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2005-12-19
Por Geraldo Hasse *
Sempre que vejo um jardineiro de cócoras ou de joelhos sobre a terra, arrancando ervinhas avulsas, naquele esforço periódico para estabelecer o império de uma única variedade de grama sobre o espaço reservado para as plantas ao redor de uma residência ou escritório, vem inevitavelmente à minha cabeça o seguinte pensamento:

- Eis aí mais um brasileiro submetido à idéia inglesa da monocultura.

Parece um pensamento exagerado, mas é o contrário: a coisa é tão simples que chega a doer. Pode até ser que não tenham sido exatamente os ingleses os criadores disso - nada se cria, tudo se transforma, já dizia o rei Salomão, debaixo de uma soleira infernal --, mas foi o imperialismo inglês que difundiu mundo afora um certo número de práticas com o objetivo de obter um comportamento uniforme e homogêneo da natureza, a começar pelos homens. Nesse esforço de séculos, eles focalizaram principalmente o aumento da produtividade, como diria um marqueteiro neoliberal. E tiveram sucesso, reconheçamos.

Vitorioso na indústria, tanto que viabilizou a proliferação do capitalismo (que nunca deixou de ser selvagem, ainda que na aparência tenha o refinamento de um lorde), esse sistema foi aplicado à construção, aos transportes, à agricultura...e até à jardinagem. Ou, seja, virou uma coisa burra. A ponto de, em pleno trópico, vermos essa cena deprimente: por uma diária mixuruca, uma multidão de autônomos se põe de joelhos a eliminar todo sinal de biodiversidade, no afã de satisfazer a um conceito estético que hipervaloriza uma espécie vegetal básica como tapete verde e põe aqui e ali mais algumas plantas para quebrar a monotonia da paisagem.

Os parques ingleses são um exemplo clássico disso: muita grama, uns renques de arbustos e algumas árvores. Para o clima deles, até que pode ter sido uma bela solução agroeconômica. Mas o que nós tropicais temos a ver com a cultura dos países frios? Aí está: somos tributários deles, infelizmente. Colonos, reféns, prisioneiros, diria um radical.

Se os ingleses difundiram o sistema monocultural ao longo do século XIX, os ianques o aperfeiçoaram no século XX, mediante a aplicação maciça de métodos químicos e mecânicos que geraram uma verdadeira crise ambiental. Taí o planeta à beira de um colapso. A situação é tão evidente que me dispenso de falar do efeito-estufa, das diversas formas de poluição ambiental e outros problemas como o desperdício de recursos, o lixo e a miséria humana.

Mas olhemos os jardins. Eles nos ajudam a compreender a que ponto chegou nossa sujeição cultural aos modelos impostos pelos dominadores do mundo. O arquiteto carioca Roberto Burle Marx se rebelou contra isso e criou os jardins tropicais, aproveitando a imensa variedade de cores da vegetação brasileira. Mas o conceito burlesco-marxiano virou uma grife cara, como se fosse produto de butique de luxo. A inovação de Burle Marx foi isolada como se isolam vírus novos. Conhecemos outros rebeldes como o arquiteto sulbaiano Zanine Caldas, mas o que impera maciçamente ainda é o sistema anglo-americano. Mesmo quem não usa jardineiro segue a cartilha do imperialismo e periodicamente pratica o arranquio de ervas daninhas, obedecendo inconscientemente a uma lógica ordinária, submissa a uma estratégia de curto prazo. Alguém poderia perguntar: as ervas são daninhas para quem, cara-pálida? E alguém responderia: para as monoculturas. Mas ninguém pergunta, ninguém responde e seguimos no piloto automático. Com agravantes nascidos da mesma lógica perversa.

Por exemplo: se o mato ameaçar tomar conta dos espaços públicos e privados, as prefeituras já dispõem de equipes de funcionários que andam pelas ruas borrifando herbicidas sobre as sarjetas, apagando as manchas verdes nos terrenos baldios e até nas praças sem cuidado, na nobre missão de livrar a população dos animais peçonhentos que vivem nesses ambientes naturais. Assim, consomem-se altos estoques de produtos tóxicos, mas todo progresso tem um preço, não é mesmo, gente boa?

E assim vamos de encontro ao abismo. A mecanização intensiva da agricultura e a difusão dos métodos químicos de apoio às monoculturas representam um perigo contra o qual se levantam em todo o mundo os agricultores orgânicos, os ambientalistas e diversos cidadãos temerosos de que a civilização humana já tenha passado dos limites. Há quem esteja disposto a pagar para ver a catástrofe, e há quem acredite que ela já começou. Uma de suas manifestações seria a gripe aviária que se espalha pelo mundo. Brevemente os transgênicos talvez nos ofereçam novas lições sobre o horror. Na sua megalomania delirante, o homem está criando monstros sem controle, gerando desafios insuperáveis.

Pelo sim, pelo não, gostaria de chamar a atenção para a beleza dos jardins espontâneos e lembrar que não há melhor método de criação de galinha do que o primitivo: a bicharada solta no quintal, ciscando atrás de comida. Confinamento de aves é que nem monocultura de plantas: contraria o princípio elementar da natureza, que se baseia na mistura dos elementos.
Geraldo é jornalista e colaborador do Ambiente JÁ. Este artigo foi publicado no site www.seculodiario.com em novembro de 2005.

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