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2005-12-12
Associadas ao desmatamento, carvoarias avançam no Pantanal de Mato Grosso do Sul. E a derrubada de árvores, usadas nos fornos, está transformando trechos da paisagem em imensos pastos. De acordo com dados da ONG ambientalista Conservation International, cerca de 16 mil km2 da vegetação nativa do Pantanal sul-mato-grossense haviam sido retirados até o ano passado.

— Estudos anteriores revelaram a taxa de 0,46% de desmate por ano na planície [alagável], no período entre 1990 e 2000. A taxa atual de supressão anual é de 2,3%, considerando o período entre 2000 e 2004. Pode-se prever que dentro de pouco mais de 45 anos a cobertura florestal original do Pantanal terá desaparecido completamente - aponta relatório da ONG.

Após pressão do Ministério Público Estadual, o governo baixou um resolução, em julho deste ano, para regularizar as carvoarias e instituir um programa de licenciamento ambiental mais rígido. Em seis cidades da área do Pantanal, existem atualmente 28 carvoarias em processo de regulamentação. Mas estima-se um número maior de fornos ilegais espalhados pela região pantaneira.

Em Mato Grosso do Sul, o Ibama calcula que existam outras 5.000 carvoarias, boa parte delas irregulares. A Folha percorreu por terra na semana passada parte do Pantanal em Corumbá, Miranda e Aquidauana. Visitou cinco carvoarias. Encontrou fornos no meio das matas, próximos a baías, ao rio Miranda e a áreas de morro.

Nos cerca de 400 km percorridos, a reportagem, que esteve há dois anos no Pantanal, percebeu nítido avanço dos pastos em direção à floresta. O tuiuiú, ave símbolo da região, é raramente visto na rodovia BR-262, que corta a planície. Em mais de 150 km, foram avistados apenas três.

O desmatamento no Pantanal é resultado de parcerias entre fazendeiros, interessados em aumentar a área de pastos, e donos de carvoarias, que buscam a madeira para fabricar carvão.

O governo diz que não há ilegalidade, desde que o fornecedor da madeira tenha licença para desmatamento, que não estejam sendo derrubadas árvores de áreas protegidas ou acima do limite de 20% que cada propriedade deve preservar, conforme determina o Código Florestal Brasileiro.

Pecuaristas desmatam e carvoeiros puxam a madeira com o trator e as queimam em fornos rudimentares. Os primeiros dizem ter licença do governo estadual. Os carvoeiros dizem apenas aproveitar árvores já derrubadas.

Em meio a isso, a Sema (Secretaria de Meio Ambiente) admite limitações de estrutura e pessoal para fiscalizar as ações.

Numa região cortada pelo rio Aquidauana, onde há baías e áreas alagadas, fica a carvoaria São Luís. Tem 246 fornos, emprega 106 pessoas (com registro em carteira, segundo o dono) e produz 3.000 m3de madeira, suficientes para encher 30 carretas.

A produção vai para siderúrgicas de Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. O empresário Ademir José Catafesta, 50, diz que em dois anos aproveitou madeira de uma área desmatada de 1.700 hectares da fazenda Santa Virgínia. Cada ha equivale a 10 mil m2.

A São Luís tenta licenciar-se segundo as novas regras do governo. Já fez o pedido, mas precisará retirar 101 fornos das margens de uma estrada vicinal. O empresário diz estar longe do rio, embora admita que a região é pantaneira.

Catafesta não acredita que a produção de carvão estimule a devastação.

— A carvoaria é como um urubu. Aproveitamos o que sobrou para o fazendeiro não pôr fogo - afirmou.

Governo diz que vai regularizar as atividades
O governo de Mato Grosso do Sul afirmou que baixou a resolução nº 9, em julho deste ano, para disciplinar as atividades das carvoarias, pois, até então, não havia legislação que as regulamentasse.

— É um processo novo para a Sema - disse Osvaldo Riendliger dos Santos, gerente de Recursos Florestais da Sema (Secretaria do Meio Ambiente) do governo.

