Canadenses preocupados com efeitos da poluição no Vale Químico
disruptores endócrinos
2005-12-19
Depois de crescer com nuvens pesadas no horizonte, Ada Lockridge nunca pensou muito sobre a poluição que vinha com elas. Ela nunca se preocupou com manchas de óleo em Talfourd Creek, rio de uma pequena comunidade canadense, nem com os odores ácidos que vinham com o vento ou mesmo com os agudos alertas de sirenes atrás de sua casa, praticamente ordenando que ela entrasse e fechasse as janelas.
Como ativista ambiental emergente, ela há pouco tempo fez uma descoberta simples, mas chocante: há duas meninas na comunidade para cada menino. A taxa de distribuição sexual está tão desequilibrada que os cientistas especializados no assunto que a ajudaram a levantar os dados indicam séria contaminação por uma ou mais substâncias químicas perigosas.
A questão: quais são os poluentes? E outra: o que mais esses poluentes têm provocado aos 850 membros da pequena comunidade de Chippewa? Lockridge e seus vizinhos vivem na fronteira do Canadá com os Estados Unidos, perto do Porto de Huron, e da Reserva Nacional de Aamjiwnaang. Por meio século, suas terras foram praticamente cercadas por uma pesada concentração de indústrias petroquímicas.
Muito da reserva original, fundada em 1827, foi vendida sob acordos questionáveis de transação de terras, nos anos 60. Agora, as vizinhanças estão ocupadas por dutos, fábricas e tanques de armazenamento de petróleo. A área está tão dominada pela indústria que chega a ser referida em mapas como Vale Químico.
Há dois anos, a Suncor Energy, que já opera uma refinaria e uma planta petroquímica perto de Aamjiwnaang, reservou direitos de acrescentar uma nova fábrica ao seu mix: uma planta de etanol, a ser construída em uma das poucas parcelas não desenvolvidas perto de propriedades da comunidade.
Lockridge e outros membros da vizinhança reuniram-se para se opor à fábrica. Eles perguntaram ao biólogo Michael Gilbertson sobre informações quanto à contaminação da água, do ar e do solo da reserva. Em uma conferência, ele reportou que os dados mostravam elevados níveis de dioxinas, policloretos de bifenila (PCBs), pesticidas e outros metais pesados, incluindo arsênico, cádmio, chumbo e mercúrio.
Quase como uma reflexão, ele lançou a questão: – Alguém notou a diferença no número de meninas na comunidade?
Do outro lado, houve um princípio de tumulto. –De repente, todos na sala começaram a falar–, disse Margaret Keith, membro da Clínica de Saúde Ocupacional dos Trabalhadores de Ontario, uma agência de saúde pública.
Alguém disse que, nos últimos anos, a comunidade constituiu três times femininos de basquete, e apenas um masculino. Lockridge pensou nela e em suas duas irmãs, estas com oito filhas e apenas um filho.
A questão não foi tão improvisada quanto parecia. –Eu me interessei na proporção dos sexos como um indicador muito sensível dos efeitos da exposição a substâncias químicas–, afirmou Gilbertson, em recente entrevista.
Gilbertson explicou que certos poluentes, incluindo muitos encontrados na reserva de Aamjiwnaang, poderiam interferir na taxa de sexo de nascituros em uma população. Demonstrou-se que metais pesados são responsáveis por alterar a taxa de sexo e por causar aborto e má formação fetal. Outros poluentes conhecidos como disruptores endócrinos, incluindo a dioxina e os PCBs, podem causar toda sorte de interferência e devastação hormonal, determinando se um casal terá um menino ou uma menina.
Se algum poluente pode alterar a distribuição de meninas e meninos em uma família e comunidade, pensou Ada Lockridge, o que mais ele pode fazer? As estatísticas indicam que uma em quatro crianças em Aamjiwnaang tem problemas de aprendizagem ou de comportamento, e que sofrem de asma pelo menos três vezes mais do que a incidência normal. Quatro entre dez mulheres da reserva tiveram pelo menos um aborto ou uma criança nascida morta.
