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2005-12-12
Um olhar de soslaio para o nicho, um gesto sutil para erguer o capacete. Reverência breve, obrigatória. Com a bênção de Santa Bárbara, protetora dos mineiros, começa o turno de 7 horas e meia numa das 8 minas de carvão da região de Criciúma, Sul de Santa Catarina. O elevador, ligeiro e tosco, sobe até a luz. Embarque feito, hora da descida, 150 metros terra a dentro, equivalente a um prédio de 50 andares. Carlos Roberto Fidelis, o Veneza, cumpre a mesma liturgia há oito anos, desde quando largou o futebol profissional para abraçar o trabalho de mineiro em Criciúma. Veneza, um dos 4,7 mil mineiros que vivem do subsolo de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ajuda a Carbonífera Criciúma a abastecer parte do Sistema Elétrico Brasileiro. Agora, se prepara para extrair mais carvão para a indústria cerâmica, a siderurgia e mais termelétricas.

Das 100 mil toneladas de carvão extraídas da mina, parte alimenta o Complexo Termelétrica Jorge Lacerda, de propriedade da belga Tractebel, com capacidade instalada de 857 MW. O carvão, o mesmo que provoca arrepios nos ambientalistas e que deu à região de Criciúma um dos maiores passivos ambientais do País, articula o retorno ao mercado brasileiro. Aproveita o embalo do chamado novo ciclo do carvão no mundo. O combustível mineral, ao contrário do que se pensa, embasa atualmente planos de construção de usinas que vão gerar milhões de megawatts de energia pelo mundo nos próximos anos. No jogo da geopolítica mundial, com o petróleo em alta, o carvão amplia a sua importância.

A ausência de uma política estratégica para o uso do carvão no Brasil não impede que o setor privado construa a própria. As carboníferas acham que o carvão terá de ser considerado opção na necessidade anual de geração de nova energia para o Brasil, cujo cenário de escassez está ali, 2009 ou 2010.

Por isso, quatro projetos termelétricos com base no uso do carvão nacional entrarão no leilão de energia nova que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fará na próxima sexta-feira. São 1.857 megawatts que tentarão vencer a corrida.

— Acho que pelo menos dois empreendimentos terão preços de energia imbatíveis neste leilão - avalia Fernando Zancan, secretário executivo do Sindicato das Indústrias da Extração de Carvão de Santa Catarina (Siecesc).

A vitória no leilão será considerada um marco, a ressurreição do setor carbonífero. O leilão tem o poder de duplicar a demanda de carvão, extraído hoje por Veneza e seus companheiros. A capacidade de geração térmica com carvão pode sair dos atuais 1.414 MW para 3.271 MW, pode mais que dobrar, se todos os projetos entrarem na lista. Até 2010, a quantidade de usinas a carvão pode dar ao País 3,9 mil MW em capacidade instalada.

AÇO
O setor siderúrgico, que entre 1945 e 1990 foi o principal cliente das carboníferas do Sul, quer voltar a comprar carvão nacional. A forte demanda da China (que cresce por ano o equivalente ao mercado brasileiro de aço), associada aos planos de expansão da siderurgia nacional, cuja meta é duplicar a produção até meados da próxima década, já trouxeram para Criciúma grupos siderúrgicos.

— Podemos voltar a produzir, mas isso vai exigir investimentos - diz Alfredo Fedel, engenheiro de minas, na Carbonífera Criciúma.

Para a produção de 35 milhões de toneladas de aço, o Brasil precisa de 13 milhões de toneladas de carvão, volume hoje integralmente importado.

— Será de 26 milhões de toneladas a demanda de carvão se o setor siderúrgico cumprir o plano de duplicar a produção. Hoje, o setor não tem condições de fornecer, mas com investimentos esta capacidade reaparece - afirma Zancan. O setor não quer fazer substituição de importação. Planeja fornecer parte da demanda, cerca de 2 milhões de toneladas ao ano, o que se somaria ao volume atual de 11 milhões de toneladas, somadas as produções do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. (O Estado de S. Paulo, 11/12)

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