Ele afirmou que a intenção é, além de regulamentar, mapear quantas carvoarias estão em atividade hoje no Estado e onde estão localizadas, para controlar suas atividades.

Um dos artigos da resolução exige que uma carvoaria esteja localizada a uma distância superior a 3 km de perímetro urbano, a 500 m de estradas vicinais, federais e estaduais e a mais de 200 metros de rios e outros cursos dágua.

Antes da norma, essa atividade necessitava apenas de um cadastro no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), sem os rigores da legislação que está em vigor.

Das cerca de 5.000 carvoarias existentes no Estado, apenas 308 solicitaram regularização até a quarta-feira passada. O prazo venceu no dia 6 de novembro.

Sem proteção, trabalhadores têm de cuidar dos fornos dia e noite
— O que tenho não passa de uma camisa e de uma calça - diz o carbonizador José Xavier de Andrade, 54. — Ganho R$ 4,50 por metro cúbico [de carvão produzido] - afirma Antônio dos Santos, 25, que exerce a mesma função.

— Não dá nada, não sei - afirma Santos, sem responder quanto, afinal, ganha por mês. Exatamente o que Santos tem de idade, Andrade diz ter de profissão.

Os dois trabalham sem registro em carteira em duas carvoarias do Pantanal e são o exemplo da precariedade que enfrenta a maioria dos trabalhadores carvoeiros.

Um carbonizador, durante a queima da madeira, cuida dia e noite dos fornos. Feitos de tijolos retangulares de barro, cada um tem 2,60 m de diâmetro e pouco mais dois metros de altura.

Enquanto a madeira queima dentro do forno, o carbonizador vai tapando, de cima para baixo, os pequenos orifícios abertos entre os tijolos de barro. Fechada a última abertura, o forno deixa de receber oxigênio. O fogo acaba. O processo dura cerca de 30 horas.

Andrade e Santos entram nos fornos sem qualquer tipo de proteção. Mais prudente, Santos ainda usa uma máscara cirúrgica.

Cada forno produz de 4 a 5 m3 de carvão, o que daria um ganho de até R$ 22,5 para o carbonizador por unidade. Só que eles precisam pagar ajudantes, comida e combustível.

A produção envolve outros profissionais. Tem o enchedor (ganho máximo de R$ 7 para colocar madeira dentro do forno). Há o descarregador, que, depois da queima, entra na fornalha para tirar o carvão (R$ 6 por serviço).

Existem ainda os carregadores, que lançam nos caminhões os sacos de carvão carregados na cabeça. Junto deles está o tecedor, que amarra até 800 sacas na carreta (R$ 50 a 60 por carga). Feito tudo isso, o carvão vai às siderúrgicas para fabricação do ferro gusa.

Graças ao carvão, o minério de ferro passou a ser fundido a partir de 1444, no fim da idade média. Nos fornos siderúrgicos, o carvão retira o oxigênio do minério, o qual se transforma em ferro gusa (líquido). O que sobra (calcário, sílica) é chamado de escória.

Na noite de quarta-feira, no meio do Pantanal de Miranda (205 km de Campo Grande), os irmãos Eliezer, 41, e Elias Francisco, 50, contam que foram tocar uma carvoaria com 26 fornos, mas encontraram 14, dos quais quatro ruíram. Desempregados, eles fizeram duas queimas de madeira com o que tinham.

— O que vamos ganhar só vai dar para pagar a compra [de alimentos, no valor de R$ 360] que fizemos na cidade [a 40 km] antes de vir para cá - conta Eliezer.

A reportagem encontrou em Corumbá a carvoaria Black. Lá, os trabalhadores usam capacetes, óculos, avental e botas. — Aqui tudo é certo - afirma o carbonizador Itonilço Pereira Alencar, 36.

No refeitório, um grupo de trabalhadores diz que o registro em carteira é só de fachada. — Se não produzir, não ganha - relata um ajudante. O dono da Black, Marcos Brito, não foi localizado. (Folha de S.Paulo, 11/12)

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