– Cheguei a vomitar pensando que isto estivesse em mim. Eu chorei e então fiquei furiosa–, disse Lockridge, que tem 42 anos. Ela tem uma cópia da lista de membros da comunidade, dividida por número de meninos e meninas, desde 1984. A percentagem de meninos foi 50% menor em 1993. Agora a difrença é de aproximadamente 30%.
A descoberta foi significativa o suficiente para justificar um artigo na revista acadêmica Environmental Health Perspectives, de grande prestígio na área da saúde. Lockridge, que traballhou como governanta e também na indústria de madeira, foi listada como uma das autoras do estudo.
Em um dia recente de outono, Lockridge parou perto da faixa onde fica o cemitério da comunidade de Aamjiwnaang. A área destinada a enterros ocupa uma faixa generosa entre tanques de armazenamento de petróleo e blocos de cimento onde ficam dutos que se espalham pela região. É um lugar onde dificilmente alguém consegue descansar em paz. As construções ao redor emitem um ruído extremamente incômodo. É tão alto que muitas cerimônias de funeral já tiveram que ser canceladas. Um dos mais antigos jazigos do cemitério pertence aos avós da família de Lockridge, que morreram 50 anos antes de a Suncor Energy erguer uma torre de flare a cem jardas de distância dali.
Um passeio pelos 3.250 acres da reserva de Aamjiwnaang é uma experiência olfativa. Há odores de limão, odores doces, acres que fazem arder o nariz. Existe sempre um cheiro no ar de petróleo não refinado, e o cheiro típico de ovo podre que sai das unidades onde exalam enxofre e compostos de enxofre. Tão logo Lockridge detecte um novo cheiro na reserva, ela toma nota para buscar mais dados. Sua descoberta de uma súbita mudança na taxa entre os sexos sugere que novos poluentes ingressaram no ambiente de Aamjiwnaang desde o início dos anos 90. E o fato de cair ainda mais o número de nascimentos de meninos faz crer que os poluentes ainda estão em volta.
De longe, porém, não há novos empreendedores da comunidade desde os anos 90. E os níveis de poluentes suspeitos como PCBs e mercúrio, de fato, diminuíram desde a década passada.
A taxa de novos nascidos está em 50% a 50%, considerando-se os sexos, com uma leve tendência a mais meninos do que meninas. Há poucos documentos mostrando, historicamente, um desbalanço tão grande quando na reserva de Aamjiwnaang reserve. No final dos anos 50, um vazamento severo de mercúrio envenenou pessoas em Minamata, no Japão, causando uma queda na percentagem de nascimentos de indivíduos do sexo masculino. O mercúrio e outros metais pesados causam abortos e má formação em fetos masculinos simplesmente porque seus cérebros são mais vulneráveis durante o estágio de desenvolvimento, comparativamente ao dos indivíduos de sexo feminino.
Mas é improvável que o mercúrio seja a causa do menor nascimento de meninos na reserva de Aamjiwnaang. Embora os níveis do metal sejam elevados na reserva, a exposição a mercúrio, na reserva de Aamjiwnaang, é muito menor atualmente do que há 50 anos. Naquela época, pessoas pobres da comunidade acorriam a aterros tóxicos e extraíam mercúrio do solo para vendê-lo no mercado negro.
A comunidade de Aamjiwnaang e seus conselheiros científicos acreditam que a causa mais provável das anomalias é a presença de disruptores endócrinos. Dezenas de substâncias químicas orgânicas podem interferir com hormônios naturais ou amplificar seus efeitos. Como os hormônios são importantes para o desenvolvimento e a saúde dos órgãos do corpo, os disruptores endócrinos têm potencial para causar uma série de problemas, desde danos ao cérebro até aos órgãos sexuais e ao útero, diminuindo também a produção de esperma e reduzindo a imunidade biológica em adultos. Também argumenta-se que eles possam interferir no comportamento sexual e nas atitudes violentas.
