UHE de Manso opera sem licença ambiental no Mato Grosso
2005-12-13
A Usina Hidrelétrica (UHE) de Manso está operando desde 2003 com licença
ambiental vencida. A afirmação foi feita por representantes do órgão licenciador
a secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) de Mato Grosso. Localizada na
região do Alto Pantanal e construída no rio Manso na bacia hidrográfica do rio
Cuiabá, um dos principais afluentes do rio Paraguai, a usina também é apontada
por ambientalistas e 15 mil famílias de ribeirinhos como a responsável pelo
desaparecimento dos peixes da região, embora pesquisadores que estudam os
impactos da UHE continuem reticentes quando questionados sobre o assunto.
Além de estar contrariando a Resolução 237 do Conselho Estadual de Meio Ambiente
(Consema), que regula o licenciamento ambiental, a empresa administradora da
usina, Furnas Centrais Elétrica, também está descumprindo cláusulas existentes
no próprio contrato de concessão de energia, no qual está previsto a caducidade
da concessão no caso de irregularidades referentes à legislação ambiental.
Não é a primeira vez que a Usina de Manso vem a tona com polêmicas referentes à
questão ambiental, e desde o início de sua construção – planejada na década de
70 e só finalizada em 1999 – ambientalistas e representantes do governo se
desentendem sobre os impactos que a obra poderia gerar no pantanal
mato-grossense, uma vez que a barragem está localizada justamente em uma região
conhecida por ser ponto de desova de espécies como pintados, piraputangas e
dourados. Construída com um custo de R$ 340 milhões, o lago da hidrelétrica
formou-se a partir da inundação de uma área de 427 quilômetros quadrados – cerca
de 5 mil campos de futebol – entre os municípios de Nova Brasilândia e Chapada
dos Guimarães. Mas apesar do grande reservatório, que segundo dados de Furnas a
UHE tem capacidade de geração de até 212 megawats (MW), a usina produz de forma
fixa apenas 97 MW de energia, ou o equivalente a três pequenas centrais
elétricas com represamento de áreas até cem vezes menores.
– A Usina já foi autuada umas seis vezes pela secretaria devido ao vencimento da
licença ambiental e descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Sendo que o último pedido de continuidade ao processo de licenciamento ambiental
feito pela empresa administradora da UHE, Furnas Centrais Elétricas, foi em 2003-,
explicou a superintendente de Infra-Estrutura Mineração Indústria e Serviços da
Sema, Suzan Lanes de Andradade.
Ao ser questionada sobre o porquê da secretaria não ter embargado o
funcionamento da Usina, a superintendente afirma que caberia à justiça essa
tarefa e não à Sema. – Já autuamos a Usina e fizemos um Termo de Ajustamento de
Conduta [TAC] em 06 de julho de 2000, em conjunto com o promotor de Chapada dos
Guimarães Jaime Romaquelli. Caberia a ele agora dar continuidade à ação-,
explica Lanes. Para Romaquelli a dificuldade de se concluir o processo contra
Furnas, referente a UHE de Manso, se deu devido a questões políticas e
empecilhos gerados pelo antigo presidente da extinta Fundação Estadual de Meio
Ambiente (Fema), atual Sema, Moacir Pires acusado de facilitar desmatamento em
Mato Grosso durante a Operação Curupira e afastado do cargo.
– Demoramos quase dois anos para termos acesso aos documentos referentes a Usina
Hidrelétrica de Manso, pois apesar do excelente trabalho da equipe técnica, o
antigo secretario da Fema [Moacir Pires], colocava inúmeras dificuldades para
nosso trabalho. Mas há quatro meses já encaminhei o pedido da ação a
Procuradoria Geral do Estado [PGE] para darmos continuidade no processo
referente a Furnas. Como o lago da Usina abrange dois municípios, a ação tem que
ser feita em nível Estadual e não somente pela comarca de Chapada dos Guimarães
que é minha esfera de atuação-, explicou o promotor, lembrando que Furnas já
responde por uma multa de cerca de R$ 20 milhões por não ter cumprido o TAC.
O descumprimento do TAC, além de ter gerado autuações pela Sema e pedido de
multas pelo MPE também é a razão da falta de licenciamento ambiental para
operação da UHE Manso. De acordo com explicação de técnicos da secretaria que
acompanharam o processo, Furnas não cumpriu os seguintes termos do acordo:
construção de uma Estação Experimental de Psicultura e reformulação do estudo de
Zoneamento Ambiental da região de influência da UHE – isto porque o primeiro
estudo apresentado foi rejeitado e a realização de programas de recuperação de
áreas degradadas que previa o reflorestamento de 100 metros em toda Área de
Preservação Permanente (APP) no em torno do lago do reservatório.
Histórica Polêmica
A história da construção da Usina de Manso é herança das faraônicas obras de
infra-estrutura planejadas pelo governo militar. A idéia surgiu após uma grande
enchente no rio Cuiabá em 1974, na qual milhares de famílias ribeirinhas ficaram
desabrigadas. Desde então, começou-se a estudar a implantação de uma barragem na
região que unisse um sistema de controle de cheias do rio à geração de energia,
na forma de um aproveitamento múltiplo. Termo usado é hoje por Furnas para
designar a UHE de Manso: APM Manso, ou Aproveitamento Múltiplo de Manso.
