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2005-12-14
Existe muito mais mistério no fundo do mar do que entre o céu e a Terra. É o que conclui uma pesquisa ampla que investigou durante 10 anos as profundezas da costa brasileira de Norte a Sul, numa extensão de 350 quilômetros. Nas expedições, descobriu-se uma dúzia de peixes inéditos para a ciência e 84 espécies nunca vistas em águas brasileiras. As espécies novas são diferentes e estão em processo de identificação por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e de outras 12 instituições brasileiras. Em março, será lançado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, um sumário executivo com os novos animais e com o resultado detalhado da pesquisa sobre as profundezas do Atlântico.

O levantamento envolveu 40 instituições entre universidades e mais de dez embarcações, que faziam pesca-arrastão no litoral para capturar animais marinhos. Mais de 200 espécies de peixes, crustáceos, moluscos e corais foram retirados do fundo do mar. Para surpresa dos pesquisadores, parte dos bichos nunca havia sido vista antes. A maioria vive em regiões tão profundas que não é atingida pela luz solar. A pesquisa concluiu também que, apesar da riqueza e da diversidade da fauna marinha brasileira, centenas de espécies estão ameaçadas pela pesca predatória e pelo aquecimento das águas provocados pelo efeito estufa.

— Apesar da imensa área costeira no Brasil, os recursos pesqueiros do fundo do mar são limitados e estão seriamente ameaçados - ressalta professora Carmen Lúcia Del Bianco Rossi-Wongtschowski, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP. Carmen é uma das coordenadoras da pesquisa.

Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, o estudo contou com a participação de mais de 100 pesquisadores de todos os cantos do país. Intitulado Programa de Levantamento Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), o projeto atualizou o inventário de todos os recursos vivos, características ambientais, biomassa das populações marinhas e avaliou até o impacto da captura das espécies na pesca comercial, além de identificar novas espécies. O texto com o detalhamento desses dados está em fase de conclusão. Antes mesmo do lançamento, a obra já é considerada a mais importante publicação da oceanografia no Brasil.

— É o primeiro levantamento amplo de toda a costa do país. Com ele, foi possível conhecer a biodiversidade marinha, principalmente a existente em águas profundas - explica o biólogo Sílvio Jablonski, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Segundo o relatório, além de novos animais, foram identificadas ocorrências de 307 bentos (conjunto de crustáceos, moluscos e corais que habitam o fundo do mar).

Surpresa
Além das descobertas, na lista de peixes, moluscos e crustáceos da publicação estão aqueles ameaçados de extinção. A descrição é preocupante. Bichos invertebrados, como os camarões, a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis), cações, tubarões, arraias e a corvina (Micropogonias furnieri) estão seriamente ameaçados de desaparecer do mar, por uma série de motivos, principalmente pela caça excessiva. A pesquisa revela também que, só nas águas do Atlântico, cerca de 2,1 milhões de tubarões-azuis são capturados a cada ano. Por que ele é tão caçado? A resposta é fácil: cada barbatana desse animal, dependendo da época do ano, chega a valer US$ 500 no mercado internacional. A iguaria é oferecida em cardápio de restaurantes de luxo.

Quando a pesquisa foi planejada, os cientistas não tinham idéia do que encontrariam nas profundezas do oceano, a 150 metros abaixo do nível do mar. Isso porque existe pouco estudo detalhado da fauna marinha brasileira. A pesquisa sobre as populações que habitam a chamada quebra da plataforma, ponto em que profundidade aumenta dos 100 ou 200 metros para mais de 1 mil metros, trouxe à tona informações científicas surpreendentes.

— Cientistas do mundo todo estão aguardando ansiosamente pela nossa publicação - assegura Rafael Ávila, pesquisador da USP.

Além de ocorrência de peixes nunca vistos no Brasil, os pesquisadores identificaram várias espécies até então desconhecidas mesmo quanto à classificação primária. Só nas regiões Sudeste e Sul foram 12 novas espécies. Entre elas, a Hydrolagys matallanasi e a Eptatretus menezesi. Como são animais novos para a ciência, a maioria das descobertas ainda não foi totalmente descrita porque precisam ser feitas novas pesquisas. De tão novos, esses bichos sequer têm nomes populares.

No meio dos peixes novos, foi avistada pela equipe uma espécie inédita de peixe-lanterna (Maurolicus stehmanni). Sobre ele, os pesquisadores descobriram que a espécie migra a cada cinco meses das zonas mais profundas e escuras do mar para as áreas mais rasas apenas para se alimentar. Trata-se de uma característica semelhante a de outro peixe esquisito, o calamar argentino (Illex argentinus), recorrente na costa do Uruguai e Argentina. (Correio Braziliense, 13/12)

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