a documentação necessária dentro do prazo estabelecido por lei. Faltando dois dias para o leilão, data final para a entrega dos papéis das hidrelétricas concorrentes, a Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda não sabia informar quem tinha conseguido enviar as licenças ambientais prévias. E, mesmo quem mandou, não teve a vaga garantida.

A menos de 24 horas do evento, a Aneel anunciava que a hidrelétrica de Mauá (PR) – que tem ações na justiça por causa da falsificação e omissão de dados fundamentais do estudo de impacto ambiental (Eia) – tinha obtido a licença e, portanto, estava apta para o leilão. Mas uma liminar da justiça federal do Paraná virou a mesa, determinando não só que a usina fosse excluída do leilão, como proibindo a Aneel de incluir quaisquer hidrelétricas previstas para o rio Tibagi em concorrências futuras enquanto não for feita uma avaliação ambiental da bacia inteira.

O governo poderia ter evitado esse tipo de surpresa às vésperas do leilão se não tivesse cometido a imprudência de lançar o edital sem antes se certificar de que todas as hidrelétricas haviam obtido a licença prévia. Como um decreto federal de 2004 obriga que esse documento seja pré-requisito para participação no leilão, da divulgação do edital até semana passada, a pressão recaiu sobre os órgãos ambientais licenciadores. Tudo exatamente como acontecia antes da regulamentação do novo modelo do setor elétrico, que prometia acabar com isso.

Segundo Raul Silva Telles do Valle, advogado do Instituto Socio-ambiental (ISA), esse decreto determina o óbvio: que os empreendimentos a serem leiloados tenham viabilidade econômica e ambiental. Mas quando saiu o edital, o MME deu habilitações técnicas condicionadas a quem não estava com a documentação completa. – Mais do que uma manobra, isso é quebra do compromisso anterior. É ilegal-. Raul reclama que, desse jeito, a obtenção da licença ambiental pareceu um procedimento meramente burocrático.

Como MME esperava que as tais habilitações condicionadas virassem documentos válidos para o leilão, o Grupo de Trabalho (GT) de Energia do Fórum de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) questionou os critérios de seleção das hidrelétricas para o edital. – Queremos saber que parâmetros foram considerados para dizer que vai faltar energia se essas usinas não fossem leiloadas-, indaga a coordenadora do GT Energia, Lucia Ortiz. Procurada para esclarecer essa questão, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo planejamento do setor elétrico, não quis responder à reportagem.

Localização exata
Assim que o edital saiu, a ambientalista Telma Monteiro, pedagoga de Juquitiba (SP), se deu ao trabalho de tentar entender o que o MME, de fato, queria empurrar goela abaixo. Caiu em suas mãos um CD compilado pelo Ibama com a relação de todos os estudos e relatórios de impacto ambiental das hidrelétricas que estavam para ir a leilão. Ela analisou, estudou e extraiu informações bem básicas para apresentá-las aos demais participantes do GT de Energia, reunidos em São Luís, no Maranhão, em outubro passado. Com a ajuda do Google Earth, fica ainda mais fácil entender o que cada usina vai custar ao meio ambiente. Com as suas coordenadas, qualquer um, no conforto do lar, pode se divertir visualizando os empreendimentos que o governo acabou de leiloar.

A usina hidrelétrica de Baguari (MG), por exemplo, está prevista para inundar 14 km2 e gerar 140 MW de energia no rio Doce. A licença ambiental é acompanhada de mais de 60 itens condicionantes e faz três ressalvas importantes, se não fundamentais: não foram apresentadas informações suficientes sobre a área a ser alagada, além de existir risco de prejuízo à qualidade da água e saneamento para os municípios de Fernandes Tourinho, Periquito, Alpercata, Sobrália e Governador Valadares. Diz ainda a licença que as medidas mitigadoras dos danos à vegetação ciliar e mata atlântica não são claras, especialmente na Ilha Bonaparte (uma das 25 que ficarão debaixo dágua), importante local de reprodução de anfíbios e onde são encontradas espécies ameaçadas de extinção. O texto fala diretamente em impactos bastante expressivos, irreversíveis e de grande magnitude sobre a fauna .

Pela lista original, o rio Paraíba do Sul ia ganhar três novas hidrelétricas. Mas apenas a maior delas, a de Simplício, na divisa de Minas Gerais e Rio de Janeiro, foi leiloada. Serão 333,7 MW de energia com alagamento de, no mínimo, 1.187 hectares. Segundo a apresentação de Telma Monteiro, 416 famílias precisarão ser desalojadas, 26 km de estradas serão afetadas, além de 237 propriedades e 208 instituições, entre igrejas e escolas. A licença ambiental, concedida em setembro pelo Ibama, define que cuidados adicionais o empreendimento vai precisar ter para poder ser construído.

Com capacidade de 68,4 MW, a usina hidrelétrica Foz do Rio Claro, em Goiás, tem que cumprir, segundo sua licença prévia, 20 exigências técnicas até abril de 2006. De acordo com o levantamento apresentado ao GT Energia, mais da metade do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) transcreve desnecessariamente a legislação sobre licenciamento ambiental e políticas estaduais de meio ambiente.

Os outros empreendimentos de energia hidrelétrica nova que participaram do leilão foram as usinas de Paulistas (GO/MG), Retiro Baixo (MG), Passo São João e São José, ambas no Rio Grande do Sul. Essas últimas geraram conflitos na justiça porque as respectivas aprovações contrariam o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), da usina de Barra Grande. – O TAC prevê que nenhuma licença seja dada na bacia do rio Uruguai até que seja feita a avaliação ambiental da região. E as duas usinas gaúchas, no rio Ijuí, pertencem a essa bacia-, reclama Lucia Ortiz.

Alívio relativo Para contentamento dos ambientalistas, além da usina de Mauá (PR) por muito pouco não foram a leilão projetos exaustivamente questionados como a hidrelétrica de Dardanelos (MT) e a usina de Ipueiras (TO) – projetada para gerar 480 MW, inundar 26.071 hectares de Cerrado, afetando 12 municípios, 365 famílias, três unidades de conservação e sítios arqueológicos. Ficaram de fora ainda a usina hidrelétrica Salto Grande do Chopim (PR), Barra do Pomba (RJ) e Cambuci (RJ).

Apesar dessa vitória relativa, o GT de Energia promete continuar pressionando o MME para conseguir participar, de fato, do planejamento energético do país. A entidade já cansou de enviar cartas ao ministério pedindo explicações sobre as decisões que são tomadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Todas sem resposta. – Pelo regimento interno do conselho, um representante da sociedade civil deve participar, mas até hoje esse assento está vago-, diz Ortiz. – A consulta que se faz restringe-se ao metier elétrico. Nada para a sociedade em geral-, lembra Raul do Valle.

A economista Elena Landau diz que danos ambientais sempre vão existir, e, com o passar do tempo, as restrições de instalação de hidrelétricas serão cada vez maiores. Ela explica que como a demanda por energia sobe mais que o PIB, para o país continuar crescendo, energia é um insumo fundamental. E a água ainda é a fonte mais barata que existe. – O país já esgotou as grandes quedas dágua, os aproveitamentos mais baratos, mas não todo seu potencial hidrelétrico. Por isso, o que resta são usinas menores-, diz. Para ela, preservar o meio ambiente vai custar mais energia. As alternativas são discutíveis e todas mais caras que a água. Cabe aos brasileiros escolher. Isso se tiverem voz junto ao MME. (Andreia Fanzeres, O Eco, 17/12)

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