Biopirataria e OGMs devem ser o destino da agricultura do Iraque
2005-12-13
Enquanto as pessoas lutam pelo fim da ocupação militar no Iraque e pelo fim da violência associada a esta ocupação, o destino de suas fontes de alimentação e a herança da agricultura estão sendo loteados a portas fechadas. A menos que termine a colonização do Iraque, a ocupação do país por tropas norte-americanas continuará a ter desastrosos efeitos na economia e na capacidade do país de produzir alimentos.
O Iraque é sede de uma das mais antigas tradições da agricultura no mundo. Evidências históricas, genéticas e arqueológicas, incluindo a datação com isótopo de carbono nos sítios agrícolas do país, mostram fertilidade crescente da terra, incluindo a região moderna do Iraque, a qual foi o centro de domesticação para uma memorável quantidade de culturas agrícolas. Trigo, cevada, centeio, lentilha, ovelhas, cabras e porcos são originários desta região.
O trigo selvagem e muitas variedades de cereais vêm do Iraque. O começo da agricultura levou, inexoravelmente, ao desenvolvimento da civilização humana. Desde então, habitantes da Mesopotâmia usaram suprimentos informais de sementes para o plantio. Guardar e compartilhar semestres, no Iraque, foi sempre algo informal. Variedades locais de grãos e legumes foram adaptados a condições locais ao longo do milênio. Enquanto muita coisa mudou nesse tempo todo, a agricultura permaneceu parte da herança do Iraque. Apesar da extrema aridez, num clima caracterizado por pouca chuva, e da salinidade do solo, o Iraque teve um setor agrícola padrão, produzindo alimentos de boa qualidade por gerações e gerações.
Segundo dados da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 97% dos agricultores iraquianos, em 2002, ainda usavam sementes guardadas da última colheita, ou então as compravam de mercados locais. Isto apesar das sanções criminosas – mantidas pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha – que, por razões dúbias, destruíram o setor agrícola do país. O relatório de 1997 da FAO apontava que a produtividade da agricultura permanece baixa devido à pobre preparação da terra como resultado da falta de máquinas, baixo uso de insumos, deterioração da qualidade do solo e dos dispositivos de irrigação, bem como indicava que a população animal havia declinado sensivelmente devido a severas restrições alimentares e de vacinas durante os anos de embargo.
Diferentemente de outros países do Oriente Médio, o Iraque tem tanto água quanto petróleo. Além disto, o país tem uma das mais educadas sociedades na região. Houve tempo em que o Iraque era auto-suficiente na agricultura. Cerca de 27% da área total do país é própria pra o cultivo, aproximadamente a metade é nutrida pela chuva, sendo o restante irrigável. Trigo, cevada e leguminosas são as lavouras mais importantes, e tradicionalmente o trigo tem sido a lavoura mais importante no país. Antes da guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, a média anual de colheita era de 1,4 milhão de toneladas para cereais, 400 mil toneladas para raízes e tuberosas e 38 mil toneladas para leguminosas como lentilhas.
Antes de anunciar sua partida do Iraque, o pró-cônsul dos Estados Unidos e chefe da Coalizão Provisória de Governo (CPA), Paul Bremer, determinou cem ordens para transferir a economia e as propriedades legais do Iraque para as mãos de empresas privadas dos Estados Unidos. Um exame mais profundo dessas ordens mostra que nelas há uma tentativa de colonizar e enriquecer essas corporações. Uma das ordens diz respeito à Proteção de Variedade de Plantas (PVP), que obriga, na prática, ao uso de sementes geneticamente alteradas. Isto significa que os produtores agrícolas do Iraque têm apenas uma escolha: comprar sementes PVP registradas. Isto também facilita o domínio das gigantes corporações de sementes como Monsanto e Syngenta.
Os agricultores iraquianos serão agora forçados a comprar sementes dessas corporações. O organismos geneticamente modificados (OGMs) tendem a substituir a velha tradição das sementes replantadas em diferentes espécies. Sob as sementes patenteadas, os produtores rurais são obrigados a assinar o Tratado de Uso de Tecnologias, que permite às empresas controlarem os agricultores. Da mesma forma que os produtores rurais americanos, os iraquianos serão prejudicados no que eles sempre têm feito, o reaproveitamento de sementes. Por exemplo, agora, os produtores rurais iraquianos poderão ser processados pela Monsanto se suas lavouras não geneticamente modificadas forem contaminadas por plantas alteradas geneticamente, nas vizinhanças. As conseqüências ambientais e para a saúde das lavouras de OGM ainda são desconhecidas.
Sanções genocidas
A guerra dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha impôs sanções que devastaram o setor agrícola iraquiano. Apenas a metade da área irrigável é agora propriedade utilizada. A falta de alimentos e a desnutrição eram problemas menores antes das sanções impostas ao país.
Após a guerra de 1991 dos Estados Unidos contra o Iraque, este último país teve negado o direito de reerguer sua infra-estrutura econômica. Estados Unidos e Grã-Bretanha impuseram sanções criminais para destruir o que restou. As sanções foram usadas como forma de terrorismo contra a população local.
– Fui ao Iraque em setembro de 1997 supervisionar o programa Petróleo por alimento das Nações Unidas. Rapidamente percebi que esse programa humanitário era uma espécie de Band-Aid para o regime de sanções que estava matando aquele povo. Sentindo que o moral e a credibilidade das Nações Unidas estavam comprometidos, e não sendo complacente com o que eu senti ser uma violação criminosa dos direitos humanos, renunciei após 30 meses–, disse Denis Halliday, ex-coordenador da ajuda humanitária ao Iraque, em uma conferência na Universidade de Harvard, em novembro de 1998.
Halliday qualificou as sanções como genocidas devido ao número de crianças iraquianas que foram mortas.
Além da ocupação ilegal do Iraque, a maioria da população ressente-se da falta de uma dieta calórica adequada para sobreviver e permanecer saudável, segundo reportado pelo Programa das Nações Unidas para Alimentação Mundial (WFP). Um novo relatório do Serviço de Emergência do WFP revela que há significativa falta de arroz, açúcar e leite na alimentação infantil. Em outro relatório preparado pela agência da ONU para Direitos Humanos, o renomado professor de Sociologia suíço Jean Ziegler revela que a desnutrição entre crianças iraquianas nas idades de seis meses a cinco anos aumentou de 4%, antes da invasão, para 7,7%, com a invasão norte-americana. E mais de 25% das crianças iraquianas não têm um aporte suficiente de alimentos. Além disto, Ziegler acusou os Estados Unidos e a Grã-Bretanha por usarem água e alimentos como armas nas cidades ocupadas do Iraque. (Informações do Centro de Pesquisa em Globalização, 12/12)