A principal dúvida desde o início da construção da usina era sobre os impactos
dessa alteração nos sistemas de cheia do rio Cuiabá, conhecido nas décadas de 60
e 70 como um dos locais mais piscosos do Pantanal. As incertezas sobre sua
eficácia e impactos adiaram a construção da usina durante décadas, mas as obras
acaram saindo do papel por influência do governador Dante de Oliveira que no
final dos anos 90 defendeu a obra como prioritária para o desenvolvimento do
Estado, apesar do baixo potencial de geração de energia de Manso.
Impactos, dúvidas e incertezas
A característica de contenção dos ciclos de cheia do rio Cuiabá – uma das
principais bandeiras dos defensores de Manso – também é um dos pontos mais
criticados por ambientalistas e ribeirinhos. – Cheia nunca foi problema para
pescador, pelo contrário, tirando os anos de 1975 e de 1995 quando o rio subiu
acima da média, sabíamos sempre que depois da cheia quando as águas baixavam,
vinha a lufada, reapareciam os peixes e a abundância. Depois de Usina de Manso o
rio nunca mais subiu como antes. Sobe, mas bem pouco e a lufada a gente quase
não vê mais acontecer na parte alta do Cuiabá. Têm peixe ainda nessa parte do
rio, mas muito pouco e geralmente são peixes que ninguém compra, como as
curimbas muito ariscas de pegar. Tem que ser bom de anzol-, conta presidente da
associação dos pescadores da comunidade ribeirinha de Bom Sucesso, Joel
Rodrigues de Amorim.
Um bom exemplo da realidade apontada pelo pescador é a tradicional festa de São
Pedro, realizada todos os anos pela comunidade ribeirinha de Bom Sucesso para
homenagear o padroeiro dos pescadores. – Antes da Usina fazíamos a festa com os
peixes que pegávamos no rio, a comida era distribuída de graça a todos que
vinham agradecer à São Pedro pela abundância do pescado. Mas fazem seis anos que
precisamos comprar peixe de tanque [criatórios] para fazer a festa, pois, do
contrário, a tradição acaba-, lamenta o pescador.
Um relatório conclusivo de quatro anos de monitoramento, encomendado pela
própria Furnas e realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Limnologia Ictiologia e
Aqüicultura (Núpélia) da Universidade Estadual de Maringá, confirmou que durante
os dois primeiros anos de formação do lago de Manso os cardumes não fizeram a
lufada na região entre a barra do Aricá, rio Cuiabá, até as proximidades do
reservatório, no rio Manso. A ausência do fenômeno que atestava a abundância de
peixes e reprodução no rio pode ser um indicador de que tal como afirmam os
pescadores, algo errado está acontecendo nos rios Manso e Cuiabá.
– Não podemos nos esquecer que durante os anos de 2000 e 2001 tivemos um longo
período de seca no país, o que somado ao fechamento das comportas da Usina
fizeram com que os cardumes não subissem o rio Cuiabá, desovando também fora das
regiões de costumes-, explica o especialista em ecologia de peixes Ângelo
Antonio Agostinho, coordenador da pesquisa do Núpelia em Manso. Para o
pesquisador, ainda é necessário mais algum tempo de estudos para se medir a
dimensão do problema. – O que aconteceu em relação as desovas de 2000 e 2001
será sentido a partir de agora, quando os peixes que deveriam ter se reproduzido
naqueles anos atingirem a idade adulta. Caso seja comprovada uma diminuição das
espécies, haverá também a comprovação de impacto ambiental-, afirma Agostinho.
O pesquisador explica que a grande dificuldade de se chegar a um parecer mais
concreto sobre as pesquisas que o Nupélia vem desenvolvendo é a ausência de um
estudo preliminar. – Não temos informações científicas de como era a realidade
dos rios Cuiabá e Manso antes da UHE. O que sabemos são dados de depois de 2000,
quando as comportas já estavam fechadas-. Isso porque não há nos Estudo e
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), dados mais profundos sobre o
comportamento da ictiofauna da região. A lacuna no Eia/Rima – que mesmo assim
foi aprovado pela extinta Fema – é um dos principais obstáculos para se medir
hoje o grau do impacto gerado pela construção da Usina Hidrelétrica de Manso,
que segue comercializando sua energia gerada sem Licença Ambiental para Operação.
O outro lado
Segundo explicações da assessoria de imprensa de Furnas, as afirmações da Sema e
do MPE estariam equivocadas. Ao ser questionada sobre a ausência de licença
ambiental para operação da Usina de Manso, a assessoria de imprensa afirmou que
o processo de regularização ambiental encontra-se em análise na Sema para a
renovação da licença de operação . Sobre o descumprimento do TAC: – Com
relação a esses dois programas [ictiofauna e zoneamento ambiental], informamos
que Furnas tem cumprido o que foi pactuado com a Fema, bem como promovido
discussões técnicas, com aquiescência e presença de técnicos da Fema, na busca
de soluções para atender às solicitações dos pareceres daquela fundação, cujo
atendimento não depende só de Furnas-. Em relação à ausência do programa de
recuperação de áreas degradadas, a assessoria de imprensa contestou a afirmação
da secretaria, alegando que o programa estaria em curso, tendo seus relatórios
encaminhados à Sema. (Estação Vida, 09/12)