Uso intensivo de capina química faz crescer risco de contaminação
2005-12-16
Com uma freqüência cada vez maior, nota-se a utilização da denominada capina
química , com o emprego de herbicidas para matar capoeiras. A pulverização
também é realizada em perímetros urbanos, onde a legislação ambiental municipal,
muitas vezes, veta o uso destes produtos por contaminarem a água e deixarem
resíduos na lavoura. A argumentação dos produtores rurais é de que a escassez de
mão-de-obra faz com que se recorra a este procedimento. Outro posicionamento
defendido é que o solo estaria mais protegido com seu menor revolvimento, já que
o combate realizado no controle de inços é químico.
A disseminação deste método faz crescer o volume de produtos comercializados
pelos estabelecimentos agropecuários. Muitas vezes esses produtos são aplicados
sem quaisquer critérios de proteção pessoal ou de quem esteja próximo ao local.
Outra informação é que pouco se pesquisou acerca dos reais impactos que causam
nas diversas instâncias ambientais.
Opinião de mestre
Ao opinar acerca do assunto, o engenheiro agrônomo André Michel Müller, mestre
em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que
o senso comum existente é que os herbicidas não oferecem riscos, o que considera
um equívoco. – Estes produtos não são iguais em impacto ambiental. Há herbicidas
que têm uma ação mais discreta; há os que afetam determinados grupos de plantas;
e os que têm um espectro mais amplo, que eliminam um maior número de espécies de
inços-, disse o chefe do escritório da Emater/RS-Ascar de Arroio do Meio.
Explica Müller que determinados produtos, como os utilizados na soja transgênica,
têm exigido estudos de impacto ambiental por parte do Ministério do Meio
Ambiente. Entretanto, as empresas que dominam o comércio destes insumos têm se
negado a fazê-lo, alegando prejuízos ao desenvolvimento tecnológico. Isso também
tem sido cobrado pelos integrantes da Comissão Nacional de Biotecnologia,
acentua. – Se queremos ciência, então vamos pesquisar-, reforça. O agrônomo da
Emater acredita que uma das saídas seria a busca de informações em países onde a
pesquisa mostra evolução.
Apresentação de conclusões
Müller mostra um cartaz do Ministério da Saúde que comprova os riscos que
determinados produtos oferecem ao meio ambiente. Na lista figuram organoclorados,
organofosforados, carbamatos e o glifosato, que é princípio ativo de produto
empregado no controle de inços nas lavouras de soja. Estudos se referem aos
sintomas manifestados nos casos de intoxicações. As principais formas de
absorção do glifosato são via oral (boca) e dérmica (pela pele). Provoca
irritação nas mucosas e alterações hepáticas, renais e metabólicas. Os
principais sintomas são: por ingestação, manifestações gastrointestinais,
náuseas, vômitos, ulcerações orais, gastroesofágicas e possíveis sangramentos,
além de causar insuficiência respiratória; por contato, causa irritação nas
mucosas, edema periorbital, efeitos cardiovasculares, endemas e parentesias nos
locais de contato.
O engenheiro agrônomo salienta que existem produtos que, através do poder
residual, provocam um processo cumulativo no organismo humano. As reações de uma
intoxicação aguda, segundo ele, poderão ser as mais diferentes, podendo até
levar ao suicídio. Nos animais silvestres - pássaros, mamíferos e aquáticos -
que vivem em áreas onde há pulverizações sistemáticas as reações serão as mesmas,
acrescenta.
Recorda que no início da década de 90 multinacional tentou incorporar a uma lei
federal dos Estados Unidos que o seu produto utilizado nas lavouras de soja era
inofensivo e poderia ser utilizado na produção orgânica de alimentos. O
argumento da indústria era de que não deixava resíduo no solo. Por pressões dos
produtores orgânicos daquele país e falta de uma pesquisa que comprovasse a
afirmativa, a proposição acabou rejeitada. Müller revela ainda que o glifosato é
o princípio ativo mais utilizado no mundo, não apenas nas fórmulas de herbicidas,
mas em todos os agroquímicos usados na produção agrícola. Por isso mesmo, é o
que mais problemas causa aos aplicadores.
Herança genética
Müller recorda também a utilização do agente laranja, um agrotóxico aplicado em
grande escala pelos norte-americanos durante a guerra com o Vietnã. O
desfolhante era lançado de aviões sobre a floresta no território inimigo
para localização de soldados vietnamitas, com objetivo de exterminá-los.
Composto por dioxina, tornou-se o mais letal produto que se conhece. Lembra que
30 anos depois da guerra continuam a nascer pessoas com deformações e a
verificar-se incidência de câncer em virtude da ação deste princípio ativo, que
interferiu de maneira direta no DNA.
Ainda segundo Müller, na sua maioria os casos de intoxicação aguda que chegam
aos consultórios médicos têm origem na utilização de inseticidas. – Mas afirmar
que o inseticida ou o herbicida é mais perigoso é muito relativo, pois isso
depende de uma série de fatores relacionados com os contaminantes contidos nos
produtos e na dosagem usada.- A respeito dos procedimentos adotados pelos
agrônomos ou técnicos em agropecuária para a emissão do receituário que autoriza
o uso de produtos químicos na agricultura, deveria ser obrigatório que
conhecessem a propriedade e seus efeitos no meio ambiente, na saúde da família
do agricultor e em seus animais domésticos, além de orientar o produtor sobre os
cuidados básicos necessários.
Discussões sobre danos ambientais
Dois métodos completamente opostos de práticas agrícolas suscitam discussões
entre diferentes segmentos da comunidade: o convencional e o orgânico. O
primeiro desenvolvido com a utilização de produtos químicos para o combate de
doenças e pragas e de adubos sintéticos; o segundo método, de caráter
sustentável, prega a utilização de formas naturais de produção, a partir do
emprego de adubos naturais à base de resíduos animais. Assim como há resultados
econômicos e modelos de produção diferenciados, também há controvérsias sobre os
prejuízos que o emprego de agroquímicos pode causar à natureza e aos seres vivos.
A discussão é levantada pelo fato de a denominada capina química ser cada vez
mais utilizada, não apenas na agricultura, mas também no combate a plantas
invasoras, nos perímetros urbanos, onde tais produtos são proibidos com
freqüência pelas leis municipais de meio ambiente. Outra preocupação é que sua
aplicação é realizada sem os devidos cuidados com equipamentos de proteção e sem
critérios técnicos. (O Informativo, 15/12)