Em seu livro Futuro Roubado, a bióloga Theo Colborne preocupa-se com os disruptores endócrinos, considerando-os responsáveis por –desequilíbrios físicos, mentais e comportamentais em seres humanos, capazes de afetar a fertilidade, a capacidade de aprender, a agressividade e a capacidade de conceber–.
Alguns pesquisadores sugerem que os disruptores endócrinos podem ser responsáveis por alarmantes aumentos nas taxas de câncer testicular e de câncer de mama, além de anormalidades altas na área reprodutiva, como o declínio na contagem de esperma e aumento nos problemas de aprendizagem.
Em 1976, um vazamento de dioxina numa unidade industrial de Seveso, na Itália, deixou duas mil pessoas doentes. Anos antes, cientistas descobriram que homens expostos a elevados níveis de dioxinas tinham maior probabilidade de gerar filhas do que filhos.
Em baixas doses, os efeitos dos disruptores endócrinos são sutis e dificilmente foram documentados. –Não se sabe muito, de fato–, disse Marc Weisskopf, pesquisador associados da Escola de Saúde Pública de Harvard.
Em uma pesquisa de 2003, Weisskopf e outros pesquisadores descobriram que mães que consumiam em grande quantidade peixes contaminados com PCBs pescados nos Grandes Lagos estavam mais sujeitas a gerar meninas.
É muito difícil dizer quais são as doses de disruptores endócrinos que podem ter efeito na população em geral. Cientistas em muitos países industrializados incluindo os Estados Unidos e o Canadá documentaram um sutil declínio na taxa homens-mulheres desde a Segunda Guerra Mundial. Mas tem sido objeto de controvérsia se o declínio ocorreu devido à indústria química ou a fatores como estilo de vida e avanços médicos, que também podem afetar essas taxas.
Mas há poucas dúvidas de que os poluentes com disruptores endócrinos estão afetando o desenvolvimento sexual da vida selvagem em Aamjiwnaang. No lago St. Clair, a cerca de 30 milhas da reserva, há peixes nadando, e machos transforma-se em fêmeas. A condição, conhecida como intersexo, é causada quando um peixe jovem que é geneticamente macho está exposto a substâncias químicas como o fertilizante atrazine, que causa o desenvolvimento de gônadas de fêmeas, atuando como o hormônio estrogênio.
O fenômeno foi bem documentado por todos os Grandes Lagos, não apenas em peixes, mas em pássaros e em anfíbios.
O pessoal de Aamjiwnaang está cada vez mais preocupado e obcecado com a poluição na reserva. A cada novo bebê, diz Ron Plain, membro do Comitê de Meio Ambiente de Aamjiwnaang, –temos que nos preocupar o que estará acontecendo com a criança, daqui a cinco, dez ou 20 anos–. Algumas pessoas chegam a sugerir que todos simplesmente se mudem da reserva para uma área menos contaminada. Mas Plain quer ficar e lutar.
As petições e demonstrações conta a planta de etanol da Suncor eventualmente convenceram a companhia a escolher um local a dez milhas da reserva para a sua nova unidade. A porta-voz da Suncor disse que a oposição da comunidade foi um dos vários fatores que levou a tal decisão.
Agora Plain quer usar o poder de veto sobre novos dutos que estão cruzando a reserva, como moeda de barganha: por exemplo, em troca da permissão de ir e vir, a comunidade de Aamjiwnaang requereria o estabelecimento de um fundo para lançar uma rede de estações de monitoramento do ar. O dinheiro também poderia ser usado para a descontaminação de áreas de resíduos perigosos na reserva ou em outros projetos ambientais. (Fonte: ABCNews, 18/12)